O DIREITO À EDUCAÇÃO NO ECA

O direito à educação no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), constitui-se como um instrumento básico para a construção da cidadania, uma vez que isso certamente viabilizará o acesso e exercício aos demais direitos civis e políticos, aos quais estão previstos constitucionalmente.

No mês de outubro, data em que é comemorado o Dia das Crianças[1] (dia 12) e o Dia dos Professores (dia 15), propício se faz a abordagem do Direito à Educação das crianças e adolescentes no Brasil, conforme as normas do ECA.

Fazendo uma linha do tempo, em 1979 tivemos um Código de Menores, que trazia um pouco da doutrina da proteção integral presente na concepção futura do ECA.

 Mas, somente com a Constituição Federal de 1988 que o direito à educação foi consagrado pela primeira vez como um direito social e se estabeleceu como dever da família, da sociedade e do Estado:

 “…assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

Nesse contexto, também foi a Constituição de 88 e seus novos ares que permitiu a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente em 13 de julho de 1990.

Marco legal sobre o assunto no país, reuniu reivindicações de movimentos sociais que trabalharam por décadas em defesa da ideia de que crianças e adolescentes também são sujeitos de direitos e merecem acesso à cidadania e proteção.

Isso significa reconhecer que são pessoas em formação de sua personalidade, de sua integridade física e moral e que estes aspectos são fundamentais para o seu desenvolvimento humano. Uma verdadeira mudança de paradigma.

Desse modo, é sempre bom ressaltar que considera-se criança, para os efeitos do ECA, a pessoa até 12 anos de idade incompletos, e adolescentes aquela entre 12 e 18 anos de idade.  Acima de 18 anos é considerado adulto.[2]

Para facilitar a compreensão, ressalta-se que o ECA foi dividido em cinco direitos fundamentais:

I – Direito à Vida e à Saúde

II – Direito à Liberdade, Respeito e Dignidade

III – Direito à Convivência Familiar e Comunitária

IV – Direito à Educação, Cultura, Esporte e Lazer

V – Direito à Profissionalização e Proteção no Trabalho.

Os eixos centrais do Estatuto são a sobrevivência, o desenvolvimento pessoal e social, e a integridade física, moral, psicológica e social do menor.

As políticas prioritárias são a saúde, a educação e a proteção especial; e são direitos fundamentais garantidos o direito à vida, à saúde e à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer e à profissionalização.

A convivência familiar e comunitária, a liberdade, a dignidade e o respeito também são direitos garantidos.

Dentre todos os direitos assegurados, a educação, portanto, é uma das políticas prioritárias da lei que, na verdade, é uma importante ferramenta de trabalho para os profissionais da educação em suas ações pedagógicas. É também um instrumento que garante as políticas públicas necessárias à infância e à juventude em situações de risco e vulnerabilidade social.

Conforme o Capítulo IV, Do Direito à Educação, à Cultura, ao Esporte e ao Lazer, o artigo 53 do ECA dispõe:

Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes:

I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

II – direito de ser respeitado por seus educadores;

III – direito de contestar critérios avaliativos, podendo recorrer às instâncias escolares superiores;

IV – direito de organização e participação em entidades estudantis;

V – acesso à escola pública e gratuita, próxima de sua residência, garantindo-se vagas no mesmo estabelecimento a irmãos que frequentem a mesma etapa ou ciclo de ensino da educação básica. (Redação dada pela Lei nº 13.845, de 2019)

Parágrafo único. É direito dos pais ou responsáveis ter ciência do processo pedagógico, bem como participar da definição das propostas educacionais.

Percebe-se claramente que a ECA assegura a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; direito de ser respeitado por seus educadores; direito de contestar critérios avaliativos, podendo recorrer às instâncias escolares superiores; direito de organização e participação em entidades estudantis, e acesso à escola pública e gratuita próxima de sua residência.

