O PAPEL DA ESCOLA COMO PROVEDORA DA DESCONSTRUÇÃO DO PRECONCEITO

A construção da identidade e o papel da escola como provedora da desconstrução do preconceito

Já sabemos que as crianças assimilam conceitos presenciados em seu dia a dia.

Podemos concluir, que da mesma forma ocorre a construção de ideias preconcebidas sobre o outro, baseadas naquilo que veem, ouvem e vivem em seu entorno.

São pequenas falas, pequenas atitudes, que vão tomando forma de pequenos preconceitos que aos poucos fazem com que as crianças comecem a ter atitudes de exclusão de indivíduos de determinado grupo, segregando aqueles que não se encaixam no padrão estabelecido pela construção errônea de sociedade.

Baseada em uma experiência realizada há mais de 50 anos pelo psicólogo social Henri Tajfel que teve como objetivo estudar a origem do preconceito, uma professora do ensino fundamental da cidade de Quebec, Canadá, fez uma pequena experiência com os seus alunos de terceiro ano para constatar a discriminação e os seus efeitos.

A proposta inicial foi dividir a sala em dois grupos: altos e baixos.

Para justificar essa separação, a professora argumentou que pesquisas recentes indicavam que as crianças baixas eram inteligentes, criativas, rápidas e sábias, enquanto que as altas o oposto.

Houve o questionamento e a discordância de diversos alunos, alegando e justificando que não fazia sentido tal afirmação, considerando que todos crescem e não deixam de ser inteligentes, porém num quadro geral, foi feita uma divisão claro entre os altos e os baixos, principalmente porque a professora incentivou a separação e supostamente, confirmava as características que diferenciava os altos dos baixos.

Quase que imediatamente, a discriminação começou a ocorrer.

Os sentimentos das crianças dos dois grupos, suas fisionomias, falas e reações, bem como o clima que se estabeleceu na sala foi notável.

A partir daí, haviam desde crianças que estavam no grupo privilegiado se sentido bem devido à sua posição, tinham também aqueles que estavam muito tristes por seus amigos pertencerem ao grupo discriminado e ainda acompanhar o olhar daqueles que sofriam o preconceito instalado.

No dia seguinte, como planejado pela professora, a situação se inverte, mas os resultados não são exatamente os esperados.

As crianças visivelmente aprendem muitas coisas, principalmente sobre os sentimentos daqueles que são discriminados, mas se isso se perpetua e se reflete em outras instâncias de suas vidas não é possível ter claro. A experiência traz mais perguntas do que respostas.

De qualquer forma, uma coisa fica clara a todos e se traduz nas palavras de um aluno discriminado antes da experiência por estar acima do peso: “a discriminação não serve para nada, só para fazer as pessoas chorarem e ficarem com raiva”.

Pequenos invisíveis

Trabalhar as relações do preconceito e do de racismo não é apenas uma questão de interesse.

É obrigação legal desde 2003, quando foi aprovada a lei 10.639, que determinou a inserção de conteúdos de história e cultura afro-brasileira e africana nos currículos escolares.

E a boa notícia é que, ao adotar tema preconceito, você ajuda a combater o racismo não apenas fora, mas também dentro da escola.

Afinal, crianças e jovens que aprendem a valorizar o diferente tendem a superar preconceitos.

A escola tem o papel de formar o aluno para o exercício de cidadania, do trabalho e continuar aprendendo ao longo da vida.

Esta é a orientação da Lei de Diretrizes de Bases e das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino no Brasil.

Ampliar a cidadania é um dos objetivos principais que devem orientar o trabalho pedagógico, por causa disso, a escola tem que buscar o desenvolvimento de competência e habilidades que permitam compreender a sociedade que vivemos.

Mas esta sociedade deve ser entendida como uma produção “dinâmica” dos seres humanos, um processo permanente de construção e reconstrução do preconceito.

O entendimento deste desenvolvimento da cidadania também significa a capacitação para saber avaliar o sentido do mundo em que se vive, os processos sociais e o papel de cada um nesses processos.

Confira a seguir dicas para trabalhar e combater o racismo na escola:

Valorizar as diferentes culturas

Abrir o diálogo estruturado, crítico e democrático é uma maneira de dar voz àqueles que vivenciam o racismo em seu cotidiano, seja na vida comunitária, na escola, na família ou nas redes sociais.

