ÓRFÃOS DO FEMINICÍDIO

Órfãos do feminicídio: crianças são vítimas invisíveis do crime

Antes de elucidar o tema órfãos do feminicídio, é imprescindível explicar o que é FEMINICÍDIO.

O feminicídio é o homicídio ocorrido contra uma mulher em virtude de discriminação de gênero, ou seja, o crime é praticado porque a vítima é uma mulher.

A palavra feminicídio ganhou grande repercussão no ano de 2015, quando foi aprovada a Lei 13.104/15, que veio para alterar o art. 121 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7/12/1940.

Código Penal, para prever o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio, e o art. 1º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, para incluir o feminicídio no rol dos crimes hediondos.

A Lei 13.104/15 foi criada a partir de uma recomendação da CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito) sobre Violência contra a Mulher do Congresso Nacional, que investigou a violência contra as mulheres nos estados brasileiros entre março de 2012 e julho de 2013.

Esta lei alterou o Código Penal brasileiro, incluindo como qualificador do crime de homicídio o feminicídio e o colocou na lista de crimes hediondos, com penalidades mais altas.

No caso, o crime de homicídio prevê pena de 06 a 20 anos de reclusão, mas quando for caracterizado feminicídio, a punição parte de 12 anos de reclusão.

É importante esclarecer que a Lei do Feminicídio não enquadra, indiscriminadamente, qualquer assassinato de mulheres como um ato de feminicídio. A lei prevê algumas situações para que seja aplicada:

Violência doméstica ou familiar: quando o crime resulta da violência doméstica ou é praticado junto a ela, ou seja, quando o autor do crime é um familiar da vítima ou já manteve algum tipo de laço afetivo com ela;

Menosprezo ou discriminação contra a condição da mulher: ou seja, quando o crime resulta da discriminação de gênero, manifestada pela misoginia e pela objetificação da mulher, sendo o autor conhecido ou não da vítima.

O Brasil é considerado o quinto país do mundo com maior número de feminicídios.

Agora, durante a pandemia em decorrência do novo coronavírus, os índices são preocupantes.

Segundo o estudo do FBSP, em 2021 o Brasil perdeu mais de mil e trezentas mulheres por crimes de feminicídio.

A média é de mais de 25 casos por semana, ou pelo menos uma mulher morta a cada 8 horas. Outros dados ainda trazem recortes mais específicos deste crime bárbaro:

97,8% das vítimas foram mortas por um companheiro atual, antigo ou outro parente, 66,7% das vítimas são mulheres negras. Mais de 70% das mulheres mortas tinham entre 18 e 44 anos, ou seja, idade reprodutiva.

A partir da taxa de fecundidade do país, os pesquisadores chegaram a uma estimativa: o feminicídio deixou cerca de 2.300 órfãos no Brasil, só em 2021.

Depois da definição e dos dados do feminicídio, você já parou para pensar quantas crianças ficam órfãs em razão do falecimento dessas mães?

Mulheres, mães são assinadas todos os dias por esposos, companheiros agressores, e essas mães deixam filhos menores de idade e até mesmo filhos adultos órfãos.

O feminicídio deixa um rastro de tristeza para todos os envolvidos, principalmente para as crianças e adolescentes que não conseguem lidar com o luto.

 Além de lidar com o luto essa criança pode ficar órfã de mãe e pai, visto que, muitas vezes aquele que cometeu o crime pode ser o pai ou responsável pela criança.

Com o núcleo familiar destruído as crianças e adolescentes são encaminhadas para a família extensa (que são os avós, tios, primos e até mesmo os irmãos mais velhos).

Porém, se não tiver ninguém da família extensa para amparar essa criança, ela será encaminhada para um abrigo e consequentemente será inserida no Cadastro Nacional de Adoção.

Se você quiser descobrir sobre o tema adoção, aproveito para deixar links dos textos que escrevi sobre o tema, como: Adoção Tardia e seus desafios e Apadrinhamento Afetivo x Adoção.

O professor José Raimundo Carvalho, da Universidade Federal do Ceará, em parceria com o Instituto Maria da Penha, ouviu 10 mil mulheres desde 2016, revela que cada mulher que morre deixa aproximadamente três órfãos e que a maioria desses órfãos fica com a família do assassino.

As políticas de combate à violência de gênero têm avançado no Brasil nos últimos anos, mas a assistência aos órfãos destes crimes ainda é limitada.