Ademais, é dever da instituição de ensino, clubes e agremiações recreativas e de estabelecimentos congêneres assegurar medidas de conscientização, prevenção e enfrentamento ao uso ou dependência de drogas ilícitas, tema extremamente importante para ser abordado com as crianças e adolescentes.

Outrossim, o estatuto da criança e do adolescente em seu artigo 54 também estipula os deveres do Estado para que sejam assegurados os direitos apontados, vejamos:

 Art. 54. É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente:

I – ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria;

II – progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio;

III – atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino;

IV – atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a cinco anos de idade; (Redação dada pela Lei nº 13.306, de 2016)

V – acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um;

VI – oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do adolescente trabalhador;

VII – atendimento no ensino fundamental, através de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.

Assim, é garantido o ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria; assegurado também a obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio.

O oferecimento de atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino, o atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade são de extrema importância.

Inclusive o acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um e o ensino noturno regular, adequado às condições do adolescente trabalhador.

Outro dever que não pode ser esquecido é a promoção ao atendimento no ensino fundamental, através de programas suplementares de material didático escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.

Vale lembrar que o acesso ao ensino obrigatório e gratuito é um direito público subjetivo, o que vale dizer que, caso o Poder Público não o garanta ou não o faça de maneira regular, o cidadão tem a possibilidade de exigi-lo judicialmente.

Todos os poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário – e níveis da federação – União, Estados e Municípios – devem efetivar os direitos e garantias previstos no ECA, bem como fiscalizar seu cumprimento, para o quê devem existir órgãos capacitados e competentes para tal.

Temos hoje, por exemplo, Coordenadorias de Educação (escolas municipais), Diretorias Regionais de Ensino (escolas estaduais), Secretarias de Educação (estadual e municipal), Defensoria Pública, Ministério Público, Poder Judiciário, Conselhos Tutelares, e Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente.

Desse modo, as prefeituras, governos estaduais e governo federal têm como uma de suas funções principais promover a política social básica da Educação e são obrigados a oferecer e cuidar de uma rede constante de ensino.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação chegou em 1996 para especificar que à União cabe a função de estabelecer uma política nacional de educação, que aos Estados cabe oferecer o ensino fundamental gratuito e priorizar o ensino médio e que aos municípios cabe prover o ensino infantil (creche e pré-escola), priorizando o ensino fundamental.

Por outro lado, o ECA determina a possibilidade de aplicação de medidas protetivas sempre que os direitos nele previstos forem ameaçados ou violados. Isso vale tanto para as ameaças aos direitos pelo Estado, pela sociedade ou pela própria família.

Nesses casos, a atuação da Defensoria Pública ou do Ministério Público serão essenciais, sem falar nos Conselhos Tutelares, órgãos permanentes e autônomos, não jurisdicionais, encarregados pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos definidos no Estatuto.

Se por exemplo, um pai ou uma mãe não encontrem vagas nas escolas para os filhos, o Conselho Tutelar pode ser acionado, solicitando ao serviço público o atendimento da demanda.

Da mesma maneira, o Conselho pode exigir dos pais a matrícula e a frequência obrigatória em estabelecimento oficial de ensino. Afinal, ainda não há lei que regulamente a educação domiciliar (homeschooling) no Brasil[3], sendo obrigatório o ensino em instituição adequada, compreendendo três etapas: a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio.

Com efeito, além disso, o ECA também prevê medidas socioeducativas, direcionadas exclusivamente aos adolescentes que tenham praticado atos infracionais e, ainda que o adolescente esteja cumprindo sanção pela prática de algum ato, seu direito à educação em nada é afetado.

E por falar em Conselho Tutelar, vejamos o que diz o artigo 56 do Estatuto:

Art. 56. Os dirigentes de estabelecimentos de ensino fundamental comunicarão ao Conselho Tutelar os casos de:

I – maus-tratos envolvendo seus alunos;

II – reiteração de faltas injustificadas e de evasão escolar, esgotados os recursos escolares;

III – elevados níveis de repetência.

