AS MUDANÇAS NA FAMÍLIA BRASILEIRA

Nos últimos anos podemos perceber algumas mudanças na família tradicional brasileira devido à vários fatos relacionados ao desenvolvimento da sociedade moderna, conforme veremos a seguir.

Desde os primórdios, o desejo e a vontade de manter vínculos entre as pessoas sempre existiu, principalmente em decorrência do perpetuamento da espécie.

Em determinado momento histórico, o casamento foi visto como uma regra de conduta, com amplo incentivo à procriação.

Podemos dizer que a formação familiar era ligada aos laços sanguíneos e os membros se limitavam ao pai, mãe e filhos, sendo que o pai era o provedor do sustento, tinha contato com a vida social e o mercado de trabalho, já a mãe tinha como obrigações os cuidados domésticos e com os filhos.

Desta forma, a esposa e filhos deviam obediência irrestrita ao seu provedor. Esse modelo de formação familiar era conhecido como patriarcal e nessa época o casamento era ligado aos negócios e tido como união eterna.

No entanto, com a Revolução Industrial, muitas mudanças aconteceram, dentre elas, fez aumentar a necessidade de mão de obra e foi assim que a mulher ingressou no mercado de trabalho, deixando o homem de ser a única fonte de subsistência da família.

Dessa maneira, a estrutura familiar também mudou, tornou-se nuclear, restrita ao casal e seus filhos (prole). Acabou também a prevalência do caráter reprodutivo e produtivo, ocasionando a migração do campo para a cidade.

Diferente da vida na zona rural, nos campos e fazendas, nos espaços menores da cidade, as famílias passaram inclusive a ficar mais próximas dos seus membros, sendo prestigiado o vínculo afetivo que envolve seus integrantes.

Daí surgindo os primeiros indícios da concepção de família formada pelos laços de amor e carinho.

Destarte, fez com que a mulher se tornasse peça importante no provimento financeiro da família, não sendo raros os casos em que é a única provedora e enfrentando os desafios da maternidade.

Tal fato, por sua vez, em alguns casos e sem generalizar, vem promovendo o afastamento precoce dos filhos do convívio familiar e assim fazendo com que os pais dividam o compromisso de educar com a escola.

Com efeito, a figura do pai passou e vem passando a ser ou mais presente na educação dos filhos ou em alguns casos a formação familiar não conta mais com essa figura, pois já existem muitos casos de mães solo, viúvas ou separadas que comandam a família, o que não é diferente com os pais que muitas vezes também estão à frente de suas famílias sem a ajuda de uma companheira.

Outros aspectos culturais e de comportamentos ligados à família também mudaram, como por exemplo: os casamentos passaram a ser realizados não mais como um negócio, mais sim por interesses individuais.

A relação entre pais e filhos se tornou mais íntima, trazendo uma educação mais liberal e a figura paterna passou a não ser mais vista apenas como o provedor do sustento, fazendo com que seja cobrado dele mais participação na educação dos filhos e nos assuntos domésticos em geral.

Ademais, a globalização impôs uma constante alteração de regras, leis e comportamentos. No entanto, trata-se de uma tarefa árdua mudar as regras do Direito das Famílias, pois é o ramo do Direito que lida com sentimentos e emoções.

Muitas vezes, o legislador não consegue acompanhar a realidade social nem contemplar todas as alterações da família contemporânea.

Desse modo, a sociedade evolui, transforma-se, rompe com tradições e amarras o que gera necessidade de oxigenação das leis. A tendência é proceder à atualização normativa.

Nesse contexto, do evidente avanço tecnológico e cientifico que marca a sociedade atual, percebe-se que a família como uma instituição social, tem passado por mudanças aceleradas em sua estrutura, organização e função de seus membros.

Ao modelo de família tradicional brasileira, somam-se muitos outros e não é possível afirmar se são melhores ou piores, apenas são diferentes.

A própria ONU (Organização das Nações Unidas) em um relatório preliminar no dia 29 de janeiro de 2016, em Nova York, diz que o conceito de família deve ser entendido “em sentido amplo” e tenta abrir as portas para reconhecer casais do mesmo sexo tanto na lei quanto na política internacional.[3]

Fato é que a família, apesar do que muitos dizem, não está em decadência. Ao contrário, houve a busca do atendimento aos interesses mais valiosos das pessoas: afeto, solidariedade, lealdade, confiança, respeito e amor.

Nas codificações anteriores, apenas o casamento merecia reconhecimento e proteção, o homem era o único considerado como chefe de família e os demais vínculos familiares não eram considerados.

