O uso das Telas durante as refeições combinam?
Quem nunca de deparou com essa situação: crianças assistindo vídeos no celular ou tablet enquanto os pais enfiam colheradas em sua boca.
Ou ainda, assistindo um desenho na televisão, enquanto realiza as refeições no sofá.
Este cenário é muito mais comum do que imaginamos e ouço bastante no consultório que a única maneira da criança comer é em frente às telas. Isto é um perigo para a saúde.
Mas essa situação não é recente. Já reparou que os formatos foram apenas adaptados?
Antigamente, na hora do almoço, ligávamos a televisão ou o rádio no programa do meio dia. Hoje, as telas continuam presentes, mas em formatos e tamanhos variados.
O uso de telas já está incorporado na nossa rotina. Afinal, a maioria das pessoas trabalham com o uso de celulares, computadores… Muitas crianças se utilizam de tablets ou notebooks em atividades escolares.
Muito difícil abrimos mão desta tecnologia e do uso das telas. Mas não podemos ser reféns dela, especialmente durante as refeições.
https://blog.descobrindocriancas.com.br/2022/06/11/as-telas-sao-mocinhas-ou-vilas/
A Academia Americana de Pediatria preconiza que o tempo do uso das telas dispendido em frente à TV pelos jovens não deva ultrapassar 1h a 2h por dia[1].
No entanto, observa-se aumento crescente desta exposição em nível mundial. Nos Estados Unidos, em 10 anos, o tempo médio gasto em frente à televisão por crianças e adolescentes de 8 a 18 anos de idade aumentou de 3h45min para 4h30min por dia, e, somado às horas despendidas com videogame, computador, e outras mídias, o tempo em frente a telas aumentou de 7h30min para quase 11h diárias.[2]
No Brasil, a Pesquisa Nacional de Saúde Escolar (PeNSE) mostrou que 79,5% dos escolares do nono ano no ensino fundamental assistiam TV por duas ou mais horas diárias[3]. Já a Pesquisa Brasileira de Mídia 2015 observou que os indivíduos entre 16 e 25 anos assistem cerca de 4h19min de TV por dia.[4]
Entendo que na correria do dia-a-dia, as telas parecem ser tentadoras para distrair as crianças de forma segura. Nos grandes centros urbanos, a preocupação com a segurança das crianças têm impedido muitas de brincarem de forma rotineira em ruas, praças ou parquinhos públicos.
E para muitas famílias atrair a atenção das crianças para brincadeiras ou outras atividades de lazer, demanda muito esforço em uma rotina apertada.
Pensando do ponto de vista da Nutrição, o uso de telas está no caminho totalmente oposto às orientações que sugerimos para termos uma alimentação saudável.
Alimentar-se bem vai além da comida colocada no prato. Implica também em se conectar com os alimentos e tornar a refeição um momento de prazer e auto-cuidado.
A experiência de uma refeição é muito importante no desenvolvimento de uma criança, já que esse é um momento de exploração, onde ela começa a entender que comer não é apenas ingerir um alimento.
Esse momento é também de aprendizagem, já que é preciso tocar os alimentos, levar a boca, entender às texturas, sabores e temperaturas.
As refeições também trabalham o desenvolvimento social, uma vez que alimentar-se pode ser considerada uma atividade social, pois é a hora de sentar à mesa e compartilhar com a família e amigos.
Esse ambiente trabalha a habilidade de interagir com outras pessoas, então é importante que seja uma ocasião tranquila e acolhedora na rotina diária.
Durante as refeições é preciso evitar distrações e trazer a concentração para o alimento que está sendo consumido.
Quando a criança está na frente de uma tela, toda a concentração está naquilo que ela está vendo e ouvindo, enquanto ela deveria estar com o foco total nos alimentos que está consumindo.
Isso pode atrapalhar o desenvolvimento do paladar, uma vez que ela não está concentrada nas diferentes texturas, sabores e temperaturas dos alimentos. Também pode levar a criança a comer mais, já que aos poucos essa desconexão pode prejudicar a habilidade de identificar os sinais de saciedade enviados pelo organismo infantil.
Sem contar o estímulo para a escolha de alimentos menos saudáveis. Segundo uma pesquisa realizada pela Universidade Federal de Santa Catarina, crianças e adolescentes que usam mais telas à noite tendem a consumir menos alimentos saudáveis nas refeições noturnas.
Em vez de frutas, verduras e legumes, a dieta desses jovens pode conter mais alimentos ultraprocessados e ricos em açúcares e gorduras, como doces, hambúrguer e pizza[5].
Mas como controlar o uso das telas durante as refeições? Confira algumas dicas que passo para os pacientes:
- Mostre que dá tempo de fazer tudo!
