OS DIREITOS DA CRIANÇA NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO

Em meio a era digital, vamos tratar a seguir, sobre os principais direitos da criança na sociedade da informação, previstos na legislação brasileira.

Vale lembra sempre relembrar que de acordo com o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) [1], são considerados crianças as pessoas com até doze anos incompletos e os adolescentes aqueles que possuem de doze a dezoito anos [2].

Eles têm ao seu favor o dever atribuído constitucionalmente à família, ao Estado e à sociedade geral de assegurar a observância a seus direitos fundamentais, tais como o direito à vida, à saúde, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, à liberdade dentre outros, nos termos do caput do artigo 227 da Constituição Federal.

Ainda, o artigo 3º do Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei nº 8.069/90 – refere que a criança e o adolescente dispõem de todos os direitos fundamentais inerentes a toda pessoa, também lhes sendo asseguradas todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

Desta feita, sabemos que as crianças de hoje, se desenvolvem em uma sociedade extremamente dinâmica e conectada, em que se realizam diariamente milhares de postagens, interações e atividades online.

A tecnologia faz com que as crianças cresçam conectadas, em razão da velocidade das informações [3]. Nesse sentido, as crianças de um lado, não conhecem as noções de privacidade que os adultos supostamente dominam.

No mundo digital, os pais, geralmente, são os primeiros atores que contribuem para a formação de dossiês digitais de seus filhos. A exemplo, o compartilhamento das fotografias de ultrassom, em redes sociais, é o primeiro passo para o monitoramento da criança na sociedade dos dados.

Após o nascimento, também é comum encontrar situações de pais que criam perfis em contas de redes sociais para bebês, que ao longo da infância [4], administram a vida digital de seus filhos.

O estudo “Crianças Digitais”, realizado pela empresa de cibersegurança Kaspersky em parceria com a consultoria de pesquisa Corpa [5], mostra que quase metade das crianças brasileiras (49%) usaram um dispositivo eletrônico pela primeira vez antes dos seis anos de idade e 72% delas ganharam o próprio smartphone ou tablet antes de completar 10 anos – em geral, é por volta dos 8,5 anos que a criança ganha o seu aparelho.

O objetivo do estudo “Crianças Digitais” era analisar o quanto pais e mães estão envolvidos e comprometidos com a vida digital de seus filhos.

Para tanto, foram entrevistados 2.294 pais e mães, entre 25 a 60 anos, pertencentes às classes A, B ou C, usuários de dispositivos eletrônicos e cujos filhos têm entre 0 e 18 anos.

As entrevistas foram realizadas entre fevereiro e março deste ano, por meio de enquetes online em seis países da América Latina – Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, México e Peru. 

Veja abaixo, os números do Brasil na pesquisa “Crianças Digitais”:

  • 49% das crianças brasileiras usam um dispositivo conectado pela primeira vez antes dos 6 anos.
  • 72% delas têm o seu próprio smartphone ou tablet antes de completar 10 anos.
  • 8,5 anos é a idade média em que a criança ganha o seu primeiro dispositivo conectado.
  • 56% possuem conta em alguma rede social, das quais…
    • 67% compartilham hobbies ou atividades favoritas.
    • 10% compartilham dados pessoais de amigos e parentes.
    • 16% compartilham fotos da casa.
  • 42% das crianças acessam as redes sociais sozinhas e com senhas próprias e somente 14% delas estão acompanhadas dos pais.      

Nesse caminho, são criados rastros digitais na sociedade da informação, que podem ser usados no futuro para as mais diversas finalidades. Dentre eles, fotografias, postagens a respeito de viagens, dados de localização, rede de amizades, escola em que a criança estuda, cursos que frequente, familiares e amigos próximos, entre outros.

Nesse contexto, surge a expressão “nativos digitais”, que nada mais são, que crianças do início do século XXI, que aprenderam a falar um idioma digital pertencente ao mundo dos computadores, dos “videogames” e da internet, e que muitas vezes dominam a tecnologia muito mais que seus próprios pais e educadores. O sábio Prensky explica que:

 “…Essas crianças apresentam a primeira geração que cresceu em meio a esse novo tipo de tecnologia, visto que, quando terminam a faculdade, eles passaram em média 10.000,00 horas de suas vidas utilizando computadores, videogames, aplicativos de reprodução de música digital, câmeras de vídeo, celulares, tabletes e ferramentas de mensagem instantâneas, contra 5.000,00 horas lendo livros e 20.000,00 horas na frente da televisão” [6].