Podemos perceber que é de extrema importância implantar programas para amparar crianças e adolescentes que ficaram órfãos em razão do feminicídio. E essa situação é muito séria porque sem uma rede de apoio essa criança passa por inúmeras situações difíceis.

Segundo o programa do Fantástico, no âmbito federal, temos 11 projetos de lei com propostas para oferecer assistência focada em órfãos de feminicídio tramitam na câmara dos deputados.

Um dos objetivos, segundo o texto, é “garantir direitos e assistência integral (…) aos órfãos de feminicídio.”

O Fantástico consultou o Planalto e o Ministério da Cidadania sobre as ações práticas tomadas desde a publicação de um decreto do presidente Jair Bolsonaro, de dezembro de 2021, que instituiu o plano nacional de enfrentamento ao feminicídio, mas o governo não respondeu.

No Amazonas, Defensoras Públicas criaram um projeto em 2018, para proporcionar assistência psicológica e jurídica para os órfãos do feminicídio.

A defensora pública Pollyana Souza Vieira, tem como meta ações direcionadas para os familiares das mulheres vítimas do feminicídio.

“Falta um olhar para essas ‘vítimas ocultas’. Sim, elas ainda são invisíveis, a gente ainda tem muito que avançar nesse sentido. É cruel pensar isso, mas é verdade, porque quando acaba o processo na Justiça, a denúncia na delegacia, o assassino vai preso e pronto!

Está resolvido o problema para o Estado. Só que ninguém verifica o que está por trás disso, as implicações que essa violência vai causar para os seres humanos que sobreviveram àquilo tudo e eles ficam totalmente invisíveis”, alerta Pollyana.

Para a defensora Lara Teles, do projeto Rede Acolhe, da Defensoria Pública do Estado do Ceará, mesmo depois de assassinadas, enterradas, essas mulheres sofrem os efeitos do machismo:

 “Alguns réus tentam deslegitimá-la enquanto mulher, dizer que ela traiu, inventar histórias negativas, tentar justificar a conduta, criminalizar essa mulher.

Uma das minhas principais preocupações nesse processo de feminicídio é justamente preservar a imagem dessa mulher”.

A Rede Acolhe oferece assistência integral aos familiares de vítimas de homicídios com atuação no feminicídio.

“A gente atua não somente como assistência de acusação do Ministério Público, trazendo a voz da família da vítima para dentro do processo, em busca de memória, justiça e reparação, evitando uma revitimização dessas pessoas pelo sistema de justiça”, afirma Lara.

O feminicídio é a consequência mais trágica do machismo estrutural — que expõe muitas mulheres brasileiras a todo tipo de violência física e emocional por parte de seus parceiros e ex-parceiros. Esses comportamentos são crimes previstos na Lei Maria da Penha.

A psicóloga da Defensoria Pública do DF, Roberta de Ávila, explica que, em muitos casos de feminicídios, crianças e adolescentes precisam lidar, não apenas com a dor da perda da mãe e às vezes do próprio pai, mas com o sofrimento de ter presenciado o momento do assassinato. “

Esse é um problema social muito grave. É preciso, urgentemente, focar em políticas públicas que minimizem os efeitos desse trauma nessas vítimas indiretas.

 Assim, podemos impedir a perpetuação da naturalização da violência de gênero entre as gerações”, defende.

Contudo, apesar de existir alguns projetos, é de suma importância a implantação de políticas públicas para resguardar os direitos das crianças e adolescentes, órfãs desse crime perverso.

É primordial amparar nossas crianças para que apesar da dor do luto, elas possam continuar com as suas vidas, e o mais importante, que possa renascer a esperança na vida de cada uma delas.

O Brasil, precisa olhar para as mulheres, até quando mulheres serão mortas pelo simples fato de serem mulheres. Ninguém se pergunta quem são essas mulheres?

E os sonhos delas?

E os filhos, como eles ficaram? 

Necessitamos de políticas públicas para cuidar de nossas mulheres, que esse crime não ocorra e que essas crianças não fiquem sem as suas mães.

Se você conhece alguma mulher que está sofrendo violência, denuncie, liguei para o 180 que é destinado para a Central de Atendimento da Mulher ou disque 190, a ligação para esses números é gratuita e atende todo o território nacional.

Você pode salvar uma família.

Por Priscila Lima


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