Por esse artigo, vale lembrar que uma das obrigações impostas aos gestores escolares é comunicar ao Conselho Tutelar, sob pena de cometer infração administrativa, casos de maus-tratos envolvendo seus alunos, reiteração de faltas injustificadas e de evasão escolar e elevados níveis de repetência, após esgotados os recursos escolares de solução pedagógica dos casos específicos.

Outro eixo de promoção do direito à Educação consolidado pelo ECA é a família, sendo os pais e/ou responsáveis compelidos a matricular as crianças e adolescentes nas instituições de ensino e garantir a permanência deles até o final do período compulsório. Alguns programas públicos de distribuição de renda, inclusive, condicionam o benefício à frequência escolar.

O não cumprimento dessas obrigações também pode acarretar sanções de natureza civil e penal. Na esfera cível, responsabilidade em razão do poder familiar e, na penal, sujeição à infração do art. 2464 do Código Penal, pelo crime de abandono intelectual.

Todavia, mais de 30 (trinta) anos se passaram desde a promulgação do ECA[4] e não se pode negar que houveram enormes avanços na proteção dos direitos das crianças e dos adolescentes.

Apesar de a educação brasileira ainda ter que superar o desafio da qualidade, os índices anteriores ao ECA eram muito menores, sem contar a inexistência do Conselho Tutelar, que ampliou a rede de proteção à infância.

Somente depois da vigência do Estatuto tivemos órgãos competentes para lidar tanto na prevenção de violação de direitos quanto no enfrentamento dos inúmeros problemas ainda existentes.

Com a pandemia, o ECA ganhou novos e inéditos desafios. Dentre eles, a preocupação é o não agravamento da vulnerabilidade social das crianças e adolescentes que ficaram fora da escola devido ao isolamento social. Na prática, os profissionais da educação já percebem queda nos indicadores de aprendizagem dos alunos menos favorecidos.

Milhares de estudantes não conseguiram continuar os estudos, seja pela escola não poder propiciar o ensino remoto, seja pela inviabilidade de acessar o conteúdo pelos meios eletrônicos e virtuais ou pela necessidade de, em plena pandemia, trabalhar para ajudar a família em desespero econômico.

Além disso, o aumento na evasão escolar também é aguardado, já que houve quebra do vínculo aluno/escola.

Enfim, é importante lembrar que o ECA já foi alvo de várias leis que modificaram sua redação original e ainda estão em análise diversas propostas que pretendem alterar o estatuto. Muitas mudanças vieram para modernizar a norma, mas, em relação a novos projetos, alguns tem o interesse de endurecer a punição aos adolescentes infratores.

Contudo, apesar de uma constante desinformação dentro do próprio país sobre sua adequação e eficiência, o Estatuto da Criança e do Adolescente é visto como referência mundial na defesa dos direitos da infância e da adolescência.

Na prática, precisamos criar condições para que pais, mães, familiares, professores e a sociedade[5] de um modo geral possam também conhecer este estatuto com profundidade, até porque as instituições de ensino recebem crianças, vítimas de várias violações aos seus direitos, frutos de violências domésticas físicas e psicológicas, de bullying, alienação parental, de preconceito e discriminação por exemplo.

Portanto, o ECA é muito bom, mas seria melhor ainda se fosse cumprido. A malha protetiva, por não ter profissionais que dominem o conhecimento da matéria, acaba fazendo com que os direitos não sejam observados e a norma não seja efetivamente aplicada.

Além disso, não adianta ter um sistema punitivo ou que, eventualmente, venha a respaldar o direito de uma criança e um adolescente, se na prática ocorre o contrário. Também são necessários investimentos orçamentários para que esse sistema funcione efetivamente e que a sociedade brasileira compreenda todas as normativas que o ECA traz.

Por Talita Verônica

Capa: FreePik

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