Uma mulher não precisa ser mãe para saber que cuidar de um filho no mundo atual e tecnológico não é tarefa fácil.
Criar sozinha um filho é uma tarefa árdua para qualquer mãe, especialmente para aquelas que são mães solo, daí a importância de se ressaltar sobre o trabalho invisível investido por elas.
No entanto, antes de mais nada, ressalta-se que a “mãe solo” é o mais novo formato de mãe. Trata-se da maneira de dizer que a mãe cria, educa, ama e é a única responsável pelo filho.
Assim, ela faz tudo sem poder contar com o apoio do pai da criança. É uma mãe que se torna responsável financeiramente pela criança, dá amor, carinho, proteção e tem a força para fazer tudo isso sem a presença de um homem.
Outra grande diferença é que a mãe solo apesar de não ter a presença do pai da criança na vida do filho, pode estar namorando.
Este novo termo acaba com a ideia de que para ser mãe você precisa estar casada, pois isso nunca fez sentido.
Além disso, maternidade solo não está relacionada ao estado civil da mulher e precisamos deixar isso bem claro!
Feitas tais considerações, nosso ordenamento jurídico versa que o poder familiar deverá ser exercido em igualdade de condições entre os genitores.
Porém, em muitas demandas familiares, a realidade, é bem diferente do disposto em lei.
Em casos de divórcio ou dissolução de união estável quando existem filhos menores e ações de alimentos e/ou pensão alimentícia que são levadas ao poder judiciário, na maioria das vezes, para atribuição do valor considera-se as necessidades da criança ou adolescente como alimento, vestuário (roupas, sapatos), educação, moradia, transporte, lazer, medicação, plano de saúde, etc.
Além das necessidades citadas acima, considera-se as possibilidades de pagamento do genitor e a proporcionalidade disso para atender ao melhor interesse do menor.
E, quando existe uma determinação judicial ou acordo, fixa-se um valor do percentual de quem pagará os alimentos que deveriam ser o suficiente para custear as despesas e necessidades básicas do filho.
Acontece, que essa quantia, normalmente, é bem inferior ao necessário.
Salvo a possibilidade de a pensão poder ser revista a qualquer momento para aumentar ou diminuir o valor, assegurar a uma criança ou adolescente a prioridade absoluta no rigor da legislação e de seu melhor interesse requer muito mais que uma mera quantia financeira.
É preciso atenção, cuidado diário e integral, direcionamento, paciência e tempo, muito tempo.
Todavia, o valor desse tempo investido pelas mulheres, especialmente às mães solo, que dedicam suas vidas aos seus filhos na maioria dos casos são negligenciados.
Toda maior parte da carga recai sobre as mães, que além do cuidado, criação e educação dos filhos, ainda precisam conciliar tudo isso com o trabalho externo.
Estamos falando do capital ou trabalho invisível investido na maternidade, que nada mais é do que esse tempo que não é monetizado, as horas de cuidado que as mães investem em seus filhos e que exigem muito da saúde mental e física.
Ademais, sabemos que uma criança, para seu pleno desenvolvimento e assegurando-lhe a prioridade absoluta que a lei confere, necessita muito mais do que a “matéria” para sobreviver.
Seja um bebê, uma criança ou adolescente, precisa-se de atenção, olhar, direcionamento, cuidados diários, que alguém – em razão da vulnerabilidade – esteja responsável por ela.
Sem querer generalizar, na maioria dos casos essa responsável é a mãe e/ou a mãe solo, salvo alguns pais que são presentes, participativos e responsáveis também.
Ora, se assim acontece e é público e notório que de fato é assim, porque não considerar o tempo/trabalho investido nessa educação no cálculo dos alimentos?
Grande parte das mulheres não quer associar valor material ao amor dado aos filhos, posto que está incutido socialmente no estereótipo da mulher que ser mãe não tem preço e que o amor deve ser incondicional.
Contudo, amor incondicional é bem diferente de comprar pão, manteiga, leite, queijo, arroz, feijão, uniforme, presente para festa de amigos, camiseta, meia, cueca, calcinha, lençol, toalha, papel higiênico, sabonete, produtos para lavar as roupas sujas do brincar saudável, sabão, detergente, alvejante, frutas, verduras, legumes, remédios, algodão, a “mistura”, o passeio, o cinema, o lápis de cor, o estacionamento do shopping, a mensalidade escolar, conserto de eletrodomésticos…
E continua…
as vasilhas e assadeiras para fazer aquele pão ou bolo que só a mãe sabe fazer, a manutenção dos eletrodomésticos e dos utensílios (sabe quanto custa mandar amolar uma faca ou tesoura?),
a linha e agulha para costurar os furos das roupas, ou para fazer a barra da calça das roupas que ela comprou de tamanho maior para servir para duas estações, sapatos, chinelos, açúcar, doce, o cobertor, os brinquedos de cada etapa do desenvolvimento enfim, poderíamos ficar horas e horas discorrendo diversos itens… e certamente vários itens ainda esquecidos e que custam.
