MADRASTA E PADRASTO x PATERNIDADE SOCIOAFETIVA

Com o surgimento de novos arranjos familiares na sociedade, você já parou para refletir sobre a relação entre madrasta, padrasto e a paternidade socioafetiva?

Eles são ou podem ser considerados pais socioafetivos, cuja relação é marcada pelo forte vínculo de afeto?

Veremos a seguir.

Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a cada ano, milhares de casais se divorciam no Brasil, o que faz com que novos relacionamentos se formem e a relação entre madrastas/padrastos e enteados se torne cada vez mais comum.

Quando um dos genitores contrai novas núpcias, entre ele genitor e seu novo consorte surge o vínculo de conjugalidade, mas com relação às respectivas proles surge o vínculo de parentesco por afinidade.

Como consequência, o vínculo surgido com o casamento, o filho de um torna-se enteado do outro, e tecnicamente filho afim (filho por vínculo de afinidade) que com o término do casamento ou da união estável não se encerra.

Eis o que está disposto no Código Civil vigente, in verbis:

Art. 1.595. Cada cônjuge ou companheiro é aliado aos parentes do outro pelo vínculo da afinidade.

§1º. O parentesco por afinidade limita-se aos ascendentes, aos descendentes e aos irmãos do cônjuge ou companheiro.

§2º. Na linha reta, a afinidade não se extingue com a dissolução do casamento ou da união estável.

No mesmo sentido, um dos Direitos Fundamentais da Criança e do Adolescente é o direito à convivência familiar, ou seja, estar inserida dentro de sua família, que agora apresenta a figura da madrasta e/ou do padrasto, nos termos do artigo 25 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA):

Art. 25. Entende-se por família natural a comunidade formada pelos pais ou qualquer deles e seus descendentes.

Parágrafo único.  Entende-se por família extensa ou ampliada aquela que se estende para além da unidade pais e filhos ou da unidade do casal, formada por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade. (Grifo nosso).

Dessa forma, o ordenamento jurídico reconhece que a madrasta e o padrasto têm vínculo de parentesco por afinidade com o seu (s) enteado (s) ou enteada (s).  

Diante da previsão legal, mesmo a pessoa não conhecendo o seu padrasto ou a sua madrasta formou-se o vínculo de parentesco entre o padrasto e seu enteado, ou entre a madrasta e sua enteada.

Não há necessidade de convivência, nem de afeto. O que é preciso comprovar é apenas a conjugalidade (união estável ou casamento) entre os cônjuges ou companheiros.

Nesse interim, surge uma dúvida muito frequente: será que a madrasta e o padrasto automaticamente podem ser considerados mãe ou o pai socioafetivo?

A resposta é não!

A mãe ou o pai socioafetivo equipare-se à mãe ou pai biológico/registral e como tal irá exercer o poder familiar ou a autoridade parental.

Por outro lado, de ofício, a madrasta e ao padrasto não são concedidos o poder familiar ou a autoridade parental, contudo, eles não podem se eximir de cuidar da criança ou do adolescente, colocando à salvo de toda e qualquer forma de negligência, maus-tratos e violência.

Pode ocorrer que a relação comece como madrasta/padrasto e que posteriormente se torne uma relação socioafetiva, ou não. Por outro lado, pode ser que não tenha nenhum vínculo conjugal com um dos genitores, mas pode se estabelecer um vínculo socioafetivo.

E esse vínculo que decorre do afeto, de como eles se apresentam perante a sociedade, da forma como a sociedade observa o relacionamento entre essas duas pessoas, não exige um prazo mínimo.

Dessa forma, temos que para que haja a filiação socioafetiva entre madrasta e padrasto, ela precisa ser reconhecida – por via extrajudicial ou por via judicial – para que então surta os seus efeitos.

O Provimento Nº 63 de 2017, do Conselho Nacional de Justiça estabelece o procedimento para o reconhecimento da filiação socioafetiva pela via extrajudicial, ou seja, o reconhecimento voluntário da paternidade ou da maternidade socioafetiva de pessoas acima de 12 (doze) anos, perante os oficiais de registro civil das pessoas naturais.

Ressalta-se que o pretenso pai ou mãe será pelo menos 16 (dezesseis) anos mais velho que o filho a ser reconhecido e a relação entre eles deve ser estável e estar exteriorizada socialmente.

O registrador deverá atestar a existência do vínculo afetivo da paternidade ou maternidade socioafetiva mediante apuração objetiva por intermédio da verificação de elementos concretos.

