A Organização das Nações Unidas -ONU, criou em 1982 o Dia Internacional das Crianças Inocentes Vítimas de Agressão, lembrado no dia 04 de junho, uma data de reflexão de diversos tipos de abusos sofridos por crianças.
A data entrou para o calendário oficial da ONU, em razão do grande número de crianças Palestinas vítimas dos conflitos com Israel.
A partir desse episódio a agenda internacional passou a incluir outros abusos, como: trabalho infantil, agressão verbal, e qualquer outra violação a declaração universal dos direitos da criança que impeça o direito à alimentação, moradia, assistência médica e ao lazer, dentre outros direitos protegidos.
A violência contra crianças não é somente a violência física, mas também se encaixa em outras categorias como: abusos sexuais, físicos, psicológicos e negligências. Cuidar das crianças e adolescentes é papel da família, do Estado, da sociedade e da comunidade garantir que a criança não passe por nenhum tipo de violência, seja ela como for.
Conforme evidencia o artigo 227 da Constituição Federal: Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Com base nesse artigo da Constituição Federal, criou-se o Estatuto da Criança e do Adolescente-ECA, Lei 8.069/90, que regula todos os direitos e deveres das crianças e adolescentes, inclusive quando se fala em violência contra crianças e adolescentes.
Conforme elucida o artigo 5 º do ECA: “Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.”
O direito da criança deve ser respeitado em todos os seus aspectos seja ele moral, físico e psíquico. Assim, destaca o artigo 17 o ECA: “O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.”
Podemos observar, que mesmo com a construção de várias Leis que garantem os direitos das crianças e adolescentes, vivemos em um cenário totalmente desamparado, negligente e violento, em relação aos direitos das crianças e adolescentes.
De acordo com o Ministério da Saúde, a violência é a segunda principal causa de mortalidade global no Brasil e só fica atrás das mortes por doenças do aparelho circulatório. Os jovens são os mais atingidos. Além deles, a violência atinge ainda, em grau muito elevado, as crianças e as mulheres.
Quando falamos em violência infantil seja ela da forma como aconteceu, é necessário relembrar alguns casos de violências que ganharam repercussão nas mídias.
Caso Lauanny
Uma menina de 2 (dois) anos, identificada como Lauanny Hester Rodrigues, morreu depois de ser espancada pelo pai e a madrasta em uma casa de Ariquemes (RO), no Vale do Jamari.
O crime ocorreu no dia 21/09/2019, segundo informações da Polícia Militar (PM), vizinhos acionaram uma ambulância depois de ouvirem a criança sendo agredida. Porém, quando a equipe médica e a guarnição chegaram à menina não tinha mais sinais vitais.
A menina espancada até a morte tinha muitas fraturas no corpo, diz médico. A polícia diz que pode ter ocorrido uma briga dentro da casa, momentos antes do crime. O pai e a madrasta da criança foram localizados e presos minutos depois. (Informações apresentadas pelo site do G1notícias) [6]
Caso Ketelen
A criança Ketelen Vitória Oliveira da Rocha, de 6 (seis) anos, sofreu agressões por três dias consecutivos da mãe, Gilmara Oliveira de Farias, e da madrasta, Brena Luane Barbosa Nunes.
A menina precisou ser intubada após espancada com socos, pontapés e golpes com fios, após ter deixado um copo de leite cair no chão. No mesmo dia, Ketelen foi empurrada contra a parede e contra um barranco de 7 metros de altura.
A criança foi socorrida após a avó materna acionar o SAMU, contudo ela faleceu no dia 24/04/2021. (Informações segundo o site UOL[7])
Caso Henry Borel
O Caso Henry Borel refere-se ao assassinato do menino Henry Borel Medeiros, de 4 (quatro) anos, ocorrido no dia 8 de março de 2021, na Barra da Tijuca, Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro. O menino foi assassinado no apartamento onde morava a mãe Monique Medeiros e o padrasto, o médico e vereador Jairo Souza Santos Júnior, mais conhecido como Dr. Jairinho.
O caso gerou grande repercussão no Brasil, sendo muito assemelhado aos casos Isabella Nardoni, ocorrido 13 anos antes, e Bernardo Boldrini, ocorrido 7 anos antes. Também gerou interesse por quase quarenta países. O padrasto e a mãe de Henry estão presos. [8]
Caso Rhuan Maycon
O caso de Rhuan Maycon aconteceu em 31 de maio 2019. O garoto de 9 (nove) anos foi morto e esquartejado pela mãe, Rosana Auri da Silva Cândido, e pela namorada dela, Kacyla Priscyla Santiago Damasceno, na casa em que o trio morava em Samambaia, região administrativa de Brasília. Rhuan levou 11 facadas e teve o pênis arrancado.
