Será que seu filho ou filha desenvolveu essas habilidades antes da alfabetização?
Vem começar a descobrir comigo as primeiras habilidades.
A mãe chega apreensiva ao consultório para conversar comigo e relata que sua filha, de nove anos, apresenta dificuldades em relação à alfabetização. Ela não consegue ler adequadamente.
Já procurou profissionais de outras áreas e não conseguiu resultado satisfatório. Para falarmos sobre a alfabetização e essa investigação, irei ilustrar o caso chamando esta cliente pelo nome de um de nossos mascotes, a Malu.
Desde que iniciaram o processo de alfabetização e até o momento, Malu não consegue decodificar os sinais gráficos, em várias tentativas adivinha qual letra é para escrever e por associação tenta descobrir qual a palavra escrita.
Infelizmente, ano após ano de insucessos em sua alfabetização, consequentemente Malu não gosta de ler ou escrever, e é óbvio, ela não está alfabetizada e mantém uma conduta evitativa em relação a qualquer material escrito.
O que precisamos realizar juntos, família-escola-psicomotricista é essencial identificar a causa básica das dificuldades de Malu. Portanto, a avaliação psicomotora irá dizer quais caminhos teremos que trilhar.
Sabe-se que as causas das dificuldades de aprendizagem são complexas e há uma multiplicidade de fatores.
Por ser um processo lento e de grande complexidade, a alfabetização propriamente dita, tem início por volta dos cinco anos de idade.
Uma reflexão sobre alfabetização
Algumas crianças respondem bem a esse processo e outras, como Malu, apresentam dificuldades em seu percurso, variando em graus leve, médio e acentuado.
São várias as causas que levam a uma dificuldade de a criança apresentar dificuldades em seu processo de alfabetização, destaco algumas a seguir:
– Defasagem transitória no processo de alfabetização,
– Distúrbio de escrita e/ou leitura,
– Método de ensino,
– Falha no desenvolvimento de habilidades básicas para alfabetização
– Maturidade sócio-emocional,
– Nível maturacional,
– Presença de lesões ou disfunções cerebrais,
– Fatores orgânicos, hereditários, bio-químicos, enfim…
A investigação é extensa, contudo, gostaria de abordar neste artigo, a análise das habilidades básicas para alfabetização para que possa ajudar, você mãe, pai, a observar, com um olhar diferenciado, seus filhos de zero a seis anos.
A análise de determinados “comportamentos” envolvidos no processo da leitura e escrita, são considerados como pré-requisitos necessários à alfabetização os quais servirão de ponto de partida para essa análise.
Trarei doze conceitos ou habilidades básicas que Malu precisaria ter adquirido durante o período pré-escolar, que servem de amparo ao processo de alfabetização e posteriormente analisar quais, poderiam ser a causa de sua dificuldade!
A primeira habilidade extremamente importante, é a Imagem Corporal.
A criança interage com o mundo por meio do seu corpo e este se torna uma referência consistente em sua trajetória de vida.
Conhecer as sensações do seu corpo e seu esquema corporal irá regular sua postura e equilíbrio.
A imagem corporal é primordial na alfabetização pelo fato de se ter o próprio corpo como referência para a construção de aprendizados, como por exemplo:
Alto, baixo, ao lado de, à esquerda, direita, longe, perto, em cima, embaixo, entre, atrás, à frente permitindo a criança a dominar seus atos motores, sendo estes essenciais para o processo de alfabetização.
Tanto na escrita como na leitura a criança precisa saber o que está ao alto e abaixo das linhas e palavras. A nossa leitura se realiza da esquerda para direita, de cima para baixo, bem como na grafia das letras, palavras e textos.
Se a imagem corporal não se desenvolve adequadamente ou de forma distorcida, a criança poderá apresentar sérias dificuldades em se localizar no espaço, tempo, ritmo, na qualidade do traçado, no espaço do papel entre outros.
Assim como o choro, gesto, sorriso, fala que são formas de comunicação, o desenho também o é e por meio dele é possível analisar vários aspectos relacionados não somente à imagem corporal, como:
A qualidade da coordenação motora, a orientação espacial, seus conflitos, desejos, intenções, pensamentos, inquietações, alegrias, traços de personalidade e a idade gráfica da criança.
Outra habilidade importante a ser analisada é a Lateralidade, que é fazer o uso, de forma preferencial, de um lado do corpo para realizar atividades, no que se refere a olho, mão, pé e há autores franceses que incluem a preferência em relação ao ouvido.
Aos quatro anos de idade pode se estabelecer a dominância lateral e assim, treiná-la.
Temos que ficar atentos em relação à “lateralidade indefinida que é um fator, entre outros, que evidenciam uma imaturidade neurológica”. (Pamplona, 1986, 27)
O Conhecimento de Direita e Esquerda, está intimamente ligado aos conceitos de imagem corporal e lateralidade, permitindo que a criança diferencie o lado direito e esquerdo em si, nos objetos e nas pessoas,
Para o aprendizado da leitura e escrita é essencial que a criança domine essa habilidade para evitar trocas de letras devido a posição espacial, por exemplo b/d; p/q; e/a; u/n.
