NEURODIVERSIDADE E O PENSAR FORA DA CAIXA

Após ter participado de um evento chamado “Repensando o autismo – Out of the box”, em tradução livre, “fora da caixa”, resolvi compartilhar com você este tema.

O “Out of the box” é um evento totalmente voltado para discussões sobre o autismo e suas temáticas atuais, neste ano o tema central foi a neurodiversidade.

Neste artigo, abordarei dois pontos centrais a neurodiversidade e o pensar fora da caixa.

Antes de abordar estes dois tópicos, quero refletir com você:

Em sua vida pessoal ou familiar, o que tem feito fora da caixa?

Na sua prática profissional, o que tem feito nos últimos tempos que o faz pensar fora da caixa?

Já, já retomarei as ponderações.

Irei tratar neste artigo o conceito de neurodiversidade no autismo. No entanto, vale ressaltar que este é um conceito amplo, no qual abrange condições além do Espectro, como por exemplo, o TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade).

O conceito de neurodiversidade foi desenvolvido pela socióloga australiana Judy Singer nos anos 90, estudiosa sobre o assunto e que o levou para sua tese de Doutorado.

Aqui no Brasil, este conceito vem ganhando força e notoriedade, através do ativismo de autistas adultos como Rita Louzeiro, Amanda Paschoal e Fernanda Santana. Entretanto, ainda há um longo caminho a ser percorrido no reconhecimento deste conceito.

A neurodiversidade traz como ponto principal: o autismo não é uma doença e nem uma “anormalidade”, são diferenças neurológicas dentro da diversidade humana, que devem ser reconhecidas e respeitadas, ou seja, não existe um ‘normal” neurológico, mas variações deste.

É importante ressaltar, a neurodiversidade surge justamente para proteger os direitos de pessoas no espectro, visto que no autismo, uma das suas principais características é a dificuldade de comunicação.

Mesmo alguns autistas sendo verbais, existe uma dificuldade na expressão de pensamentos, emoções e sensações corporais, já os autistas moderados ou severos muitos podem não desenvolver a fala.

Este conceito defende que qualquer comportamento é uma forma de comunicação.

Ou seja, se o autista apresenta comportamento de autoagressão, apenas a medicação não irá solucionar o problema, visto que ele está expressando através daquele comportamento alguma insatisfação, por exemplo, dor, dificuldade, emoções e sentimentos, que não consegue comunicar por palavras.

Um tema assim, traz à tona uma reflexão, consequentemente um debate relevante.

É importante destacar que a neurodiversidade não se opõe ao tratamento medicamentoso para autistas.

Mas defende que cada caso é único, cada pessoa é única e deve ser analisada dentro de sua individualidade e especificidades, sendo assim, a medicação não deveria ser usada apenas para controle do comportamento.

Esta é uma das questões muito debatidos por movimentos que contestam esse conceito.

Levar em conta não somente o autismo, mas suas comorbidades, todo o contexto em que o autista se encontra, suas relações, é outro ponto considerado pela neurodiversidade.

E esse contexto abarca também a família, como disse no texto sobre a prática clínica infantil, e que vale a pena repetir é que as famílias são um sistema complexo, são relações que envolvem uma gama de questões. Clica aqui

Ressalto aqui que o conceito de neurodiversidade é extremamente recente, e que muitos desafios e críticas ainda são levantados e que precisam também ser mencionados aqui.

Por exemplo, o medo de familiares e estudiosos da área, que esse movimento possa dificultar o tratamento de autistas com graves comprometimentos, pois destacam que o conceito não consegue alcançar e falar por todo o Espectro.

Ou ainda sobre a delimitação do conceito, do que seja apenas uma diferença e daquilo que pode ser prejudicial.

Ressalto aqui, para dar continuidade ao nosso artigo, que o autismo não é uma doença, então a cura não cabe aqui.

Neste sentido, uma das conclusões desse evento foi a importância de reconhecer que o foco do tratamento terapêutico no autismo não deveria ser o treinamento para que tenham um funcionamento social típico, mas sim minimizar disfunções que podem advir de múltiplos fatores, como as comorbidades, para assim, inserir o autista na sociedade.

Assim como o tratamento médico não deveria ter como objetivo “normalizar” a criança ou adulto, ou seja, é preciso ir além para entender a complexidade do espectro, de modo integral, e assim tratá-lo com a medicação e terapêutica adequadas.