Vamos considerar o exemplo de um casal separado em que um genitor cumpra regularmente o direito de convivência com o filho a cada 15 (quinze) dias, aos finais de semana alternados.
Em 30 (trinta) dias no mês, o genitor deveria ficar pelo menos 4 (quatro) dias do mês com a criança, certo?
A mãe ficará com o filho pelos outros 26 (vinte e seis) dias.
E mais, levando em conta que um dia tem 24 (vinte e quatro) horas, e que um mês que o genitor visitante estaria com seu filho por 96 (noventa e seis) horas, restando à mãe as outras 624 (seiscentos e vinte e quatro) horas mensais para estar à disposição prioritária do filho.
Pois bem, o sistema legal vigente determina que a mãe precisa responsabilizar-se com metade das despesas financeiras do filho, mas observe que essa mulher pagou sozinha com 624 (seiscentos e vinte e quatro) horas da vida de seu filho,
que incluem atividades como levar e trazer da escola, dar café da manhã, almoço e janta, auxiliar e fiscalizar nas atividades de higiene e limpeza, colaborar para o menor dormir na hora certa, acordá-lo pela manhã, propiciar lazer e esportes, leva-lo ao médico, passar na farmácia, fazer as compras no supermercado, fazer feira, contar história.
Ora, estamos diante de simples cálculos matemáticos! Oportunamente, fica aqui o questionamento:
Qual o custo que um ser humano paga por exercer quase que em exclusividade a obrigação de educar um indivíduo que fora formado por 2 (dois) seres humanos?
Porque um (a mãe) tem que arcar sozinha?
E como fica a vida pessoal, o autocuidado e a saúde dessa pessoa sobrecarregada injustamente e ilicitamente?
Essa dedicação compulsória, não remunerada, que obriga mulheres todos os dias geralmente NÃO são colocadas no cálculo da pensão alimentícia, mas que precisam ser consideradas.
Também nesse contexto, o próprio Protocolo para julgamento com perspectiva de gênero do CNJ, instituído pela Portaria número 27, de 02 de fevereiro de 2021 que passou a ser obrigatório em todo o Poder Judiciário nacional desde março de 2023, ressalta que no direito de família, a atuação com perspectiva de gênero mostra-se essencial à realização da Justiça,
ao se considerar que as relações domésticas são marcadas pela naturalização dos deveres de cuidado não remunerados para as mulheres e pela predominante reserva de ocupação dos espaços de poder − e serviços remunerados −, aos homens.
Não se pode deixar de afirmar, outrossim, que a construção de estereótipos de gênero relacionados aos papéis e expectativas sociais reservados às mulheres como integrante da família pode levar à violação estrutural dos direitos da mulher que, não raras vezes,
deixa a relação (matrimônio ou união estável) com perdas financeiras e sobrecarga de obrigações, mormente porque precisa recomeçar a vida laboral e, convivendo com dificuldades financeiras, deve destinar cuidados mais próximos aos filhos, mesmo no caso de guarda compartilhada.
Ao lado do ideal romântico da figura materna, o gênero feminino, sempre que não se encaixa na expectativa social, é rotulado com estereótipos como o da vingativa, louca, aquela que aumenta ou inventa situações para tirar vantagem, ou seja, a credibilidade da palavra e intenções da mulher sempre são questionadas.
Por isso a importância da análise jurídica com perspectiva de gênero, com a finalidade de garantir processo regido por imparcialidade e equidade, voltado à anulação de discriminações, preconceitos e avaliações baseadas em estereótipos existentes na sociedade, que contribuem para injustiças e violações de direitos fundamentais das mulheres.
O capital ou trabalho investido na maternidade possui valores não mensuráveis e mais do que justo que essa demanda seja dividida entre os genitores e que seja valorado no cálculo para arbitramento dos alimentos.
Portanto, o Judiciário e toda a sociedade devem estar atentos para os princípios da igualdade e da dignidade da pessoa ao tratar dos direitos humanos de mulheres e meninas, como determinado na Constituição Federal.
Ao abraçar essa perspectiva, estamos contribuindo para a construção de um futuro mais promissor para as mães solo e seus filhos, onde seus sonhos, projetos e evolução profissional sejam respeitados e apoiados.
Você mãe, que deseja que a sua defesa processual considere todos os direitos que lhe são assegurados, procure um advogado ou advogada familiarista que atue com perspectiva de gênero e que esteja disposto (a) a defender os seus interesses do início ao fim.
Por Talita Verônica