O DIREITO DOS PAIS DE ANJOS

PAIS DE ANJOS E O DIREITO DE INCLUIR O NOME DO FILHO NA CERTIDÃO DE ÓBITO.

A dor de perder um (a) filho (a) não pode ser descrita em meras palavras, especialmente quando ocorre no início da vida, quando são esperados alegrias e planos para o futuro, porém, você sabia que na maioria dos estados brasileiros, famílias que perderam seus filhos prematuramente, também chamados de “pais de anjos”, não tem nem mesmo o direito de incluir o nome do filho na certidão de óbito?

As estatísticas são alarmantes e tristes.

Em âmbito mundial, de acordo com dados da Organização das Nações Unidas (ONU) e das Nações Unidas para a Infância (Unicef), 2,6 milhões de bebês morrem anualmente antes de completarem o primeiro mês de vida e um milhão morrem no dia em que nascem.

Conforme levantamento feito pelo Ministério da Saúde, somente no Brasil mais de 390 mil crianças, de 0 a 1 ano, morreram entre os anos de 2008 e 2017, o que significa dizer que 80 mulheres brasileiras perdem os filhos todos os dias durante a gestação e 99 crianças vem a óbito antes do primeiro ano de vida.

Deste total, mais de 12 mil casos foram registrados apenas em Goiás e 2 óbitos fetais são registrados por dia no Estado. [1]

Feitas as considerações iniciais, esclarece-se que, a lei utiliza o termo NATIMORTO, para se referir ao feto quando morre dentro do útero materno ou durante o trabalho de parto, ou seja, ao invés do nome escolhido pelos pais do bebê, consta apenas o nome natimorto na certidão também denominada natimorto.

Como regra geral, é necessário fazer o registro de natimorto, que é diferente de um registro de óbito. O médico é quem atesta se a criança nasceu morta ou não, ou, caso ele não esteja no local, duas testemunhas qualificadas que presenciaram ou verificaram a morte.

O critério para afirmar se o ser humano nasceu com vida é a criança ter atividade respiratória.

A Lei 0615/73 afirma que “o registro de natimorto é gratuito e só poderá ser efetuado no local de ocorrência do nascimento ou da residência dos pais”.

Ademais, o prazo para o registro de natimorto é de 15 dias, prorrogado até três meses, para lugares mais distantes que 30 (trinta) quilômetros da sede do cartório. Após o prazo legal, poderá ser lavrado por determinação judicial (art. 78 c/c art. 50 da lei 6015/73; art. 645 do Código de Normas).

Acontece que o assessor Felipe Aires Gonçalves, e sua esposa, a assistente social Sherloma Starlet Fonseca, que vivenciaram a experiência dolorosa de perderem o filho Gregório, com apenas três dias de vida, apelidado de forma carinhosa pelo casal como Greg, encontraram uma forma diferenciada de enfrentar o sofrimento: ajudar outros pais de anjos e famílias enlutadas a ter mais dignidade no tratamento dispensado durante este período, principalmente pelos profissionais da saúde em casos de perda gestacional, neonatal e infantil. [2]

Dessa forma, no dia 15 de outubro de 2019, no estado de Goiás, o projeto se transformou na “Lei Gregório”, após ser aprovada em duas votações, e entrou em vigor nesta data, no dia destinado a essa causa, após sanção do prefeito municipal.

Para o autor do projeto sancionado, o vereador Andrey Azeredo (MDB), a lei busca “dignificar o sofrimento e dar voz às famílias” que perderam crianças precocemente, além de “promover a humanização do atendimento nos serviços de saúde aos casos de perda gestacional, neonatal e infantil”.

A proposta foi desenvolvida juntamente com pais de anjos que perderam filhos.

A lei no estado de Goiás, corresponde ao PROVIMENTO Nº 30, DE 14 DE OUTUBRO DE 2019, da Corregedoria-Geral da Justiça, e regulamenta o assento do óbito fetal, facultando aos pais a identificação do filho natimorto; orienta Oficiais do Registro Civil das Pessoas Naturais, e dá outras providências, vejamos:

(…) CONSIDERANDO que, desde a concepção e durante a vida intrauterina, a criança por nascer não será mera perspectiva de filho, mas uma pessoa a chegar;

CONSIDERANDO que a dignidade humana é um atributo que se encontra inserido nas principais legislações constitucionais modernas;

CONSIDERANDO que a Lei de Registros Públicos não veda que, no registro de óbito fetal a ser assentado no Livro “C Auxiliar”, seja feita menção ao nome que os pais haviam escolhido para a criança; (…) Grifo nosso.

O referido provimento da CGJGO, determina aos oficiais de Registro Civil das Pessoas Naturais do Estado de Goiás que orientem os pais, por ocasião do registro de óbito fetal, quanto ao direito de atribuírem nome ao filho natimorto, facultando-lhes ainda, no tocante aos registros anteriores, requererem a retificação do assento a fim de fazer constar o nome e prenome do natimorto.

Para fazer a retificação da certidão, basta comparecer ao cartório munido da certidão de óbito e documento dos pais.

Geralmente, é cobrada uma taxa, porém, caso precise, pode-se fazer uma declaração de próprio punho afirmando não ter condições de arcar com os custos, solicitando a isenção do governo.

Ressalta-se que após a troca da certidão, também é possível solicitar a alteração do nome nos registros do cemitério.

Vale ressaltar que o provimento é uma determinação estadual, haja vista que a brecha na lei faz com que os cartórios do país tenham distintas interpretações e, na maioria das vezes, não permitam o registro do nome da criança.

Além de Goiás, alguns estados, como São Paulo, Rio de Janeiro, Sergipe, Pernambuco, Mato Grosso do Sul e Rondônia, já possuem resoluções das corregedorias de Justiça que deixam facultativo aos pais de anjos o registro do nome no documento.

Portanto, a inclusão do nome escolhido pelos pais, como forma de despedida, é muito importante, e, esse em muitos lugares do Brasil, esse vínculo afetivo é negado pelas pessoas diante da morte de um bebê, fruto de uma gestação muitas vezes repleta de amor, carinho, expectativas, sonhos e planos.

No entanto, a oficialização do nome é um ato de amor a todas as famílias que passaram por essa experiência, para que se lembrem das suas gestações e de seus bebês no seu dia a dia, para que toda a dor vivenciada no luto possa, com o tempo, se transformar em saudade e dar força e ânimo para que a vida siga seu caminho.

Almejamos que no futuro, seja regulamentada uma norma federal para que em todos os estados brasileiros, os pais de anjos tenham o direito de incluir o nome do filho na certidão de óbito, como uma forma de amenizar a dor e o sofrimento da perda.

Por Talita Verônica

Capa: Tribunal de Justiça de Goias


[1] Myrelle Motta – Diretora de Comunicação da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de Goiás.

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