ANOREXIA NERVOSA NA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA

A Anorexia Nervosa é um Transtorno Alimentar (TA), infelizmente, rotineiro e que foi agravado na pandemia.

Precisamos conversar sobre o assunto para quebrar paradigmas e barreiras e estarmos prontos para perceber os primeiros indícios da doença e evitar sua progressão.

Basicamente a Anorexia Nervosa (AN) caracteriza-se por uma visão deturpada entre o ato de se alimentar e a visão própria do corpo.

Pode se caracterizar pela recusa alimentar para manter o peso dentro de um padrão mínimo e esperado pela pessoa, pelo medo obsessivo de ganhar peso, pela distorção da real imagem corporal e, principalmente, pela negação da gravidade de sua condição nutricional e de saúde.

Pela minha experiência no consultório, posso assegurar que os quadros de TA incluindo a AN, abalam e desestruturam toda família e muitas vezes só são percebidos quando o quadro já está em situação clínica avançada.

Embora as causas sejam imprecisas, há evidências crescentes de que as influências do círculo social, juntamente com questões culturais e psíquicas determinam seu surgimento.

A pandemia recente parece ter contribuído significativamente para o aumento do número dos casos de TAs.

Segundo pesquisa australiana, houve um aumento de 63% nas procura por tratamento de TA entre adolescentes durante o período de pandemia, quando comparado a períodos anteriores.

Aumento muito parecido também foi avaliado em pesquisa no Canadá onde encontrou-se um incremento de 65% na busca por atendimento no mesmo período.

Outros estudos ao redor do mundo sugerem dados semelhantes. Destaco aqui que, infelizmente, dados na população brasileira não foram encontrados. Embora possamos imaginar um cenário parecido e não menos preocupante.

Vamos lembrar que a pandemia da COVID-19 mudou a maneira como vivemos, vamos à escola, ao trabalho e nos socializamos. Também aumentou os níveis de angústia, ansiedade e depressão em muitas pessoas.

As crianças e os adolescentes foram particularmente afetados. A mudança para o aprendizado online e as limitações de conversar com os amigos interromperam suas rotinas e muitos perderam marcos e vínculos importantes.

Muitos também mudaram seus hábitos alimentares e de exercícios e até hoje não conseguiram voltar aos padrões anteriores. Esse é um cenário propício para o desenvolvimento de TA.

Embora a AN e outros TAs sejam mais prevalentes no sexo feminino, atualmente o número de meninos e adolescentes nessas condições é crescente. Hoje estima-se que até 40% dos portadores destes TAs sejam do sexo masculino. 

A investigação clínica é importante para se confirmar o diagnóstico e assim levar as crianças e adolescentes para o tratamento precoce.

Basicamente, levamos em consideração alguns critérios para nortear o diagnóstico, dentre eles:

– Rápida perda de peso, com índices maiores do que 30% ao longo dos últimos 6 meses.

– Peso atual abaixo do que seria esperado para altura e idade (≤ 85% do esperado).

– Grave perda de energia para realização de atividades rotineiras.

– Exame físico, observando aspectos como, perda de cabelo, unhas fracas, erosões no esmalte dentário (decorrente dos vômitos) e irritação em orofaringe.

– Exames bioquímicos com avaliação de hemograma com atenção especial às referências de hormônios e de nutrientes específicos.

– Ausência de doença pré-existente.

Frequentemente a AN se manifesta sem qualquer alteração psicopatológica anterior. Normalmente as crianças e os adolescentes têm um bom desempenho escolar e bons relacionamentos sociais e familiares.

Importante que as famílias fiquem atentas, pois seu início é gradual. Pode se iniciar com uma “dieta” por motivos estéticos ou de saúde, busca por atendimento nutricional para mudar hábitos alimentares e até influência de redes sociais e outras mídias.

Falta de apetite infantil

Pensando especificamente na questão de “dieta”, no início do TA as orientações passadas pelo profissional Nutricionista deixam de ser seguidas.

As escolhas alimentares deixam de ser nortadas pelo valor nutricional e sim apenas com a preocupação de valor calórico.

Um alerta que sempre faço aos pais é que como se alimentar bem e realizar práticas esportivas constantes são comportamentos aceitáveis e muito estimulados em nossa cultura, quando a criança ou adolescente se aprofunda muito nesse interesse, o alerta deve ser acionado.

É muito comum encontrar adolescentes com comportamentos preocupantes com o uso, sem conhecimento dos pais, de diuréticos, laxantes, provocação de vômitos e até medicação para emagrecer.

Muitas vezes o paciente com TA se utiliza de estratégias para não se alimentar. As crianças ficam cada vez mais seletivas, consumindo uma limitadíssima variedade de alimentos, técnicas de preparo e consistência.

