DEVOLUÇÃO DE CRIANÇA ADOTADA

Dando continuidade a nossa saga sobre adoção, trago a dimensão do tema que acredito ser polêmico e muito delicado. A devolução de criança adotada, será um fim de um sonho?

Segundo a professora Maria Helena Diniz:

“A adoção é o ato jurídico solene pelo qual alguém estabelece, independentemente de qualquer relação de parentesco consanguíneo ou afim, um vínculo fictício de filiação, trazendo para sua família, na condição de filho, pessoa que geralmente lhe é estranha.”

Adoção é um ato de amor, é quando o pretendente recebe uma criança/adolescente no seu seio familiar, e para isso os adotantes devem estar preparados para o processo de adoção.

Adoção um ato de amor

Para o doutrinador Orlando Gomes a adoção é “o ato jurídico pelo qual se estabelece, independentemente de procriação, o vínculo da filiação”.[1]

Em outras palavras adoção é um vínculo de amor e afeto entre o adotante e adotado, o pretendente ao adotar aquela criança precisa aceitar e respeitar os sonhos daquela criança.

Nos termos legais, a adoção depois de concretizada ela se torna IRREVERSÍVEL.

O Estatuto da Criança e do Adolescente- ECA estabelece o período de adaptação que é o chamado estágio de convivência, conforme destaquei no texto A ADOÇÃO UM ATO DE AMOR:··.

No estágio de convivência o juiz estipula um prazo para o adotante conviver com o adotado.

A adoção será precedida de estágio de convivência com a criança ou adolescente, pelo prazo máximo de 90 (noventa) dias, observadas a idade da criança ou adolescente e as peculiaridades do caso. (artigo 46 –ECA)

A adoção por pretendentes estrangeiro o prazo é fixado no mínimo 30 (trinta) dias e, máximo, 45 (quarenta e cinco) dias, prorrogado por igual período uma única fez mediante decisão da autoridade judiciária. (artigo 46 § 3 ECA)

Infelizmente mesmo quando a criança/adolescente encontra um lar, essa criança acaba sendo devolvida para o acolhimento institucional por dificuldades no período da convivência.

O estágio de convivência, como o próprio nome já diz é uma adaptação, para saber como será o convívio entre o adotante e o adotado, justamente para evitar o “arrependimento”.

Como o processo de adoção é irreversível, porque ocorre a devolução de crianças adotadas?

A fase de adaptação de uma criança em sua nova família requer muito cuidado, amor, paciência e dedicação, porquanto essa criança traz consigo uma bagagem de histórias e emoções, no qual necessita de paciência por parte dos pretendentes.

Lamentavelmente alguns pretendentes não estão totalmente preparados para receber a criança/adolescente, seja por falta de orientação ou por outros motivos.

Alguns pais não conseguem se adaptar a ideia de ser pai ou mãe, e por esse motivo algumas crianças são devolvidas e acabam retornando ao sistema institucional.

Quando o processo de adoção está em andamento é comum a Vara da Infância e da Juventude entrar em contato com os pretendentes para realizarem o primeiro contato com a criança/adolescente a ser adotada.

Em momento posterior a esse procedimento, temos o chamado estágio de convivência, conforme explicamos anteriormente, é nesse período que se tem uma identificação entre o pretendente e a criança/adolescente.

Desta nuance destaca o Artigo 29 do ECA:

Não se deferirá colocação em família substituta à pessoa que revele, por qualquer modo, incompatibilidade com a natureza da medida ou não ofereça ambiente familiar adequado.[2]

E assim destaca o professor Rof Madaleno: “E nesse aspecto é fundamental o trabalho da equipe interprofissional de apoio da Justiça da Infância e da Juventude (MADALENO, 2018, p.850).” [3]

Depois de todos os procedimentos e avaliações técnicas da adoção, se o Juiz considerar que a criança esta apta para conviver com os pretendentes, e terem preenchido todos os requisitos da adoção esses adotantes irão receber a guarda provisória da criança/adolescente.

A guarda provisória é formada por uma avaliação para descobrir se aquele adotante constitui os requisitos para oferecer um lar de segurança e amor para o adotando.

Logo após essas avaliações é definida a guarda definitiva com a destituição do poder familiar, para assim finalizar o processo de adoção.

Como já destacamos, a adoção é um ato que não pode ser revertido, porém no estagio de convivência ou da guarda provisória, que se trata do período de adaptação estabelecido pelo ECA, nesse momento pode ocorrer a “devolução” da criança/adolescente para o acolhimento institucional.

Infelizmente, é muito comum que essa “devolução” ocorre na fase da guarda provisória, onde o processo de adoção não foi finalizado.

Conforme podemos observar o ECA em artigo 45 e seus parágrafos:[4],apresenta como se define o acompanhamento interprofissional no estagio de convivência:

3º- Ao final do prazo previsto no § 3 o deste artigo, deverá ser apresentado laudo fundamentado pela equipe mencionada no § 4 o deste artigo, que recomendará ou não o deferimento da adoção à autoridade judiciária.