O corpo foi encontrado dentro de uma mala. As investigações sobre o envolvimento do casal no crime começaram após partes do corpo da vítima terem sido encontradas em uma mochila próxima da residência da família.
Após a prisão, Rosana Auri chegou a afirmar que sentia ódio do filho. O julgamento das rés aconteceu em novembro do ano passado. A mãe do menino foi condenada a 65 anos e oito meses de reclusão. Kacyla Priscyla, a 64 anos e 10 meses. Elas foram indiciadas por lesão corporal gravíssima duplamente qualificada e majorada, homicídio triplamente qualificado e majorado, destruição e ocultação de cadáver e fraude processual.
As duas seguem cumprindo pena em celas separadas do Complexo Penitenciário da Papuda. (Informações retiradas no site Jovem Pan)
Todos esses casos, são apontados como VIOLÊNCIA INTRAFAMILIAR, esse tipo de violência ocorre dentro do âmbito familiar. Ela é praticada por algum parente ou responsáveis que exercem a função parental, se trata de uma ação e omissão que prejudica o bem-estar de crianças e adolescentes, essa violência pode ser: psicológica, sexual e física.
A Violência Intrafamiliar Infantil ocorre porque “geralmente é mantida por meio das relações de subordinação e dominação e é um dos principais motivos para as crianças fugirem de casa e do convívio familiar (Williams, 2004).
A criança que é agredida em seu próprio lar, ou em qualquer outro lugar, pelos próprios indivíduos de sua família, acabam ficando em situação de desamparo familiar. Essa criança além de conviver com o seu agressor e por medo, essa criança não consegue pedir socorro.
Por isso, é imprescindível conscientizar as pessoas sobre a importância de denunciar os casos de violência contra crianças e adolescentes, visto que, esses casos destacados acimas são somente uma pequena parte de tantos outros fatos de violência infantil que acontecem no nosso País.
A violência intrafamiliar aumentou de forma assustadora em razão da pandemia, em razão do isolamento social que é usado como medida de prevenção em razão do COVID-19.
Isso está acontecendo porque o responsável pela criança seja o pai, mãe, tio ou outro responsável que já tinha um histórico de ser violento, agora está ainda mais difícil, uma vez que, esse agressor passou a ficar mais em casa em relação a pandemia, esse fato aumenta as agressões.
Além disso, a crise econômica que os genitores ou responsáveis estão enfrentando em razão do desemprego, e consequentemente, essas pessoas estão ficando mais em casa, outro fato que infelizmente cresce o número de agressões contra crianças e adolescentes.
As estatísticas mostram que, em 2018, 83% dos agressores foram o pai ou a mãe e que mais de 60% das agressões foram cometidas dentro das residências. “A pandemia propiciou o conjunto ideal para o agressor”.[11]
Antes da pandemia, o lugar onde se percebia o indicio de violência infantil era no ambiente escolar, entretanto, em virtude da pandemia as escolas fecharam as portas, e as crianças ficaram em situações de vulnerabilidade.
Por isso, é de suma importância o trabalho de prevenção que precisa ser trabalhado nas escolas com os professores, diretores, todos os funcionários em um todo, precisam ser capacitados para observar os sinais que as crianças transmitem em razão de agressão dentro da própria casa.
Como denunciar qualquer tipo de agressão contra as crianças e adolescentes? Existem alguns canais como: Conselho Tutelar, Ministério Público, Delegacia, também pode ser feito através do disque 100, se trata de uma plataforma federal, no qual possibilita que a denúncia seja realizada de forma anônima.
O Disque 100 registrou mais de 6 mil denúncias de violência sexual contra crianças e adolescentes em 2021. Os dados foram apresentados pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) em cerimônia em referência ao Dia Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual Infantil.
Segundo o site do Governo Federal, o total de registros de violência contra crianças e adolescentes (aproximadamente 35 mil denúncias) resultaram em 132,4 mil violações contra esse público.
As mais recorrentes são as que violam a integridade de crianças e adolescentes, como violência física (maus-tratos, agressão e insubsistência material) e violência psicológica (insubsistência afetiva, ameaça, assédio moral e alienação parental).
A violência física é citada em 25,7 mil denúncias. Já a violência psicológica esteve presente em 25,6 mil denúncias. Cerca de 20,8 mil denúncias possuem pais e mães como suspeitos da violação, 59,6% do total relacionado ao grupo crianças e adolescentes.
Os dados mostram ainda que a maioria das denúncias tem como vítimas meninas (66,4%) na faixa etária de 12 a 14 anos (5,3 mil). Logo atrás estão 5,1 mil denúncias crianças de 2 a 4 anos. Nessa faixa etária, 52% das denúncias possuem meninas como vítimas.
