IGUALDADE JURÍDICA ENTRE OS FILHOS

A igualdade jurídica entre os filhos, consagrada pela Constituição Federal de 1988, que garantiu ao direito de família importância e proteção, reconhecendo ser a família a base central da sociedade.

A Constituição Federal reconheceu também, como direito fundamental, o princípio da Dignidade da Pessoa Humana e estabeleceu que todos são iguais perante a lei, conduta esta, que refletiu profundamente no direito de família.

A nova ordem jurídica implementada e os princípios por ela adotados repercutiram imensamente no direito de filiação, que passou a dar proteção aos filhos material e formalmente iguais, independente da forma de filiação, instituindo, portanto, a igualdade jurídica entre os filhos.

Cumpre salientar, que a lei não define expressamente o que seja filiação. Todavia, podemos defini-la, de maneira didática, como o “vínculo jurídico que une o pai a um filho”.

Desse modo, a filiação é conceituada por Maria Helena Diniz como o “vínculo existente entre pais e filhos, a relação de parentesco consanguíneo em linha reta de primeiro grau entre uma pessoa e aqueles que lhe geraram a vida ou a receberam como se a tivessem gerado”[1].

Verifica-se que no antigo Código Civil, de 1916 o adultério era considerado crime. Porém, o maior prejudicado nesse contexto era o filho que não tinha culpa alguma das decisões tomadas por seus pais biológicos.

Nas palavras de Maria Berenice Dias sobre os filhos adulterinos (2007, p. 318): “Singelamente, a lei fazia de conta que ele não existia. Era punido pela postura do pai, que se liberava do ônus do poder familiar. E negar reconhecimento ao filho é excluí-lhe direitos, é punir quem não tem culpa, é brindar quem infringiu os ditamentos legais

Como o adultério era crime o incesto também era e neste caso continua até os dias atuais. Assim, o filho havido de uma relação incestuosa, além de sofrer represália da sociedade também não tinha nenhum direito jurídico enquanto filho. Mais uma vez o filho pagava pelas condutas errantes de seus genitores.

Felizmente, ao longo do tempo, muitos dispositivos de lei foram revogados por não atenderem mais os princípios do novo Estado democrático de direito e por ferirem o princípio da dignidade humana.

Muito importante frisar que hoje em dia, não há mais diferenciação entre filiação legítima e ilegítima, todos são apenas filhos[2], uns havidos fora do casamento, outros em sua constância, mas com iguais direitos e qualificações.

A doutrina atual considera que a filiação pode ser: a adotiva, oriunda da adoção; a presumida, pois se presumem naturais os filhos gerados na constância do casamento e a natural, que se refere à questão biológica. Além dessas, a filiação afetiva também deve ser considerada conforme veremos a seguir.

Apesar disso, a lei estabelece que, para os filhos oriundos na constância do casamento, há uma presunção de paternidade; já para os havidos fora do casamento, há critérios para o reconhecimento judicial ou voluntário; e, para os adotados, há requisitos para sua efetivação.

Nesse sentido, o Código Civil elenca as hipóteses em que se presume que os filhos foram concebidos na constância do casamento, quando o filho é gerado por mulher casada, a saber:

Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:

I – nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal;

II – nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento;

III – havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;

IV – havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga;

V – havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.

Vale destacar que a referida presunção de veracidade é relativa, ou seja, admite prova em contrário. Assim, o marido pode ingressar com uma ação negatória de paternidade[3], que é imprescritível, para contestar a filiação que lhe é atribuída. 

Por outro lado, o legitimado passivo para esta ação é o filho, mas, por ter sido efetuado o registro pela mãe, deve ela também integrar a lide, na posição de ré. Se o filho é falecido, a ação deve ser movida contra seus herdeiros.

Ainda com relação ao tema em análise, há uma diferenciação entre ação negatória de paternidade ou maternidade, que tem por objeto negar o status de filho ao que goza de presunção decorrente da concepção na constância do casamento; e ação impugnatória de paternidade ou maternidade, que visa negar o fato da própria concepção, ou provar a suposição de parto, para afastar a condição de filho.

Ademais, a filiação pode ser demonstrada pela certidão de termo de nascimento registrada no Registro Civil.

Quanto ao registro de nascimento, ele deve conter o nome do pai, o nome da mãe, mesmo se não forem casados, quando qualquer um deles for o declarante. Na hipótese de o pai ser casado, seu nome constará obrigatoriamente do registro público, ainda que não seja o declarante.