Os adolescentes podem evitar comer na frente da família e dos amigos, e ainda se levantar da mesa logo após as refeições e se dirigir ao banheiro para provocar o vômito.

Outros comportamentos de riscos que os filhos podem apresentar e que pais devem estar atentos são:

– Classificar os alimentos como “bons, “ruins”, proibidos.

– Criar rituais no momento das refeições.

– Cortar alimentos em pedaços extremamente pequenos e demorar muito para comer.

– Apresentar mudanças bruscas de comportamento alimentar e atividade física.

– Ter grande conhecimento sobre calorias, “dietas da moda”, técnicas para perder peso, etc.

– Ter interesse excessivo por alimentação.

– Utilizar as redes sociais com uso inadequado da internet e buscando comunidades e sites que incentivam os TAs, apoio à inapetência (“No Food”), dicas para enganar os pais no processo, além de fotos de pessoas extremamente abaixo do peso como padrão de beleza.

Vale ressaltar que a anorexia pode levar à grande perda de musculatura e de tecido gorduroso, causando irregularidades menstruais nas adolescentes e até a parada da menstruação.

O atraso da maturidade sexual também pode ocorrer e se não houver intervenção, levar à infertilidade em casos severos.

Além disso, atrasos no crescimento, redução da motilidade gastrointestinal, quadros de osteopenia e osteoporose podem ocorrer.

O tratamento deve ser realizado com muito acolhimento e empatia através de uma equipe multidisciplinar composta por médicos (pediatra, hebiatra, endocrinologista) além de psicólogo e nutricionista.

Normalmente o tratamento centraliza-se no consultório ou na atenção básica, mas pode evoluir para internação dependendo da gravidade do caso.

Como nutricionista, norteio meu trabalho com esses pacientes tentando reconecta-los com a alimentação adequada. Como sempre digo, o apoio e a participação da família são cruciais para termos sucesso.

Transformar as refeições em momentos de prazer, envolver a criança e o adolescente no preparo dos pratos e o lembrete de que cada corpo tem uma compleição física são à base do tratamento.

As metas do tratamento nutricional na AN envolvem ainda o restabelecimento do peso, a normalização do padrão alimentar, da percepção de fome e saciedade e a correção das sequelas biológicas e psicológicas da desnutrição que porventura estejam presentes.

Como cada paciente tem seu ritmo, essas metas podem demorar para serem plenamente alcançadas. Assim, o apoio de todos os profissionais trabalhando juntos como uma sinfonia pode fazer com que o processo caminhe mais rápido.

O acompanhamento profissional é de longo prazo, pois recaídas podem acontecer.

Para finalizar, compartilho algumas dicas que julgo importantes e podem nortear o pensamento dos pais sobre os TAs. São 9 tópicos estabelecidos pela Academy of Eating Disorders

  1. Muitas pessoas com TA parecem saudáveis, ainda que estejam extremamente doentes; 
  2. Famílias não são as culpadas, e podem ser as melhores aliadas no tratamento; 
  3. TAs causam perturbações nas relações pessoais e familiares; 
  4. Ter um TA não é uma escolha, é uma grave doença mental, com influência biológica; 
  5. TAs afetam pessoas independentemente de idade, gênero, etnia, peso corporal, orientação sexual ou nível socioeconômico; 
  6. Ter um TA aumenta as chances de suicídio e complicações médicas; 
  7. Genes e ambiente influenciam o desenvolvimento dos TAs; 
  8. A genética por si só, não determina quem vai desenvolver o transtorno; 
  9. A recuperação total é possível. O tratamento precoce e a prevenção são muito importantes.

Crie uma rotina alimentar saudável em sua família. A prevenção dos TAs centra-se no equilíbrio das escolhas alimentares e dos hábitos de vida em todo o núcleo familiar. No menor indício, procure auxílio profissional individualizado.

Referências Bibliográficas:

  1. Springall, G., Cheung, M., Sawyer, SM e Yeo, M. (2022), Impacto da pandemia de coronavírus na anorexia nervosa e apresentações atípicas de anorexia nervosa em um hospital pediátrico terciário australiano. J Pediatra Saúde Infantilhttps://doi.org/10.1111/jpc.15755
  • Agostino H, Burstein B, Moubayed D, et ai. Tendências na incidência de anorexia nervosa de início recente e anorexia nervosa atípica entre jovens durante a pandemia de COVID-19 no Canadá. JAMA Netw Open2021;4(12):e2137395. https://doi:10.1001/jamannetworkopen.2021.77395
  • Academy of Eating Disorders. Disponível em: <https://www.aedweb.org/publications/nine-truths>. Acesso em: 25 de jan. de 2022.

https://br.freepik.com/fotos-vetores-gratis/criancas’>Crianças vetor criado por brgfx – br.freepik.com</a>

1 comentário em “ANOREXIA NERVOSA NA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA”

Deixe um comentário

Sair da versão mobile