A pedagogia hospitalar surgiu a partir da década de 1990, quando as autoridades públicas sentiram a necessidade de um pedagogo na área hospitalar, completando, então, a Educação Especial no Brasil.
Sendo um modo de ensino da Educação Especial, o professor realiza o trabalho no ambiente hospitalar, atendendo crianças ou adolescentes com necessidades educativas especiais transitórias.
Ou seja, crianças que por motivo de doença precisam de atendimento escolar diferenciado e especializado, garantindo o direito à educação.
O professor, neste caso, precisa ter um planejamento estruturado e flexível.
O ambiente da classe hospitalar deve ser acolhedor, um espaço pedagógico alegre e aconchegante fazendo com que a criança ou adolescente enfermo melhorem emocional, mental e fisicamente.
O professor hospitalar pode atender os alunos nos leitos ou nas áreas de recreação do hospital.
O que se vê é que ainda é um trabalho pouco conhecido e pouco utilizado de fato pelos estudantes enfermos.
Precisa-se de um olhar mais atento para esse público, pois as crianças precisam e têm direito à educação, independentemente do local.
Poderia ser criados classes hospitalares em todos os locais de saúde, em todas as cidades, para garantir o direito da criança à educação e para que ela não perca o contato com a escola e faça um bom retorno.
Essa prática pedagógica alivia e ajuda no sofrimento da criança enquanto paciente hospitalar, pois a criança se envolve com atividades que são direcionadas, mesmo que adaptadas, mas são de cunho escolar e ela acaba retornando para a escola, depois, mais confiante, pois não perdeu totalmente o acesso à educação.
Câncer Infantil e seus direitos
Em Goiás, a Secretaria de Estado da Educação – SEDUC – GO, tem o núcleo que é responsável pelo atendimento educacional em hospitais na cidade de Goiânia e o atendimento domiciliar para os alunos que ainda não podem voltar para a escola devido a doença.
O atendimento educacional domiciliar, diferente do hospitalar, acontece em todo o Estado de Goiás, não apenas na capital.
O núcleo responsável por esse atendimento é o Núcleo de Atendimento Educacional Hospitalar (NAEH), que conta com uma equipe gestora com diretora, coordenadora e uma psicóloga, além dos professores por todo o Estado, que fazem os atendimentos, sejam hospitalares ou domiciliares.
A gestão do NAEH auxilia, de perto, os professores que atendem no núcleo, orientando sempre que necessário, além da ajuda psicológica que se tem, pois é essencial esse apoio, devido a grande carga emocional que os professores têm nos atendimentos aos alunos enfermos.
O atendimento é realizado para alunos matriculados em escolas públicas de Goiás, sendo o atendimento domiciliar feito exclusivamente pelo Estado para alunos matriculados em escolas estaduais.
Os alunos matriculados em escolas municipais que necessitem do atendimento domiciliar, podem fazer a solicitação para as prefeituras de seus municípios.
Já os atendimentos em hospitais, são feitos para quaisquer alunos de escola pública, seja estadual ou municipal.
Gerando documentos, como fichas e relatórios de desenvolvimento com notas parciais para a escola do aluno a partir de quinze dias de atendimento.
Atendo em dois hospitais em Goiânia, o Hospital das Clínicas da UFG (HC) e o Hospital Araújo Jorge (HAJ), dividindo os atendimentos durante a semana.
O atendimento é feito em uma sala reservada para tal, em ambos os hospitais.
No entanto, quando o educando não consegue frequentar esse ambiente, devido às limitações motoras, o atendimento pode ser feito no próprio leito, com todo o cuidado e higiene necessários.
O atendimento é para crianças que estejam matriculadas a partir do 1º ano do Ensino Fundamental I, passando pelo Ensino Fundamental II até o Ensino Médio.
As atividades para as crianças, muitas vezes, precisam de adaptação curricular, pois devido aos tratamentos, a criança não consegue acompanhar a turma em que está matriculada, precisando, então, de adaptação curricular.
A nossa prática pedagógica não é fechada, ela é muito adaptável e flexível.
Por vezes, a criança não está em condição de fazer uma leitura ou escrever, seja por alguma dor que esteja sentindo ou por algum efeito colateral de remédios, nesses casos, podemos fazer alguma pintura livre ou orientada com tintas; colagens de papéis; jogos pedagógicos entre outras coisas.
Ou, até mesmo, não realizar o atendimento naquele dia, respeitando o limite e a saúde da criança. Voltamos e fazemos outro dia.
O atendimento precisa ser curto, sem atividades que demandem muito tempo, pois as crianças internadas em hospitais cansam rápido e não querem mais participar, mesmo sendo algo que gostem de fazer.
O que tenho observado, infelizmente, são muitas crianças que estão fora da escola, que não estão matriculadas, por diversos motivos ou até mesmo estão desmotivadas, muitas vezes devido a doença e tratamento, não querem mais estudar e nem participar de nada que envolva o processo de escolarização.
Nesses casos, é repassado para a coordenação do NAEH e algum responsável do hospital, podendo ser psicóloga, enfermeira ou assistente social.