§ 4º O estágio de convivência será acompanhado pela equipe interprofissional a serviço da Justiça da Infância e da Juventude, preferencialmente com apoio dos técnicos responsáveis pela execução da política de garantia do direito à convivência familiar, que apresentarão relatório minucioso acerca da conveniência do deferimento da medida.

§ 5º O estágio de convivência será cumprido no território nacional, preferencialmente na comarca de residência da criança ou adolescente, ou, a critério do juiz, em cidade limítrofe, respeitada, em qualquer hipótese, a competência do juízo da comarca de residência da criança.

Quando o ato de devolução acontece durante o estágio de convivência ou na guarda provisória, a situação é mais simples porque não se concretizou o processo de adoção.

Mas é importante esclarecer, que a devolução mesmo ocorrendo no decorrer do processo de adoção é extremamente desgastante, principalmente para a criança/adolescente.

Já com o processo de adoção finalizado, com sentença proferida pelo Juiz (a) da Vara da Infância não pode ocorrer à devolução da criança/adolescente.

Entretanto, mesmo após a finalização da adoção, ainda que incomum, ocorre que alguns pretendentes acabam devolvendo a criança/adolescente para o acolhimento.

No entanto esses pais poderão sofrer sanções de natureza civil e administrativa perante a justiça brasileira, conforme será demonstrado ao longo do texto.

Diante da situação de abandono, mesmo após a sentença, o magistrado recolhe a criança para o acolhimento institucional, sempre preservando o melhor interesse da criança/adolescente.

Nessas circunstâncias, se a devolução da criança ou do adolescente ocorrer após a sentença em juízo, tal ato acarretará responsabilidades na via judicial por parte dos pretendentes.

Os pretendentes, ao iniciarem o processo de adoção precisam saber se é isso mesmo que eles querem, uma vez que, adoção é um ATO DE RESPONSABILIDADE E MATURIDADE, pois estamos lidando com vidas de crianças/ adolescentes.

Em situações extremas de abandono de incapaz o pretendente poderá responder até mesmo na esfera criminal.

Como destaca o Artigo 249 do ECA, sobre a responsabilidade daquele que descumprir deveres quando se trata de guarda

Descumprir, dolosa ou culposamente, os deveres inerentes ao  poder familiar ou decorrente de tutela ou guarda, bem assim determinação da autoridade judiciária ou Conselho Tutelar: 

Pena – multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência.

Quais são as consequências jurídicas para o pretendente sobre a devolução da criança/adolescente adotado?

O Estatuto da Criança e do Adolescente- ECA foi criado para assegurar direitos a todas as crianças e adolescente independentemente do sexo, raça ou cor.

E quando se trata da adoção, o ECA regulamenta e preserva o direito da criança adotada os mesmos privilégios do filho biológico.

Conforme destaca o artigo 41 do ECA: “adoção atribui a condição de filho ao adotado, com os mesmos direitos e deveres, inclusive sucessórios, desligando-o de qualquer vínculo com pais e parentes, salvo os impedimentos matrimoniais”.[5]

A justiça brasileira não reconhece o instituto de “devolução”, na nuance que para a Lei a adoção é irreversível, pois a criança adotiva possui os mesmos direitos e deveres do filho biológico.

Com base no pensamento do professor Rof Madaleno:[6]

A adoção provoca efeitos pessoais com reflexos nas relações de parentesco constituídas entre o adotado e o adotante, ao se criar uma relação de poder familiar no caso de adotado infante ou incapaz, e a geração de direitos e deveres próprios da condição parental de ascendente e filho. (MADALENO, 2018, p.881)”.

Ainda destaca o Art. 39 do ECA. A adoção de criança e de adolescente reger-se-á segundo o disposto nesta Lei.§ 1 ºA adoção é medida excepcional e irrevogável, à qual se deve recorrer apenas quando esgotados os recursos de manutenção da criança ou adolescente na família natural ou extensa. [7]

O artigo 197-E § 5 do ECA estabelece a punição para a prática de devolução de crianças e adolescentes adotados, sendo:

A desistência do pretendente em relação à guarda para fins de adoção ou a devolução da criança ou do adolescente depois do trânsito em julgado da sentença de adoção importará na sua exclusão dos cadastros de adoção e na vedação de renovação da habilitação, salvo decisão judicial fundamentada, sem prejuízo das demais sanções previstas na legislação vigente.”

A psicóloga Maria Luiza Ghirardi destacou:

A devolução acontece quando o adotante detém a guarda provisória, mas o processo de adoção não está finalizado. Mas depois de encerrado o processo, ainda que rara, ela também pode acontecer. Não há estatísticas oficiais, no entanto, a Comissão Estadual Judiciária de Adoção de Santa Catarina revelou, em 2011, que cerca de 10% das crianças abrigadas em situação de conflito familiar no estado seriam oriundas de adoções que não deram certo. Se acontecer a devolução, cabe à Justiça buscar parentes da família adotiva que possam estar interessados em ter a guarda provisória da criança. A alternativa é o traumático retorno da criança a um abrigo.[8]

A devolução de crianças após a finalização do processo de adoção é um assunto pouco comentado. Entretanto, infelizmente é algo que acontece, mesmo o Conselho Nacional de Justiça-CNJ não possuindo dados sobre essa situação, a devolução de crianças continua acontecendo.

