O LUTO NA INFÂNCIA E SEUS DESAFIOS

O Luto na infância e os desafios de falar sobre a morte em tempos de pandemia. Com isso, surge algumas dúvidas.

Devo contar para o meu filho sobre a morte do avô? Pensamento, “Mas eles nem eram tão próximos…”

Não é melhor dizer que ela viajou?

Só consegui dizer que o pai virou uma estrelinha linda lá no céu.

A morte é sem dúvida um dos assuntos que mais geram dúvidas no consultório. As perguntas são inúmeras, a insegurança dos adultos no manejo do luto infantil é muito grande.

E com a pandemia, se tornou mais necessário falar sobre a morte e conversar sobre as perdas. Não só as perdas de entes queridos, mas as perdas simbólicas também.

Neste artigo, abordarei a importância de falar sobre este assunto, como a criança vive o luto e como abordar este tema com ela.

Com a pandemia do COVID-19 a morte, o luto, o morrer, adentraram o cotidiano de cada um.

O luto simbólico, ou seja, as perdas em vida, como a perda do contato com os amigos e professores pelo fechamento das escolas, a perda do contato social, dos passeios, da rotina, todos estes foram lutos simbólicos que as crianças e adultos tiveram que passar.

No entanto, muitas famílias passaram pelo luto real, perderam entes queridos, familiares, conhecidos.  Nesses casos, na maioria das vezes, as famílias tendem a abster a criança da notícia, com o intuito de protegê-la, para que não saiba ou não tenha contato com nada que diz respeito a morte de um parente próximo ou conhecido.

A Vivência do luto na infância

Com isso, os pais tendem a preparar a malinha, levam a criança para a casa de um parente. Chegando em outro ambiente, alguém demonstra ansiedade, agitação, olha para a criança com um sorriso amarelo e sem graça, fala ao telefone cochichando e com frequência. Lembrando que, se tem uma coisa que as crianças são ótimas, é em observar.

Elas já entendem desde o primeiro momento, do primeiro movimento para “protegê-la” que algo não está bem. E isso gera insegurança, deixando confusas e desamparadas.

Então, de antemão, já é possível dizer: seja claro e transparente sobre a morte com seu filho ou filha, por menor que essa criança seja. Neste momento, não utiliza dicção formal, técnica, fale de acordo com a idade da criança e na linguagem dela, não é preciso explicar com detalhes a causa da morte, mas que a morte existe e está ali, para todos.

A compreensão sobre a morte e o morrer irá dependerá de muitos fatores.  De acordo com Bromberg (1998), o significado dado pela criança à morte varia conforme sua idade, o vínculo estabelecido com a pessoa falecida, o momento de seu desenvolvimento psicológico, além de como o adulto, com quem convive, lida com a perda.

Em geral, até aos três anos de idade a criança não compreende inteiramente que a morte é irreversível. Já dos 4 aos 7 anos, existe o entendimento do aspecto irreversível da morte.

A partir dos sete anos, a criança já possui uma capacidade maior de compreensão e pode sentir com mais intensidade a partida de um ente querido.

O tema da morte, antes mesmo que ela aconteça, deveria ser tratado em família. E isso pode ser feito através das histórias, das representações, sem tentar tirar ou inventar, ou omitir algo. Assim, o luto infantil fica um pouco menos dolorido.

Por mais que seja difícil  falar da morte no momento em que ela aconteceu, a criança já terá tido contato com algo parecido, então conseguirá absorver melhor a notícia.

Outro ponto que também é trazido com frequência é: A criança deve ir ou não ao velório?

A morte em nossa cultura, possui este ritual de despedida. A criança participar desse ritual, poderá contribuir para o entendimento e construção dela sobre a morte. Ela não precisa ficar lá todo o tempo, mas pode ir em algum momento para se despedir.

Momentos críticos, como o sepultamento, devem ser evitados. Mas vale ressaltar que esta é uma decisão da família e deverá ser tomada considerando todo o contexto do acontecimento e respeitando também o momento da criança.

Em tempos de pandemia, este ritual de despedida foi proibido, pelas questões de contaminação do coronavírus. Fato este, qu trouxe impactos na saúde mental daqueles que perderam seus entes queridos.

…devido ao isolamento, a presença junto ao paciente infectado e até mesmo os ritos de despedida, ações integrantes do processo de luto não podem ser realizadas por seus entes queridos como habitualmente o fazem. Nesse contexto, as possibilidades são aumentadas para o desenvolvimento de um luto complicado, ou seja: quando o processo de luto se dá de forma mais intensa e duradoura do que o esperado, por não ter conseguido processar a situação nem se despedir de forma que lhe permita ter um senso de realidade e concretude (Processo de luto no contexto da COVID – Fiocruz Brasília).

Sabe-se que os rituais de despedida são organizadores e essenciais para que o processo de luto aconteça de forma saudável. Impedir a vivência da despedida pode trazer sentimentos intensos para os envolvidos.

Caso a criança não queira participar destes momentos de despedida, mas queira saber como foi, não tenha medo de explicar, de contar, de usar as palavras morte e morrer. E outros rituais podem ser criados, como uma cartinha, um memorial, algo que irá de acordo com a família.

Nem toda criança irá demonstrar ou falar claramente sobre a perda ou sobre o que está sentindo, principalmente as crianças menores, mas vale ressaltar que alguns comportamentos e reações emocionais são normais e esperadas para este momento, como a regressão, a agressividade, irritabilidade e tristeza.

A criança precisa ser acolhida, cuidada e respeitada em seu momento de luto. E se como pai ou mãe, está difícil lidar com a perda e com as emoções da criança também, peça ajuda de alguém próximo a vocês ou procure ajuda de um profissional.

Lembre-se que mesmo que a criança não fale sobre a perda, ela poderá demonstrar de outras formas. Observe como a criança está brincando, o que ela tem falado, se ela está buscando mais apoio nas atividades, trazendo muitos questionamentos, tudo isso pode dar sinais de como esse luto tem sido vivenciado.

Sendo assim, evitar falar sobre a experiência da morte, sobre o luto, sobre a perda, seja ela simbólica ou real, pode causar impactos em sua infância até a vida adulta. Como alterações no comportamento, prejuízos escolares, no sono, no apetite, além de prejuízos em sua saúde mental em outras fases da vida.

O luto precisa ser vivido, experienciado, falado e não evitado. Sabe-se como o momento é difícil para os adultos e para a criança, apesar de vivenciá-lo de outra forma, também é difícil, e acolhimento e cuidado são as palavras-chaves para estes casos.

A morte de uma pessoa significativa é uma perda irreversível que causa dor intensa às pessoas próximas.

Porém parece ainda mais difícil abordar o assunto quando envolve crianças, especialmente, porque podem sentir a ausência da pessoa falecida como uma ameaça de rompimento com outras figuras de apego. Mesmo assim, fará parte do desenvolvimento da criança assimilar aos poucos o que foi perdido por meio da expressão, seja falando, chorando, desenhando ou brincando. (Sengik & Ramos, 2013)

Não é necessário esconder suas emoções da criança, chore, sinta o luto e a ensine a lidar também.

A morte diz muito sobre a vida.

Ensinar sobre a morte, é ensinar também sobre o viver.

Com afeto,

Sarah Izis

Referências:

Bromberg, M. H. P. F. (1998). A psicoterapia em situações de perdas e luto. (2ª ed.). São Paulo: Editora Psy

Sengik, A. S. & Ramos, F. B. (2013). Concepção de morte na infância. Psicologia & Sociedade, 25(2), 379-387.

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