Nos termos do artigo 10-A do Provimento nº 63, incluído pelo Provimento nº 83, de 14.8.19:

§ 2º O requerente demonstrará a afetividade por todos os meios em direito admitidos, bem como por documentos, tais como:

apontamento escolar como responsável ou representante do aluno; inscrição do pretenso filho em plano de saúde ou em órgão de previdência; registro oficial de que residem na mesma unidade domiciliar; vínculo de conjugalidade – casamento ou união estável – com o ascendente biológico; inscrição como dependente do requerente em entidades associativas; fotografias em celebrações relevantes; declaração de testemunhas com firma reconhecida

§ 3º A ausência destes documentos não impede o registro, desde que justificada a impossibilidade, no entanto, o registrador deverá atestar como apurou o vínculo socioafetivo

§ 4º Os documentos colhidos na apuração do vínculo socioafetivo deverão ser arquivados pelo registrador (originais ou cópias) juntamente com o requerimento. 

Feitas tais considerações, também é exigido a anuência tanto do pai quanto da mãe biológicos e o consentimento do filho menor de 18 (dezoito) anos.

O reconhecimento da paternidade ou da maternidade socioafetiva poderá ocorrer por meio de documento público ou particular de disposição de última vontade, desde que seguidos os demais trâmites previstos no provimento do CNJ.

Sendo assim, atendidos os requisitos para o reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva, o registrador encaminhará o expediente ao representante do Ministério Público para parecer. 

Suspeitando de fraude, falsidade, má-fé, vício de vontade, simulação ou dúvida sobre a configuração do estado de posse de filho, o registrador fundamentará a recusa, não praticará o ato e encaminhará o pedido ao juiz competente nos termos da legislação local.

Portanto, o reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva somente poderá ser realizado de forma unilateral e não implicará o registro de mais de dois pais e de duas mães no campo FILIAÇÃO no assento de nascimento.

Somente é permitida a inclusão de um ascendente socioafetivo, seja do lado paterno ou do materno, pois a inclusão de mais de um ascendente socioafetivo deverá tramitar pela via judicial. 

Ademais, a Lei 11. 294/09 autoriza o enteado (a) e o padrasto ou madrasta optar por colocar em seu próprio nome a identificação daquele com quem vive e que guarda sentimento de carinho e afeto, ou seja, o laço socioafetivo. 

Assim, a referida lei acrescentou o § 8º do artigo 57 da Lei dos Registros Públicos, dispondo que:

O enteado ou a enteada, havendo motivo ponderável e na forma dos §§ 2º e 7º deste artigo, poderá requerer ao juiz competente que, no registro de nascimento, seja averbado o nome de família de seu padrasto ou de sua madrasta, desde que haja expressa concordância destes, sem prejuízo de seus apelidos de família.

Pela redação acima, passou-se a admitir o acréscimo do patronímico do cônjuge do genitor respeitando os nomes de família já existentes no registro de nascimento do enteado (a), buscando apenas o reconhecimento com aquele que se tem afinidade e afeto.

Destarte, para averbação do nome de família do padrasto ou madrasta ao enteado (a) é necessário que tenha a concordância de ambos os interessados, sendo que o princípio fundamental dessa possibilidade são os laços afetivos que envolvem esse relacionamento, sendo eles pai (padrasto), a mãe (madrasta) e o filho.

Assim no caso dos os envolvidos serem crianças e adolescentes, deverá ser levada em consideração a capacidade do consentimento deste menor, e também tendo em vista a interpretação dada pelo ECA. 

Ao final, salienta-se que apesar da lei não dispor claramente sobre a possibilidade de se pleitear alimentos à madrasta ou padrasto e à enteada ou enteado, há além de julgados favoráveis, a tendência do judiciário em valorizar a socioafetividade das relações.

 E, com base nesses parâmetros existe a possibilidade de se requerer alimentos nessas relações, desde que também presentes a possibilidade daquele que, em tese, deve pagar os alimentos e a necessidade daquele que pretende pedir.

Portanto, a madrasta e o padrasto não devem mais serem vistos sob o enfoque da pessoa perversa que irá maltratar o menor, ao contrário, poderá ocorrer deles serem a pessoa que tenha forte vínculo afetivo, de amor, carinho, cuidado e atenção.

Esperamos assim, ter esclarecido as relações existentes entre a socioafetividade e essas duas figuras que estão bastante presentes nas famílias brasileiras.

No mais, sobre o tema, temos várias decisões em sentido favorável quanto a decisões contrarias, passando-se a valer da análise de cada caso concreto.

Por Talita Fernandes

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