A Paternidade hoje é vista como um gênero, na qual são espécies a paternidade biológica e a paternidade socioafetiva, ambas produzindo efeitos jurídicos patrimoniais e extrapatrimoniais, tais como: dever de prestação alimentar, direito de guarda, dever de educação, direitos sucessórios, previdenciários, dentre outros.
A Constituição Federal de 1988, que consagrou o “Princípio da Dignidade da Pessoa Humana” e o “Princípio da Proteção Integral da Criança e do Adolescente”, acrescentou a afetividade a fim de definir as relações familiares.
Em decorrência, pelos laços de afeto, convivência familiar e posse do estado de filhos, foi definida a paternidade socioafetiva.
Na paternidade socioafetiva não há vínculo sanguíneo ou por adoção, trata-se do reconhecimento afetivo e do trato social como se fossem pai e filho.
Já a paternidade biológica é a decorrente de laços consanguíneos. Pai biológico é aquele que gerou a criança, podendo ter ou não algum vínculo e/ou convivência com a criança.
Desse modo, o princípio da paternidade responsável impõe que, tanto o pai biológico quanto o afetivo devem ser acolhidos pela legislação, vigorando o vínculo socioafetivo e biológico em grau de igualdade na hierarquia jurídica.
De acordo com Maria Berenice Dias[1],
“a filiação socioafetiva corresponde à verdade aparente e decorre do direito à filiação. O filho é titular do estado de filiação, que se consolida na afetividade. Não obstante, o art. 1.593 evidencia a possibilidade de diversos tipos de filiação, quando menciona que o parentesco pode derivar do laço de sangue, da adoção ou de outra origem, cabendo assim à hermenêutica a interpretação da amplitude normativa previsto pelo CC de 2002”.
Os efeitos jurídicos da socioafetividade são idênticos aos efeitos gerados pela adoção, dispostos nos artigos 39 a 52 do ECA, quais sejam:
a) a declaração do estado de filho afetivo afetivo;
b) a feitura ou a alteração do registro civil de nascimento;
c) a adoção do sobrenome dos pais afetivos;
d) as relações de parentesco com os parentes dos pais afetivos;
e) a irrevogabilidade da paternidade e da maternidade sociológicos;
f) a herança entre pais, filhos e parentes sociológicos;
g) o poder familiar;
h) a guarda e o sustento do filho ou pagamento de alimentos;
i) o direito de visitas, entre outros.
Além disso, o recente Provimento nº 63 do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), de 14/11/2017, que institui modelos únicos de certidão de nascimento, de casamento e de óbito, permitiu o reconhecimento da socioafetividade – paternidade ou da maternidade socioafetiva diretamente nos cartórios de registro civil, desde preenchidos alguns requisitos, ocasião em que, suspeitando de fraude, falsidade, má-fé, vício de vontade, simulação ou dúvida sobre a configuração do estado de posse de filho, o registrador fundamentará a recusa, não praticará o ato e encaminhará o pedido ao juiz competente nos termos da legislação local.
Vejamos o que diz o Provimento nº 63 do CNJ:
Seção II
Da Paternidade Socioafetiva
(…) Art. 10. O reconhecimento voluntário da paternidade ou da maternidade socioafetiva de pessoa de qualquer idade será autorizado perante os oficiais de registro civil das pessoas naturais.
- 1º O reconhecimento voluntário da paternidade ou maternidade será irrevogável, somente podendo ser desconstituído pela via judicial, nas hipóteses de vício de vontade, fraude ou simulação.
- 2º Poderão requerer o reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva de filho os maiores de dezoito anos de idade, independentemente do estado civil.
- 3º Não poderão reconhecer a paternidade ou maternidade socioafetiva os irmãos entre si nem os ascendentes.
- 4º O pretenso pai ou mãe será pelo menos dezesseis anos mais velho que o filho a ser reconhecido.
Art. 11. O reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva será processado perante o oficial de registro civil das pessoas naturais, ainda que diverso daquele em que foi lavrado o assento, mediante a exibição de documento oficial de identificação com foto do requerente e da certidão de nascimento do filho, ambos em original e cópia, sem constar do traslado menção à origem da filiação.
- 1º O registrador deverá proceder à minuciosa verificação da identidade do requerente, mediante coleta, em termo próprio, por escrito particular, conforme modelo constante do Anexo VI, de sua qualificação e assinatura, além de proceder à rigorosa conferência dos documentos pessoais.
- 2º O registrador, ao conferir o original, manterá em arquivo cópia de documento de identificação do requerente, juntamente com o termo assinado.
- 3º Constarão do termo, além dos dados do requerente, os dados do campo FILIAÇÃO e do filho que constam no registro, devendo o registrador colher a assinatura do pai e da mãe do reconhecido, caso este seja menor.
- 4º Se o filho for maior de doze anos, o reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva exigirá seu consentimento.
- 5º A coleta da anuência tanto do pai quanto da mãe e do filho maior de doze anos deverá ser feita pessoalmente perante o oficial de registro civil das pessoas naturais ou escrevente autorizado.
- 6º Na falta da mãe ou do pai do menor, na impossibilidade de manifestação válida destes ou do filho, quando exigido, o caso será apresentado ao juiz competente nos termos da legislação local.
- 7º Serão observadas as regras da tomada de decisão apoiada quando o procedimento envolver a participação de pessoa com deficiência (Capítulo III do Título IV do Livro IV do Código Civil).
- 8º O reconhecimento da paternidade ou da maternidade socioafetiva poderá ocorrer por meio de documento público ou particular de disposição de última vontade, desde que seguidos os demais trâmites previstos neste provimento.
Art. 12. Suspeitando de fraude, falsidade, má-fé, vício de vontade, simulação ou dúvida sobre a configuração do estado de posse de filho, o registrador fundamentará a recusa, não praticará o ato e encaminhará o pedido ao juiz competente nos termos da legislação local.
Art. 13. A discussão judicial sobre o reconhecimento da paternidade ou de procedimento de adoção obstará o reconhecimento da filiação pela sistemática estabelecida neste provimento.
Parágrafo único. O requerente deverá declarar o desconhecimento da existência de processo judicial em que se discuta a filiação do reconhecendo, sob pena de incorrer em ilícito civil e penal.
Art. 14. O reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva somente poderá ser realizado de forma unilateral e não implicará o registro de mais de dois pais e de duas mães no campo FILIAÇÃO no assento de nascimento.
Art. 15. O reconhecimento espontâneo da paternidade ou maternidade socioafetiva não obstaculizará a discussão judicial sobre a verdade biológica. (…). Grifo nosso.
A tão conhecida frase popular de que “pai é quem cria”, indica que seja no cartório ou perante a justiça, deve-se buscar o verdadeiro sentimento que existe entre pai e filho para assim, verificar a real paternidade ao caso concreto.
Portanto, o dinamismo e a complexidade atribuídos às novas relações familiares, contribuíram para a evolução do Direito de Família e, consequentemente, para o reconhecimento da paternidade socioafetiva, possibilitado por não existir no Direito de Família regra absoluta, e sim, normas, entendimentos e legislações em constante evolução.
Essa nova vertente familiar sempre deve ter por objetivo o bem-estar individual e coletivo das partes envolvidas, com prioridade para a criança e/ou do adolescente.
[1] DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito de Família. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2007, p. 334.
Por Talita Veronica
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