As devoluções causam danos irreversíveis na vida de qualquer criança ou adolescente, traumas advindos da rejeição por parte dos pretendentes.  

Adoção é algo muito sério, os pretendentes precisam ter em mente, quando estão no processo de adoção eles são responsáveis pela criança que esta adotando, a criança/adolescente será um membro da família.

Aproveito para fazer a seguinte indagação, se o filho adotivo é considerado como o filho biológico, porque os pretendentes devolvem a criança?

 Já pensou o pai devolvendo o filho biológico?

Eu acredito que a reposta é NÃO. Então porque esses pais devolvem o filho adotivo?

Esse é um tema que precisar ser discutido, é importante conscientizar as pessoas que estão na fila de adoção que o filho (a) adotado é como seu filho biológico que possui os mesmo direitos e deveres de cuidado.

A criança/adolescente, adotado não é MERCADORIA, que aceita devolução, estamos falando de vidas e sonhos das crianças que tem como objetivo construir uma família com o adotante.

Dora Aparecida Martins afirma que: [9]

É justamente quando a criança mostra sua individualidade que vem à tona a rejeição pelo ‘diferente’, pelo ‘outro’. O que no filho biológico é visto e aceito como afirmação de uma personalidade própria, no ‘filho de criação’ passa a ser visto como mostra de más tendências ou traços psicológicos ruins oriundos da família biológica.

Criança é criança, ela chora dá birra, mas é seu filho, o pretendente precisa ter em mente que aquela criança precisa de tempo e paciência para se adaptar na nova família.

A devolução da criança pode acarreta danos psicológicos irreversíveis, problemas até mesmo no desenvolvimento da criança e do adolescente.

Responsabilidade civil em relação às crianças devolvidas

Esse tópico é bem extenso, então irei destacar alguns pontos importantes sobre a responsabilidade civil do adotante em relação ao descumprimento de zelar pelo bem da criança/adolescente.

Quando destacamos a responsabilidade civil não estamos falando apenas da relação de patrimônio. A responsabilidade civil foi ampliada quando começou a relacionar a reponsabilidade civil com danos morais.

As devoluções de crianças adotadas acontecem durante o estágio de convivência que neste contexto não é ilegal de acordo com as circunstâncias, pois o próprio nome já diz estágio de convivência, é um momento de ligação e adaptação entre o adotante e o adotado até a finalização da adoção.

Porém, como mencionado alhures, a situação mesmo que rara acontece à devolução da criança/adolescente após a conclusão do processo de adoção, com sentença proferida.

Nesses casos após a finalização da adoção, é gerado para esse pretendente a responsabilidade civil, a entendimentos que poderá ocorrer indenizações, como pensão alimentícia tendo em vista o dano causado a criança.

Podendo ocorrer a extinção do poder familiar e consequentemente a indenização por dano moral, porquanto a criança criou expectativas de viver em um ambiente familiar, e ocorrendo essa devolução, a criança acaba se sentindo rejeitada, causando irreversíveis abalos psicológicos.

Por fim, um dos casos mais recente aconteceu em São Paulo-SP, onde o TJ-SP condenou um casal em pagar o valor de R$ 150 mil reais a um garoto de 11 anos de idade, ao devolvê-lo após a adoção.  

Desta forma, podemos concluir que aconteceu uma evolução em relação aos entendimentos nos Tribunais sobre o direito a indenização para as crianças e adolescentes que foram “devolvidas” logo após o fim do procedimento de adoção.

Dica para todos os pretendentes que desejam adotar a criança/adolescente:

SEJAM RESPONSAVÉIS, ESSAS CRIANÇAS QUE ESTÃO DISPONÍVEIS PARA ADOÇÃO, ESTÃO A PROCURA DE VIVER UM SONHO, DE TER UMA FAMILIA REGADA DE AMOR, CARINHO, SEGURANÇA E RESPEITO.

Ao longo dos textos que escrevi sobre ADOÇÃO, podemos perceber que esse instituto é bem delicado, e que cada caso possui sua peculiaridade. Todavia o mais importante é que as crianças/adolescentes tenham o seu direito resguardado, e assim sempre possa prevalecer.

Por Priscila Lima

Foto: TV famoso


[1] GOMES, Orlando. Direito de família. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 369.

[3] MADALENO, Rolf. Direito de família. – 8. ed., rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2018.

[9] MARTINS, Dora Aparecida. Filhos Devolvidos. Boletim Uma Família para uma Criança, n. 98, set. 1997

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