Os espelhamentos podem ocorrer tanto na escrita quanto na leitura que, no início da alfabetização, na fase pré-escolar podem ocorrer, contudo, pode ser considerado uma dificuldade específica após os oito anos.
Que é o caso da Malu.
“As crianças que iniciam o processo de alfabetização sem possuíres as noções de posição e orientação espacial (Pamplona, 1986,36) poderão apresentar dificuldades em respeitar a ordem e sucessão das letras.
Quando não se desenvolve uma boa Orientação Espacial, que é outro conceito básico para a alfabetização, a criança sentirá dificuldade em locomover os olhos durante a leitura, saltando letras ou palavras. Malu apresentou essa dificuldade.
Percebe que são acontecimentos que ocorrem com Malu e se encaixam na falta de habilidade que antecedem à alfabetização propriamente dita.
Estes dados nos auxiliam a planejar uma intervenção adequada e direcionada às dificuldades de Malu, apresentadas no momento da avaliação.
Há casos de crianças que, por falta de estímulos adequados para desenvolverem a orientação espacial, “se perdem” entre as margens e linhas da folha, ultrapassando de uma linha para outra ou não respeitando os limites do papel
Nos primeiros contatos com o material, é comum a criança apresentar esta situação, contudo, após um período de utilização do caderno se organiza. Se não, devemos oferecer caminhos para que isto seja trabalhado e superado.
Outro conceito a ser desenvolvido antes de iniciar o processo de alfabetização, é uma habilidade relacionada a atividades auditivas denominada Orientação Temporal, que consiste em duração e sucessão no tempo e em acontecimentos.
A deficiência desta habilidade pode causar complicações na pronúncia e escrita as palavras. A criança poderá trocar a ordem das letras, inverter sílabas e no ditado não conseguir corresponder o som ao respectivo grafema.
Quando solicitei a Malu que escrevesse algumas palavras que eu mencionava, por várias vezes ela solicitava ajuda para que eu lhe dissesse qual era a letra seguinte para escrever.
Neste aspecto Malu apresenta muita dificuldade.
Ao perceber esta dificuldade, ofereci um instrumento que investiga a consciência fonológica.
Malu apresentou dificuldades significativas, nos exercícios de ditado e de orientação temporal, portanto, será necessário investigar, com uma profissional da área de fonoaudiologia, o processamento auditivo central.
Este exame irá investigar como Malu está recebendo as informações sonoras e como o cérebro está recebendo, analisando e interpretando o que ela ouve.
Outra habilidade extremamente necessária é o Ritmo. A pontuação e entonação tanto na leitura como na escrita se perdem com a falta de ritmo.
O ritmo auxilia a criança na percepção dos sons, na duração das palavras, na acentuação, pausas e se não for bem trabalhado a criança poderá apresentar leitura lenta e/ou silabada.
No instrumento que utilizo para a analisar a leitura, é composto por letras isoladas, palavras simples, com dígrafos, encontros consonantais etc. Malu demorou dez minutos para concluir, pois, a leitura é uma atividade muito sofrida para ela!
Compreender como ocorre o processo da alfabetização é algo complexo e um longo caminho. Questões referentes à aquisição da leitura e escrita nas séries iniciais, é uma grande discussão na educação.
Das doze habilidades básicas para a alfabetização, desenvolvemos cinco ilustrando como a avaliação psicomotora pode auxiliar a Malu analisando suas habilidades básicas para poder desempenhar adequadamente a leitura e escrita.
Malu está representando muitas meninas e meninos que entram na fase da alfabetização sem estes “pré-requisitos” desenvolvidos e se atrapalham na hora de realizar a leitura e/ou a escrita.
Sabe-se que o processo de alfabetização não é natural como a linguagem oral porque ler e escrever precisa ser ensinado e sistematizado e habilidades básicas precisam estar desenvolvidas para que ocorra fluidamente.
E, como Malu, muitas crianças passam por dificuldades em seu processo de alfabetização e poucas têm a oportunidade de uma análise para apoiá-las.
Malu é uma criança privilegiada que pode realiza esta análise e poder receber uma intervenção adequada e direcionada às suas necessidades. Muitas passam ano a ano e acabam desistindo de aprender.
Nos próximos artigos, será dado continuidade sobre as demais Habilidades Básicas para a Alfabetização:
Análise-síntese Visual e Auditiva; Habilidades Visuais Específicas; Acompanhamento Visual; Coordenação viso-motora; Habilidades Auditivas Específicas e Linguagem Oral.
Continue acompanhando o caso da Malu.
Bibliografia de apoio:
Distúrbios da aprendizagem: uma abordagem psicopedagógica. Morais, António Manuel Pamplona, São Paulo: EDICON, 1986
Por Adriana Luchin
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Olá, você deu continuidade a esse artigo? Procurei a segunda parte e não encontrei.