Você pode começar criando uma tabelinha de regras e horários, que tal? A ideia é não fazer algo impositivo demais, mas algo que a criança tenha vontade de cumprir. Inclua na tabela tarefas que a criança goste de fazer.
Coloque em um mural os sete dias da semana, inserindo o tempo para os eletrônicos e outras coisas, como dia do quebra-cabeça, dia de ir ao parque e até receitas saborosas, para que ela te ajude no preparo! Pode ser o dia do macarrão, por exemplo.
A ideia aqui é mostrar que o momento de comer não vai tirar o tempo da criança de se entreter com os eletrônicos.
- Incentive na prática
Procure não mexer no celular durante as refeições, afinal de contas, a criança precisa interagir com alguém, não é? Então, para voltar a atenção a ela, é importante mostrar que você tem interesse em aproveitar o momento longe das telas também. Afinal, os pais são os exemplos!
Você pode criar junto à criança uma caixinha decorada com personagens para colocar os celulares e os controles da tv e do videogame, por exemplo, na hora de comer.
- Estimule o diálogo
À mesa ou fora dela: é mais legal conversar ao vivo e a cores do que digitar e assistir alguém que não está te enxergando do outro lado da tela!
Converse sobre assuntos que a criança goste, como os desenhos que assiste ou os temas que ela aprendeu na escola. O importante é ela se sentir confortável e engajada para continuar a conversa.
O estímulo (ou a falta dele) pode ajudar na criação de novos hábitos! Ao nos afastarmos das telas, a probabilidade de mexermos nelas sem nos darmos conta é muito menor.
Muitas vezes, o ato de mexer no eletrônico é automático, sem que prestemos atenção no que estamos fazendo. Quando deixamos longe o objeto responsável pelo hábito nós não somos estimulados a utilizá-lo!
É assim que funciona o chamado “loop de hábito”, que acontece em três fases: a deixa (um gatilho que nos estimula a tomar determinada decisão); a rotina (a frequência com que isso acontece); e a recompensa (que nos faz memorizar a ação até que se torne um hábito).
Por isso, a dica de “plantar” um estímulo em um local para criar um hábito (inserir os celulares e controles em uma caixinha antes de comer) ou retirar o estímulo responsável por um antigo hábito (afastar os eletrônicos da mesa) funciona!
Invista na conexão de toda a família na hora das refeições. Leve sua criança para a cozinha. Coisas incríveis vão acontecer! Façam as refeições de forma calma, tranquila e prazerosa. Afinal, nossa rotina já é cansativa e corrida demais!
Referência
[1] American Academy of Pediatrics, Committee on Public Education. Children, adolescents, and elevision. Pediatrics. 2001;107(2):423-6. DOI:10.1542/peds.107.2.423
[2] Rideout VJ, Foehr UG, Roberts DF. Generation M2 : media in the lives of 8-to 18-year olds: a Kaiser Family Foundation Study. Menlo Park, CA: The Henry J Kaiser Family Foundation; 2010 [citado 2015 jul 27]. Disponível em: http://files.eric.ed.gov/ fulltext/ED527859.pdf. Acesso em: 27.ago.2024
[3] Levy RB, Castro IRR, Cardoso LO, Tavares LF, Sardinha LMV, Gomes FS et al. Consumo e comportamento alimentar entre adolescentes brasileiros: Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), 2009. Cienc Saude Coletiva. 2010;15 Supl 2:3085-97. DOI:10.1590/S1413-81232010000800013
[4] Presidência da República (BR), Secretaria de Comunicação Social. Pesquisa Brasileira de Mídia 2015: hábitos de consumo de mídia pela população brasileira. Brasília (DF): Secom; 2014 [citado 2015 jul 27]. Disponível em: http://www. secom.gov.br/atuacao/pesquisa/ lista-de-pesquisas-quantitativase-qualitativas-de-contratos-atuais/ pesquisa-brasileira-de-midiapbm-2015.pdf Presidência da República (BR), Secretaria de Comunicação Social. Pesquisa Brasileira de Mídia 2015: hábitos de consumo de mídia pela população brasileira. Brasília (DF): Secom; 2014 [citado 2015 jul 27]. Disponível em: http://www. secom.gov.br/atuacao/pesquisa/ lista-de-pesquisas-quantitativase-qualitativas-de-contratos-atuais/ pesquisa-brasileira-de-midiapbm-2015.pdf
[5]Roberto DMT, Basniak LC, Costa SS, Silva SS, Vieira FGK, Hinnig PF. Association between screen use at night, food consumption at dinner, and evening snack in schoolchildren aged 7 to 14 years with and without overweight, Florianópolis, Santa Catarina, Brazil. Rev Nutr. 2024;37:e230108. https://doi.org/10.1590/1678- 9865202437e230108. Acesso em: 29.ago.2024