Ademais, as crianças são alvo extremamente importantes, pois estão inseridas cada vez mais cedo no mercado de consumo e se apresentam como protagonistas, ou seja, responsáveis por boa parte das escolhas de consumo de um ambiente familiar.

Do ponto de vista jurídico, percebe-se que a comunidade em rede e as tecnologias da informação estão remodelando a noção de privacidade aos dados pessoais.

No direito brasileiro, a privacidade é reconhecida como um direito fundamental, insculpida no artigo 5º, X, da Constituição Federal e também como um direito da personalidade (artigo 21 do Código Civil).

Assim, a privacidade não constitui um direito absoluto e pode ser relativizada em situações nas quais existam outros interesses protegidos pelo direito que possuam igual ou maior peso.

Com efeito, embora a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), Lei nº 13.709/18, que entrou em vigor no Brasil no dia 18 de setembro de 2020, aponte a “liberdade de expressão, de informação de comunicação e opinião” como um fundamento da disciplina de proteção de dados, esta previsão está ao lado do “respeito à privacidade” e da inviolabilidade da intimidade, da honra e da imagem.

Felizmente, na LGPD, existe previsão sobre o tratamento e a coleta de dados pessoais de crianças e adolescentes, cujos dispositivos merecem especial atenção e reflexão. Eis o que diz a Seção III, artigo 14 da referida lei:

Seção III
Do Tratamento de Dados Pessoais de Crianças e de Adolescentes

Art. 14. O tratamento de dados pessoais de crianças e de adolescentes deverá ser realizado em seu melhor interesse, nos termos deste artigo e da legislação pertinente.

§ 1º O tratamento de dados pessoais de crianças deverá ser realizado com o consentimento específico e em destaque dado por pelo menos um dos pais ou pelo responsável legal.

§ 2º No tratamento de dados de que trata o § 1º deste artigo, os controladores deverão manter pública a informação sobre os tipos de dados coletados, a forma de sua utilização e os procedimentos para o exercício dos direitos a que se refere o art. 18 desta Lei.

§ 3º Poderão ser coletados dados pessoais de crianças sem o consentimento a que se refere o § 1º deste artigo quando a coleta for necessária para contatar os pais ou o responsável legal, utilizados uma única vez e sem armazenamento, ou para sua proteção, e em nenhum caso poderão ser repassados a terceiro sem o consentimento de que trata o § 1º deste artigo.

§ 4º Os controladores não deverão condicionar a participação dos titulares de que trata o § 1º deste artigo em jogos, aplicações de internet ou outras atividades ao fornecimento de informações pessoais além das estritamente necessárias à atividade.

§ 5º O controlador deve realizar todos os esforços razoáveis para verificar que o consentimento a que se refere o § 1º deste artigo foi dado pelo responsável pela criança, consideradas as tecnologias disponíveis.

§ 6º As informações sobre o tratamento de dados referidas neste artigo deverão ser fornecidas de maneira simples, clara e acessível, consideradas as características físico-motoras, perceptivas, sensoriais, intelectuais e mentais do usuário, com uso de recursos audiovisuais quando adequado, de forma a proporcionar a informação necessária aos pais ou ao responsável legal e adequada ao entendimento da criança. (Grifo nosso).

Da leitura dos dispositivos acima referidos, dois pontos merecem destaque: o consentimento dos pais ou representantes legais e os sujeitos a quem tais previsões se destinam.

Observa-se que o procedimento e o modo de verificação do consentimento específico dado pelos pais ou representante carecem de uma regulamentação mais específica, mormente no momento em que não prevê nenhuma forma de verificação da autenticidade da identidade daquele que consente na disponibilização dos dados de crianças.

Além disso, ao tratar da vulnerabilidade de crianças e adolescentes e, consequentemente, da necessidade de uma proteção maior no tratamento e uso de dados pessoais, deixa a desejar nas informações, necessitando de uma complementação legal.

Sabe-se que o “melhor interesse” é o princípio que orienta todos os direitos das crianças. No ambiente digital, esse princípio consiste no entendimento, pelos pais e educadores, do tipo de mídia que as crianças e adolescentes estão utilizando e as finalidades dessa utilização (entretenimento, pesquisa, educação, socialização).

No caso de crianças e adolescentes que nasceram na sociedade da informação, o tema é mais delicado, porque eles desconhecem as distinções entre o público e o privado, conhecidas pelos adultos que viveram nas comunidades tradicionais (não virtuais) e também não estão cientes de todos mecanismos da sociedade da informação.

Ser criança, de certo modo, significa estar sob vigilância. Os pais, os responsáveis, os professores e a família de modo geral monitoram suas atitudes por questão de segurança, motivações educacionais ou de comportamento.