Todavia, se o declarante for outra pessoa, não será declarado o nome do pai não casado com a mãe do menor sem que ele expressamente o autorize e compareça, por si ou por procurador especial, para assinar o respectivo assento com duas testemunhas.

Além do exposto, o reconhecimento da filiação pode ser voluntário, em que o pai, a mãe ou ambos lhe outorgam o status correspondente, sendo ato pessoal dos genitores, não podendo ser feito por avô, tio, ou sucessores por exemplo.

O reconhecimento é irrevogável e irretratável, mas pode ser anulado se praticado com vício de vontade, como erro ou coação, ou se não observar certas formalidades legais.

E, falando de filiação, cabe lembrar que o planejamento familiar é livre, não podendo nem o Estado nem a sociedade estabelecer limites ou condições (Artigo 226, §7º da CF/88).

Outrossim, ao tratar da igualdade jurídica entre os filhos, muito importante deixar claro que a filiação nem sempre resulta da união sexual, pois o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Código Civil reconhece a filiação sociológica ou também chamada adoção: a adoção corresponde ao ato jurídico pelo qual uma pessoa recebe outra como filho, independentemente de existir entre elas qualquer relação de parentesco consanguíneo ou afim.

Assim, o art. 41 do ECA dispõe que “A adoção atribui a condição de filho ao adotado, com os mesmos direitos e deveres, inclusive sucessórios, desligando-o de qualquer vínculo com pais e parentes, salvo os impedimentos matrimoniais”.

E como disciplinado pelo mesmo Estatuto, a adoção é medida excepcional e irrevogável e devem ocorrer depois de esgotadas todas as tentativas de manter a criança e/ou adolescente em sua família de origem.

Na adoção, cria-se um vínculo de amor pelo o adotando que transcende os laços de consanguinidade.

Algumas pessoas não entendem e não querem esperar todo o tramite processual exigido por lei para a adoção de uma criança ou adolescente.

Muitos os casos que o desejo de ter um filho é tão grande que os futuros pais e mães acabam por praticar uma conduta delituosa, mas vale ressaltar, devem ser analisados caso a caso, levando sempre em conta o melhor interesse da (s) criança (s).

Além da adoção, os “filhos de criação” são uma prática comum em muitos lares brasileiros, porém, poucos sabem dos efeitos jurídicos que ele gera.

O filho de criação é aquele que adentra aos lares de uma determinada família a convite destes e passa a viver ali como se fizesse realmente parte do núcleo família. A essência que o iguala aos filhos biológicos da casa é o afeto, mesmo que esse sentimento seja nutrido só pelo pai ou só pela mãe.

Diferentemente da adoção à brasileira ou do reconhecimento voluntário, nestes casos não existe nenhum ato formal que regularize tal situação. A pessoa só se deixa viver dentro daquele lar, porém não chega a ser registrado por nenhum dos “pais”, mas a situação corriqueira de afeto é que regulariza a situação.

Além disso, com o avanço da medicina tornou-se possível conceber um filho por meio da inseminação artificial homólogo ou heteróloga, fertilização in vitro ou na proveta.

A inseminação homóloga (CC 1.597, III) pressupõe que a mulher seja casada ou mantenha união estável e que o semêm provenha do marido ou companheiro. É utilizada em situações nas quais, apesar de ambos os cônjuges serem férteis, a fecundação não é possível por meio do ato sexual por problemas endócrinos, impotência, etc.

A inseminação heteróloga (CC 1.597, IV) é aquela cujo semêm é de um doador que não é o marido ou companheiro. A polêmica se instaura nos casos de inseminação heteróloga, quando o doador que vai até um banco de esperma não tem vontade alguma de ser pai, mas sua função é simplesmente de ajudar uma mulher que por problemas de infertilidade não consegue engravidar pelo método natural.

O Conselho Federal de Medicina ditou algumas regras e dentre elas aquela de que os doadores não devem conhecer a identidade dos receptores e assim vice-versa, e, portanto, nestes casos, a genitora não pode posteriormente ingressar com uma ação de investigação de paternidade, pois caso isso fosse possível o doador teria inúmeros filhos espalhados pelo mundo.