Outro ponto significativo deste evento foi a fala de uma doutora, que também está no espectro, em que ela ressalta o quanto o autismo deveria ser caracterizado de uma maneira mais positiva no mundo em que vivemos hoje.

Para continuar esta reflexão, gostaria de saber:

Quantos autistas você conhece hoje?

E o que você pensa ou já pensou sobre eles e suas famílias? 

Aqui vale um adendo.

Percebe-se o quanto é difícil para as famílias receberem um diagnóstico de um transtorno, e compreendê-lo de uma outra forma, contribuiria neste processo de aceitação e tratamento do mesmo.

Diminuiria os processos de resistência e negação para termos então famílias participativas e engajadas no acompanhamento dos filhos.

Sabe aquele evento que possibilita diversas discussões positivas?

Foi este. Muitos debates e falas importantes de profissionais engajados em uma causa, informações que nos fazem pensar e repensar não só o campo da neurodiversidade, mas sobre os dias atuais.

Trago aqui novamente as perguntas que fiz no início do nosso artigo:

Em sua vida pessoal, em seu meio familiar, o que tem feito fora da caixa?

E em sua prática, enquanto profissional, o que tem feito nos últimos tempos que o faz pensar fora da caixa?

Se teve uma habilidade que todos nós exercitamos nos últimos meses foi essa.

Sair da zona de conforto, reinventar os dias, e não só uma vez, mas por diversas vezes. A vida familiar já não é a mesma e o trabalho também não.

Neste momento, novas configurações e modos de existir são pensados e traçados. Assim como neste debate sobre a neurodiversidade, onde é possível perceber, encontrar, reconhecer que existem outras formas de viver e ser no mundo.

Na vida pessoal, novos desafios surgiram, aprender e ensinar a usar máscara, usar álcool em gel, lavar as mãos com frequência, higienizar produtos, ficar mais em casa, trabalhar em casa e olhar mais para dentro.

No profissional, novas configurações de atendimento, o presencial não é permitido e o mundo virtual agora é a realidade possível.

Novas ferramentas, novos aprendizados, novas conexões, e surgem então as possibilidades.

As barreiras de local, os limites, agora não são impedimentos para o atendimento.

É possível atender qualquer pessoa em qualquer lugar do mundo. Aquele familiar que estava sempre ausente nas sessões, agora é possível vê-lo e acessá-lo através das telas.

Porém, o mundo virtual traz limitações de idade, de quadros clínicos, de necessidades. Algumas famílias conseguiram se adaptar e outras não tiveram escolha.

Então, outro momento se inicia no universo profissional, o retorno aos atendimentos presenciais.

Um caminho longo de reformulações.

Primeiro a máscara, mas ela escondeu o sorriso e as expressões, no entanto, as crianças precisam dos dois! Elas recisam enxergar o outro que ali está. Então, é preciso novas ferramentas: máscara semifacial, face shield, jaleco, álcool, higienização…

Ufa! Sair da caixa não é fácil, mas é preciso ir além.

Cuidando de cada detalhe para que o sofrimento dessa retirada abrupta da terapia, dos amiguinhos, da escola, das tias, da família e dos sentidos sejam minimizados para as crianças.

Difícil? Sim, muito! Mas é preciso sair da caixa para ver o mundo lá fora e as possibilidades que ele nos traz.

Nesse caminho, descobri então muitas formas de conectar e de agir.

Famílias inteiras que precisaram se reinventar, aprender a conviver, a trabalhar com a presença dos filhos e a dividir as tarefas.

E aqui trago novamente a neurodiversidade. Novas possibilidades, um novo olhar, novas formas de viver, de agir, de se comportar e de ser no mundo. Lembrando que muito ainda precisa ser feito e debatido neste caminho.

Não!  Não foi e não está sendo fácil, alguns planos adiados, outros cancelados, e outros sendo reinventados.

Mas uma coisa fica de toda essa experiência, precisamos juntos pensar mais fora da caixa.

É fácil? Não é. Mas abre um caminho diferente, um caminho de novas possibilidades.

Vamos juntos descobrir conceitos e repensar paradigmas?

Com afeto,

Sarah Izis

Foto Capa Twiter

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