Reconhecer e valorizar os diferentes grupos étnicos presentes em nossa sociedade, sempre inserindo aos alunos a consciência de que toda história tem dois lados, é fundamental para expor as desigualdades estruturais que perduram em nossa sociedade.

Já pararam para pensar que em nosso currículo, a história sempre é contada pela versão dos brancos?

Mesmo conscientes de que negros e índios tiveram e continuam tendo papel importante na história e na construção de nossa sociedade, porque ainda há a insistência apenas em propagar a “versão branca” de nossa história?

Esse papel precisaria ser evidenciado no mínimo, exercendo um discurso de igualdade de importância na construção da história de nosso país.

Trazer as culturas afro-brasileira e africana para dentro da escola

Um grande passo inicial para o combate ao racismo e ao preconceito é estudar as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana.

Esse documento vai servir para ampliar a sua compreensão do tema e do que se espera desse passo.

Feito isso, torna-se fundamental incluir o compromisso com o combate ao racismo no Plano Político Pedagógico, o PPP, da escola.

Feita a inclusão, o trabalho das questões raciais se torna perene e constante na escola, e não se limita a projetos isolados, como uma semana de Cultura Afro-Brasileira, por exemplo.

Leve diversidade cultural para a sala

Uma coisa é aprender sobre África e seus povos numa aula expositiva, com o uso de um livro.

Outra, bem diferente, é sentir, ouvir, tocar, vivenciar essa cultura apresentada por meio de suas músicas, instrumentos musicais, palavras e dialetos, contos populares, histórias pessoais de imigrantes, obras de arte, artesanato, alimentos, fotografias, tecidos e joias.

Tente trazer estes “adereços” multissensoriais para sua sala quando for apresentar novas culturas.

 Faça com que os alunos conheçam uma variedade de pessoas e ambientes.

A maioria das pessoas teme e rejeita tudo o que não conhece ou simplesmente não teve a oportunidade de ter contato. Conhecer pessoas e passar tempo com elas é uma forma de derrubar barreiras e preconceitos

Não se limite às datas comemorativas
Claro que as datas comemorativas devem ser celebradas, mas não é por isso que durante todo o restante do ano esse assunto deva ser deixado de lado.
Uma dica é fazer uso de personalidades históricas e eventos marcantes na história da luta racial no Brasil e no mundo.
Com os alunos mais velhos, organize debates sobre como o cruzamento de etnia, religião, cultura, geografia e status socioeconômico resulta em experiências de vida muito diversas para diferentes grupos de pessoas.
Recorra à arte e aos livros

Uma ferramenta muito eficiente para trabalhar o combate ao racismo pode ser a arte. Livros, por exemplo, ajudam a compartilhar experiências pessoais de diferentes indivíduos.

Por isso, escolha títulos que tragam essa diversidade e sugira leituras em grupo, seguidas de discussão, ou mande os livros para casa com a orientação de que o aluno, no retorno, compartilhe com a turma aquilo que aprendeu. Insira sempre que possível, lições explícitas sobre racismo e resolução de conflitos

É um grande desafio abordar o racismo no Brasil, especialmente quando estamos com crianças, mas o fato é que é um assunto que não pode simplesmente ser ignorado.

Se o professor evita os conflitos e desafios das diferenças humanas, pode passar a falsa mensagem de que tudo é só harmonia no mundo, já que todas as culturas são divertidas e interessantes.

Ensine sobre justiça social

Assim como o bullying, o racismo, infelizmente, ainda é muito comum em escolas.

Quando desenvolvido de forma contínua, os trabalhos que envolvam a temática de justiça social desenvolverão novos olhares sociais, com valorização da autoestima de crianças negras, indígenas, entre outras, na escola, e o reconhecimento de comportamentos desiguais e preconceituosos.

Como podemos ver, combater o racismo é algo muito mais profundo que repreensão, violência ou segregação.

Trata-se de um trabalho árduo e constante que exige dedicação do professor, sugerindo inclusive que seja tratado com outros professores, de maneira interdisciplinar, pauta em reuniões pedagógicas, reuniões de pais, prestando atenção a situações cotidianas que podem reproduzir o problema, você certamente estará ajudando a combatê-lo em sua escola desde cedo.

Também é nosso papel construir e instruir nossas crianças e jovens baseadas em valores e justiça social sobretudo, a inserção constante de sentimentos que aproximam e acolhem com empatia e respeito.

Por Fernanda Colli

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Capa: Freepik

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