O balanço da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos aponta, ainda, que 57% dos casos de violência contra crianças e adolescentes denunciados acontecem dentro da casa da vítima.
O preenchimento dos dados de perfil das vítimas e suspeito não é obrigatório durante a realização da denúncia. Dessa forma, o perfil médio das vítimas considera apenas aqueles itens em que as denúncias tiveram essas informações prestadas.
Nesta mesma nuance, foi criado um Programa Nacional de Enfrentamento da Violência contra Crianças e Adolescentes e a Comissão Intersetorial de Enfrentamento à Violência contra Crianças e Adolescentes.
Esse programa foi elaborado pelo Decreto nº 10.701, de 17 de maio de 2021.O Programa Nacional de Enfrentamento da Violência contra Crianças e Adolescentes visa a articular, consolidar e desenvolver políticas públicas voltadas para a garantia dos direitos humanos da criança e do adolescente, a fim de protegê-los de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, abuso, crueldade e opressão.
Parágrafo único. São objetivos específicos do Programa Nacional de Enfrentamento da Violência contra Crianças e Adolescentes:
I – possibilitar a formação continuada de operadores do Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente Vítima ou Testemunha de Violência, em conformidade com o disposto na Lei nº 13.431, de 4 de abril de 2017;
II – colaborar com o fortalecimento e com o desenvolvimento das competências familiares em relação à proteção integral e à educação relativas aos direitos humanos da criança e do adolescente no espaço doméstico;
III – contribuir para o fortalecimento do Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente Vítima ou Testemunha de Violência;
IV – promover a integração e a eficiência no funcionamento dos serviços de denúncia e notificação de violações dos direitos da criança e do adolescente;
V – estimular a integração das políticas que garantam a proteção integral e o direito à convivência familiar e comunitária da criança e do adolescente; e
VI – incentivar a atuação de organizações da sociedade civil no desenvolvimento de programas, projetos, ações e serviços na área do enfrentamento da violência contra a criança e adolescente.
Art. 6º Fica instituída a Comissão Intersetorial de Enfrentamento à Violência contra Crianças e Adolescentes no âmbito do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, órgão consultivo que monitorará e avaliará o Programa Nacional de Enfrentamento da Violência contra Crianças e Adolescentes.
Art. 7º A Comissão Intersetorial priorizará o combate das violências física, sexual, psicológica e institucional contra a criança e o adolescente.
Art. 8º À Comissão Intersetorial compete:
I – criar, monitorar e avaliar o Plano Nacional de Enfrentamento da Violência contra Crianças e Adolescentes de forma articulada com o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – Conanda;
II – formular propostas de políticas, de programas, de projetos e de ações relacionados com o enfrentamento da violência contra a criança e o adolescente;
III – elaborar proposta de sistematização e de divulgação de materiais teórico-metodológicos sobre o enfrentamento à violência contra a criança e o adolescente; e
IV – formular propostas de ações e de políticas públicas relacionadas com o Plano Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes de forma articulada com o Conanda.
É evidente a importância do desenvolvimento de políticas públicas que combatem a violência contra crianças e adolescentes. As consequências da violência infantil causam inúmeros transtornos para a vida da criança, são sequelas que vão de sintomas psíquicos até problemas de saúde.
A criança e o adolescente que passa por violência física, sexual ou psicológica, geralmente, é chantageado por seu agressor e não consegue se expressar ou denunciar a situação.
De acordo com a psicóloga Veronika Cereja, a mudança de comportamento é o meio que eles usam para mostrar que algo está errado.
“Crianças agredidas podem apresentar alteração na alimentação, comendo mais que o normal ou perda de apetite; alterações no sono, passando a dormir mais ou com insônia; regressão de comportamentos já adquiridos, como voltar a fazer xixi na cama, chupar dedo ou chupeta; súbita mudança de comportamento, por exemplo, uma criança agitada se torna quieta ou acuada; choro sem motivo, irritação, agressividade, medo, apatia”,
A criança vítima de qualquer tipo de violência pode apresentar sintomas como: insônia, distúrbios alimentares, depressão, mudança de comportamento dentre outros sinto mas que podem levar a situações mais graves.
Essa data do Dia Internacional das Crianças Inocentes Vítimas de Agressão, é um momento de protesto, reflexão e luto a essa violência infantil que a cada dia vem crescendo no mundo todo. Até quando iremos presenciar a violência contra crianças e adolescentes.
Por isso é tão importante denunciar, não podemos nos calar frente a violência contra crianças e adolescentes, a violência quando não leva a morte ela deixa danos irreparáveis na vida das crianças. Eu decido não me calar. E você?
Por Priscila Lima