Com a Constituição Federal, as relações familiares adquiriam novos contornos. A partir do momento em que as uniões matrimoniais deixaram de ser reconhecidas como a única base, aumentou-se o espectro da família.

O pluralismo das entidades familiares pode até ser um nome difícil, mas significa o reconhecimento pelo Estado, da existência de vários tipos de famílias.

Anteriormente, as uniões extramatrimoniais não eram consideradas entidades familiares, encontravam abrigo apenas no Direito das Obrigações, tratadas como uma sociedade de fato.

Já atualmente, mesmo que não indicadas de forma expressa, as uniões homoafetivas passaram a ser reconhecidas pela justiça e as uniões simultâneas, denominadas de “concubinato” também são abrigo da esfera familiar.

Nos termos do artigo 226 da Constituição Federal, a família é a base da sociedade e tem especial proteção do Estado. Mas, ao contrário do que muitos pensam, não existe um único tipo de família, ao menos para o Direito.

Hoje em dia não podemos mais falar da família tradicional brasileira de um modo geral, pois existem vários tipos de formação familiar coexistindo em nossa sociedade, tendo cada uma delas suas características e não mais seguindo padrões antigos.

Nos dias atuais existem famílias de pais separados, chefiadas por mulheres, chefiadas por homens sem a companheira, homossexual, e ainda a formação familiar do início dos tempos formada de pai, mãe e filhos, mas não seguindo os padrões tradicionais.

 Feitas tais considerações, hoje podemos nos deparar com as seguintes modalidades de família:

  • FAMÍLIA ANAPARENTAL: Prefixo Ana = sem. Ou seja, família sem pais, formada por irmãos.
  • FAMÍLIA MATRIMONIAL: aquela formada pelo casamento, tanto entre casais heterossexuais quanto homoafetivos.
  • FAMÍLIA MONOPARETAL: formada por qualquer um dos pais e seus descendentes. Ex.: uma mãe e um filho ou um pai e seus filhos.
  • FAMÍLIA MOSAICO: pais que têm filhos e se separam, e eventualmente começam a viver com outra pessoa que também tem filhos de outros relacionamentos.
  • FAMÍLIA EUDEMONISTA: família afetiva, formada por uma parentalidade socioafetiva.
  • FAMÍLIA INFORMAL: formada por uma união estável, tanto entre casais heterossexuais quanto homoafetivos.
  • FAMÍLIA MULTIESPÉCIE: formada pelo vínculo afetivo constituído entre seres humanos e animais de estimação.
  • FAMÍLIA UNIPESSOAL: quando nos deparamos com uma família de uma pessoa só. Para visualizar tal situação devemos pensar em impenhorabilidade de bem de família. O bem de família pode pertencer a uma única pessoa, uma senhora viúva, por exemplo.
  • FAMÍLIA HOMOAFETIVA: formada por pessoas do mesmo sexo.
  • FAMÍLIA EXTENSA: que se estende, composta de pais, como pai, mãe e seus filhos, tias, tios e primos, todos os que vivem proximamente ou na mesma casa. Um exemplo é o de um casal que vive com os pais do marido ou da esposa.
  • FAMÍLIA SIMULTÂNEA/PARALELA: se enquadra naqueles casos em que um indivíduo mantém duas relações ao mesmo tempo. Ou seja, é casado e mantém uma outra união estável, ou, mantém duas uniões estáveis ao mesmo tempo.
  • FAMÍLIA POLIAFETIVA/POLIAMOROSA: É a união conjugal formada por mais de duas pessoas convivendo em interação e reciprocidade afetiva entre si.

Cumpre ressaltar que essa última modalidade de família (poliafetiva) ainda não está reconhecida expressamente na legislação brasileira, mas já vem sendo tratada em algumas decisões judiciais e julgados dos tribunais.

Etimologicamente, a palavra “Poliamor” é a tradução para o português da palavra polyamory, vocábulo híbrido, no qual poly vem do grego e significa “muitos”, e a palavra amore do latim significa “amor”.

Com isso, descreve-se múltiplas relações interpessoais amorosas, negando a monogamia tanto como princípio quanto necessidade.

Os grandes juristas Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona definem Poliamor como:

[…] “teoria psicológica que começa a desacortinar-se para o Direito, admite a possibilidade de coexistirem duas ou mais relações afetivas paralelas, em que seus partícipes conhecem-se e aceitam-se uns aos outros, em uma relação múltipla e aberta” [6]

Já o Dicionário Michaelis define como um tipo de relação ou atração afetiva em que cada pessoa tem a liberdade de manter vários relacionamentos simultaneamente, negando a monogamia como modelo de fidelidade, sem promover a promiscuidade.