Além disso, o mercado não só aprimora técnicas antigas de oferta, como também trabalha com brinquedos cada vez mais conectados, cujos riscos podem ser totalmente neutralizados, agravando as violações à privacidade e agregando inúmeras discussões sobre a coleta de dados pessoais das crianças.

Esse contexto pode comprometer a privacidade das crianças, que é um direito reconhecido pela Convenção das Nações Unidas Sobre os Direitos das Crianças (CNUDC), promulgada no Brasil pelo Decreto 99.710/90, que estabelece em seu artigo 16, “que nenhuma criança será objeto de interferências arbitrárias ou ilegais em sua vida particular, sua família, seu domicílio ou sua correspondência, nem de atentados ilegais a sua honra e a sua reputação”.

Com efeito, as crianças e adolescentes, estão em fase de socialização. Nesse momento, se preocupam mais com a sua reputação do que com a segurança de suas informações, o que deve ser motivo de alerta aos pais.

Um grande desafio relacionado ao tema de proteção de dados e privacidade de crianças, é a exposição excessiva de suas informações pessoais, tais como informações médicas, informações sobre desempenho escolar, dados de crianças que cometem atos infracionais, dados sobre abusadores de crianças, processo de adoção, guarda e tantos outros que devem ser protegidos.

A exposição descontrolada dos dados pode gerar consequências importantes na vida da criança quando adulta, impactando até mesmo em seu comportamento amoroso e afetivo.

Também, a “erotização” e “adultização” precoces, neste cenário, são apontadas como efeito do consumismo infantil e consequência da sociedade da informação.

A legislação brasileira possui também algumas regras que visam garantir uma proteção especial à criança em face da comunicação do mercado. O artigo 37, § 2º do Código de Defesa do Consumidor (CDC), por exemplo, estabelece a abusividade da publicidade que se aproveita da deficiência de julgamento da criança.

Porém, atualmente existem na prática, alguns mecanismos para controle dos pais, tais como o “Google Family Link”, aplicativo que permite controles em um grupo familiar, permitindo que os pais controlem os dispositivos filhos, em vários graus.

Esse aplicativo também permite criar uma conta do Google específica para seu filho. Essa conta é muito parecida com uma conta para adultos – só permite definir regras básicas, como determinar quais aplicativos seu filho pode usar e por quanto tempo. Você pode até definir uma hora de dormir no dispositivo do seu filho e ver a localização do seu filho com o aplicativo.

Com o presente, portanto, o que se concluiu é que a mera existência de crianças e adolescentes com acesso à sociedade da informação merece uma atenção e um cuidado redobrado.

Em razão disso e, corretamente, a LGPD destinou artigo específico ao tratamento de dados de crianças e adolescentes (artigo 14), atentando à necessidade de observância do melhor interesse dessa parte da população em questões relativas ao tema, com especial enfoque para a necessidade de consentimento pelos pais ou pelo representante legal em relação aos dados de crianças.

Com o referido dispositivo, todavia, averiguou-se que a legislação, da maneira como está, se mostra omissa, visto que não regulamenta, de forma pormenorizada, as formas de verificação de autenticidade e veracidade do consentimento que prevê.

Mais grave ainda, exclui da proteção decorrente do consentimento e, dessa forma, ceifa o exercício do poder familiar no ato do consentimento em relação aos adolescentes, que se veem desamparados de proteção, ao serem tratados como se adultos fossem podendo consentir sobre o fornecimento de seus dados pessoais sem qualquer tipo de observação e mediação familiar.  

Diante de todo o exposto, nota-se que o atual sistema empregado pelas mídias tecnológicas também deve ser aprimorado, construindo-se um marco jurídico que possa proteger a criança em relação a sua privacidade, assegurando-lhes os benefícios que a sociedade da informação proporciona ao desenvolvimento infantil.

Contudo, trata-se de um texto meramente informativo e não substitui a consulta de um profissional da área para análise específica de algum caso ou situação envolvendo os direitos da criança na sociedade da informação.

Por Talita Verônica

Foto: FreePik

6 comentários em “OS DIREITOS DA CRIANÇA NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO”

  1. Incrível sua contextualização.

    A forma que expõe as informações fica fácil de entender e relacionar com a nossa realidade.
    Obrigada por trazer textos tão importantes para a nossa sociedade atual.

    É possível notar que cada vez mais cedo as crianças têm acesso a Internet, me assustei com 14% apenas dos 42% terem acompanhamento dos pais.

    É difícil para nós adultos selecionar o que é importante, relevante e apropriado para vermos imagina para uma criança em formação.

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