A coordenação do NAEH, geralmente, entra em contato com o responsável pela criança para tentar entender o motivo do desligamento da escola e tentar que a matricule.
Relato da minha experiência
Faço esse primeiro contato com o responsável pela criança no hospital, por meio de entrevista, visando entender a situação escolar da criança, onde estuda, qual série está e quando não está matriculada, pego alguns dados e repasso para as pessoas citadas anteriormente.
Quando a criança está matriculada na escola, realizo a entrevista inicial com a família, para fazer atividades com a criança posteriormente.
Sempre tenho atividades prontas de todas as séries, pois como o atendimento é muito rotativo, geralmente não sei quem vou encontrar e nem quais séries estão, por isso é importante já ter algo pronto.
Após a realização das atividades, preencho uma lista de frequência, onde é relatada o que foi estudado com a criança e assinada pela professora e o responsável pela criança.
Apesar de o atendimento ser em hospitais, vejo uma grande diferença entre eles, no que se diz respeito ao meu atendimento enquanto pedagoga.
Iniciei atendendo no Hospital Araújo Jorge – HAJ (referência no tratamento do câncer no estado de Goiás) e depois de alguns meses no Hospital das Clinicas – HC.
Agora os atendimentos são realizados nos dois hospitais, sendo no HC dois dias da semana e no HAJ três vezes por semana.
O atendimento no HC é mais rotativo, ou seja, raro ás vezes que atendi a mesma criança por duas semanas seguidas, nos dias que vou até o hospital.
Geralmente, atendo na segunda-feira e terça-feira, muitos alunos atendo somente na segunda-feira e já recebem alta médica na terça-feira, não tem uma continuidade no trabalho, automaticamente, não gera documentos e relatórios para a escola do aluno.
O HC tratam todos os tipos de doenças, por isso, as internações no HC são rápidas, e a minha passagem na semana é apenas duas vezes por semana, não gerando assim muito contato com os alunos.
Já o atendimento no HAJ é diferente, as internações geralmente são prolongadas, pois as crianças estão em tratamento contra diferentes tipos de cânceres.
No HAJ já tenho mais contato, mais vínculo com as crianças e famílias, pois atendo mais dias na semana e pelas internações serem mais prolongadas, então sempre vejo as crianças na semana seguinte.
E como o tratamento é bem de perto, as crianças mesmo quando recebem alta médica, logo retornam para internação novamente, então tenho mais convívio e contato com as crianças do HAJ do que do HC.
Devido a esse contato maior no HAJ, o meu trabalho não se resume apenas a “aplicar atividades” para as crianças. É mais que isso. É um trabalho que precisa ser humanizado, de fato.
Vai além, preciso saber ouvir as crianças e famílias, pois esta última, muitas vezes não tem com quem conversar ou quer conversar com alguém de fora do hospital, desabafar, enfim, é necessária essa escuta, para além da esculta pedagógica com a criança.
A criança também precisa ser ouvida, não só pedagogicamente, ela necessita de atenção, de carinho e de apoio em muitos momentos.
É um trabalho de muito afeto e cuidado com todos os envolvidos.
No entanto, precisa-se saber deixar as angústias e medos das crianças e famílias lá, no próprio hospital, pois se levarmos para nossa vida pessoal, para nossa casa, podemos adoecer psicologicamente, o que não é bom para nenhum dos envolvidos nesse processo.
Pessoalmente, tenho conseguido separar todas essas questões e não levar para mim os problemas que envolvem as crianças.
Mas, por isso, se faz necessário que se tenha uma psicóloga na equipe do NAEH, para acolher e atender o professor que de alguma forma, tenha deixado se envolver demais com as questões de saúde dos educandos.
Infelizmente, podemos presenciar crises e perdas de crianças atendidas, o que já ocorreu comigo, perdi um aluno no HAJ, um dos que mais atendi nesse hospital.
Além de outras crianças que partiram e que não pude atendê-las devido às limitações que já se encontravam anteriormente.
Mas nem tudo é feito de notícias ruins, já tivemos casos de transplantes de medula óssea em pacientes com leucemia que foi um sucesso.
Foram para o Estado de São Paulo para realizar o procedimento e que a medula “pegou”, como dizem no ambiente hospitalar, ou seja, que deu certo o transplante, mas que ainda precisam de um acompanhamento de perto, claro.
Inclusive uma aluna minha foi para o transplante e deu certo, ainda está em São Paulo, pois não pode retornar antes dos quatro meses, para que faça o acompanhamento certinho para garantir que tenha sido um sucesso.
Esse foi apenas um relato de experiência do que tenho vivido e presenciado no ambiente hospitalar como pedagoga.
Com esta experiência o que fica
Um misto de sentimentos, de gratidão, de medos também, pois sou humana, sinto tudo.
Mas que ao mesmo tempo, poder contribuir para o desenvolvimento das crianças enfermas e me sentir útil de alguma forma, traz uma sensação muito boa, de pura gratidão mesmo, por tudo e por poder fazer parte desse grupo de professores da classe hospitalar.
Você tem alguma experiência educacional hospitalar? Conta pra nós.
Um abraço
Erica Lacerda
Capa: G1