Caracteriza-se pelo amor a diversas pessoas, que vai além da simples relação sexual e pela anuência em relação à ausência de ciúme de todos os envolvidos nessa relação. O propósito do poliamor é amar e ser amado por várias pessoas ao mesmo tempo.

Assim, trata-se de uma relação amorosa simultânea, consensual e igualitária e que não tem a monogamia como princípio e necessidade, estabelecendo seu código particular de lealdade e respeito, com filhos ou não, constituindo uma família conjugal em que três ou mais pessoas compartilham entre si uma amorosa, em casas separadas ou sob o mesmo teto.

A família poliafetiva distingue­ se da família simultânea/paralela, pois na poliafetiva todos consentem, interagem, relacionam entre si, respeitam­-se mutuamente e geralmente vivem sob o mesmo teto, isto é, em conjunto.

Nas famílias simultâneas, elas não são conjuntas, mas paralelas e, geralmente, uma das partes não sabe da existência da outra. São núcleos familiares distintos, enquanto na família poliafetiva tem­-se um mesmo núcleo.

Não há dúvidas de que tais formas de famílias sempre existiram no Brasil, mas de forma camuflada, embora menos comum do que as famílias simultâneas, em que um homem se relaciona e, geralmente, sustenta financeiramente duas ou mais mulheres, mas em casas separadas, seja pelo casamento, pela união estável, ou mais uniões estáveis.

Nas famílias poliafetivas e simultâneas deparamos­ nos com a importante questão, que é a dicotomia entre público e privado.

Até onde o Estado dever intervir para proibir essas formas de famílias que fogem do lugar tradicional monogâmico?

Qual motivo de tanto incômodo com famílias diferentes das tradicionais?

Um Estado que se diz laico e democrático pode determinar como as pessoas devem constituir sua família?

No Brasil, o primeiro registro de uma união poliafetiva foi feito em um Cartório de Notas de Tupã, interior do Estado de São Paulo, de um trio formado por duas mulheres e um homem.

Foi lavrado uma “Escritura Declaratória de União Poliafetiva”, informando que eles já estavam nesta relação há três anos e sob o mesmo teto.

Embora estas relações sejam vistas ainda com reservas, elas começaram a aumentar. Em razão disto, em 2018, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) proibiu, ou recomendou que os cartórios não mais lavrassem tais escrituras, como se isto fosse impedir uma realidade social que se tornou jurídica.

A grande dificuldade de se reconhecer direitos às famílias poliafetivas e simultâneas, é que isto coloca a monogamia em xeque. Todo o nosso sistema jurídico está organizado com base na monogamia.

No entanto, mesmo com toda essa diversidade de famílias citas e expostas acima, podemos citar algumas características que as famílias atuais vêm apresentando em comum como:

a diminuição do número de membros, de casamentos religiosos, aumento na participação feminina no mercado de trabalho, participação de vários membros da família em sua economia, o chefe da família tende a ser mais velho, quanto mais rica mais chefes responsáveis pela família, quanto mais pobre mais os filhos contribuem na renda familiar.

Inclusive, pode-se afirmar que apesar de todas as mudanças que aconteceram ao longo de todos esses anos na instituição família, o fato de ela não se basear mais no casamento típico e religioso é a mais marcante delas, pois hoje em dia até o Código Civil já fez mudanças em relação a união dos casais, entre outras mudanças.

Conclui-se, portanto, que o conceito de família não é imóvel, muito pelo contrário, podemos identificar que o conceito de família evoluiu com o passar dos tempos.

Verifica-se que a mudança ocorre ao passo que a sociedade evolui, muda, transforma, ou seja, a sociedade traz o fato primeiramente e após, o direito acompanha, regulamenta o que a sociedade já pratica.

Percebemos claramente que a figura da família tradicional brasileira está se perdendo dentre os diversos tipos de família existentes na atualidade.

Não existe uma família melhor ou pior, mas o respeito deve prevalecer em todas.

Por fim, apesar das opiniões doutrinárias e do entendimento dos superiores tribunais, em todos os núcleos familiares temos as consequências jurídicas no que tangem aos direitos das famílias, sucessões e previdenciários.

Pugna-se para que sempre seja respeitado o afeto, a autonomia privada dos indivíduos garantida pelo Estado e, sobretudo, a dignidade da pessoa humana em todos os tipos de família, independentemente da sua nomenclatura.

Por Talita Fernandes

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Capa: FreePik


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