Por isso, nesses casos, é muito importante o consentimento do marido daquela que receberá o sêmen de terceiro, pois ele será a figura do pai socioafetivo e a ele caberá as funções inerentes aos pais.

Por último e não menos importante temos a “filiação afetiva ou socioafetiva”, aquela que não é unida por vínculos biológicos, mas pelo afeto[4], ou seja, uma modalidade de filiação construída no amor, gerando vínculo de parentesco por opção.[5]

Em se tratando de vínculo de filiação, quem assim se considera, desfruta da posse de estado de filho ou de estado de filho afetivo.

Nesse diapasão a posse do estado de filho, apesar de ainda não estar formalmente reconhecida em nosso ordenamento jurídico, tendo em vistas as constantes mudanças da sociedade, nem sempre acompanhadas com a mesma velocidade pelo sistema normativo, vem exigindo uma nova resposta dos julgadores para a solução dos conflitos dela decorrentes.

Para o reconhecimento da posse do estado de filho, a doutrina atenta a três aspectos: 1 – Quando o filho é tratado como tal, criado, educado e apresentado como filho, pelo pai e pela mãe; 2 – Uso do nome da família; 3 – É conhecido pela opinião pública como pertencente à família de seus pais.

A partir do momento em que o STF (Supremo Tribunal Federal) equiparou a filiação afetiva à biológica, nas demandas em que é buscado o reconhecimento do vínculo de filiação, não mais importa questionar a existência ou inexistência de vínculo socioafetivo com o pai registral.

O entendimento atual, permite que conste o nome de ambos pais no registro de nascimento, biológico e afetivo, é o que chamamos de multiparentalidade.

O Provimento nº 83/2019 do Conselho Nacional de Justiça admite que se proceda junto ao Cartório de Registro Civil, o registro voluntário de filiação socioafetiva, de quem tiver mais de 12 anos de idade. É indispensável a concordância dos pais registrais e o consentimento do filho para o reconhecimento da multiparentalidade, ou paterna, ou materna.

Assim como existem os direitos pessoais inerentes à relação de filiação, este parentesco também faz surgir direitos patrimoniais. Pode-se dizer que os dois principais efeitos patrimoniais são o direito à alimentos e o direito à sucessão.

Como não poderia deixar de ser, o estabelecimento do vínculo de filiação civil faz nascer justamente esses dois efeitos, em tudo igualando os filhos biológicos aos não biológicos, uma vez que todos são apenas filhos.

Com relação ao direito sucessório, todos os filhos concorrem, em igualdade de condições com os filhos de sangue, em razão da paridade estabelecida pelos arts. 227, §6º da Constituição e art. 1.628 do Código Civil.

Em consequência, os direitos hereditários envolvem também a sucessão dos avós e dos colaterais, tudo identicamente como acontece na filiação biológica.

Por todo o exposto, restou comprovado que a constitucionalização do Direito de Família repercutiu em vários assuntos, principalmente no que concerne ao direito de filiação.

A igualdade jurídica entre os filhos não é simplesmente formal, mas também no aspecto material, produzindo os mesmos direitos pessoais e patrimoniais.

Por fim, conclui-se que com a igualdade na filiação, foi impedido qualquer tipo de discriminação entre os filhos, instituindo os mesmos direitos e garantias para aqueles, uma vez que todos são filhos, necessitando, portanto, do mesmo tratamento jurídico.

Que após toda leitura, não falemos mais em filhos legítimos, ilegítimos, naturais, adulterinos e incestuosos, afinal, todos são FILHOS.

Finalizo com a reflexão de que não existe nada mais emotivo que lembrarmos o maior tesouro que qualquer pai pode ter, o maior laço que qualquer mãe pode conhecer: o vínculo que os une aos seus filhos.

Sabemos que não é fácil educar jovens e crianças nos dias em que vivemos, e incutirmos neles os valores mais importantes. Mas a paciência compensa infinitamente, pois assim como uma flor bem cuidada acaba por florir, um filho bem-educado se torna em um verdadeiro orgulho e fonte de alegria para seus pais.

Portanto, que os pais possam repensar suas rotinas e separar um tempo especial dedicado exclusivamente aos filhos, para brincar, ler, passear, etc.

Que todos possamos refletir sobre a importância da família, sobre a responsabilidade de cada um e, acima de tudo, sobre o amor, o carinho e o afeto que os une.

Por Talita Verônica

Capa: Keylla Gomes


[1] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. v. 5. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

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