O substantivo pai todos já conhecem e sabem a importância que ele representa, porém, a expressão “pai de papel”, você conhece?
Já ouviu falar?
Essa é uma queixa que recebo constantemente dos clientes em meu escritório e a seguir iremos elucidar o tema na prática.
Etimologicamente falando, papel, paper, vem do latim papȳrus, papiro, folha de papel, papel escrito, e significa substância constituída por elementos fibrosos de origem vegetal, os quais formam uma pasta que se faz secar sob a forma de folhas delgadas, para diversos fins: escrever, imprimir, embrulhar etc.
Logo, feitas essas considerações preliminares, nota-se que tem se tornando cada vez mais comum, no Brasil, casais que têm filhos, mas não continuam juntos, e precisam estabelecer um acordo para que tenham contato com os filhos, e, não sendo possível a solução amigável, necessário a intervenção do poder judiciário.
A regra é que o pai e a mãe, quando separados ou divorciados, tenham acesso ao filho, conforme acordo estipulado (homologado judicialmente ou apenas verbal), ou até mesmo decisão judicial, na impossibilidade de acordo.[1]
Em qualquer situação, pai e mãe devem pensar no interesse dos filhos, no desenvolvimento sadio e na importância, na presença da vida de seus filhos, sobretudo em momentos tão importantes na vida, em que a criança e adolescente tem o caráter lapidado.
Deste modo, “nem sempre uma sentença traz paz” para a mãe e consequentemente para os filhos.
Nesse contexto, surge a figura do “pai de papel”, aquele que cumpre integralmente o que acordou com a mãe do seu (s) filho (s) menor (es) de idade, seja verbalmente ou via de sentença homologatória de acordo, ou até mesmo via de uma determinação judicial sobre a guarda, convivência e/ou pensão alimentícia.
Ou seja, o pai que cumpre o que fora combinado ou o que fora determinado pela justiça, na maioria das vezes, com medo das consequências pelo descumprimento, como prisão por inadimplência de pensão alimentícia, penhora de bens, negativação, suspensão de CNH, bloqueio de cartões de crédito, dentre outras medidas.
O problema que surge em virtude do exposto acima, é que na prática, o pai não dá atenção ao filho, não dá amor, carinho e afeto que a criança e o adolescente tanto precisa.
Dessa maneira, esse tipo de pai cumpre o que está “escrito no papel”, porém, deixa o lado afetivo e emocional do filho (s) de lado. Vejamos:
- O pai de papel apenas deposita o valor da pensão alimentícia na conta da mãe, quando a empresa não efetua o desconto diretamente de seu salário;
- O pai de papel sempre inventa desculpas para não ter contato com o (s) filho (s);
- O pai de papel já constituiu outra família, logo, “diminui” o interesse pelo filho (s) ou filha (s) do primeiro relacionamento;
- O pai de papel sofre influência da família ou até mesmo de amigos;
Dentre outras inúmeras possibilidades, além das descritas acima, também sabemos que existem mães que tentam afastar os filhos do pai. Mas, existe uma verdade muito maior que é a dos pais que abandonam os filhos depois da separação.
Não só de afeto, mas financeiramente falando, deixando mulheres com toda a responsabilidade da criação além de arcar com toda grana para isso.
Enfim, dentre essas e outras situações, quem sofre as consequências são de fato as crianças e os adolescentes. O que os pais em geral e a sociedade precisam entender, que o dever de pai vai além do pagamento de pensão alimentícia, e seu descumprimento pode causar até mesmo dano moral indenizável.
É preciso que um pai saiba que não basta pagar prestação alimentícia para dar como quitada a sua ‘obrigação’. Seu dever de pai vai além disso e o descumprimento desse dever causa dano, e dano, que pode ser moral.
A respeito, além de ter contribuído para o nascimento de uma criança, os pais que agem como se não tivesse participação nesse fato, causando enorme sofrimento psicológico à criança, sentimento de rejeição, tristeza e abandono a quem cresceu sem a figura paterna a lhe emprestar o carinho e a proteção necessários para sua boa formação, podem ser punidos.[2]
Há entendimentos de que ao restringir sua atuação ao mero cumprimento do encargo alimentar, o pai furta da “responsabilidade imaterial perante seu filho”, caracterizando, assim, a violação do direito de convivência familiar consagrado pelo artigo 227 da Constituição Federal[3].
“A indenização do dano moral por abandono afetivo não é o preço do amor, não se trata de novação, mas de uma transformação em que a condenação para pagar quantia certa em dinheiro confirma a obrigação natural (moral) e a transforma em obrigação civil, mitigando a falta do que poderia ter sido melhor: faute de pouvoir faire mieux, fundamento da doutrina francesa sobre o dano moral. Não tendo tido o filho o melhor, que o dinheiro lhe sirva, como puder, para alguma melhoria. ” [4]
Não podemos exigir, desde os primeiros sinais do abandono, o cumprimento da “obrigação natural” do amor. Por tratar-se de uma obrigação natural, um Juiz não pode obrigar um pai a amar um filho ou uma filha.
Mas não é só de amor que se trata quando o tema é a dignidade humana dos filhos e a paternidade responsável. Há, entre o abandono e o amor, o dever de cuidado, de sorte que amar é uma possibilidade, mas cuidar trata-se uma obrigação civil.
O dano moral, com efeito, tem seu pressuposto maior na angústia, no sofrimento, na dor, assim como os demais fatores de ordem física ou psíquica que se concretizam em algo que traduza, de maneira efetiva, um sentimento de desilusão ou de desesperança.
Já o valor indenizatório, no caso de abandono afetivo, é muito relativo, não pode ter por referência percentual adotado para fixação de pensão alimentícia, nem valor do salário mínimo ou índices econômicos.
A indenização por dano moral não tem um parâmetro econômico absoluto, uma tabela, mas representa uma estimativa feita pelo Juiz sobre o que seria razoável, levando-se em conta, inclusive, a condição econômica das partes, sem enriquecer, ilicitamente, o filho, e sem arruinar o pai.[5]
Contudo, cumpre destacar que o simples distanciamento entre pai e filho não caracteriza o abandono afetivo. Muitos pais trabalham, dão duro para sustentar seus filhos, suas famílias e a si próprios e nem sempre tem o tempo que gostariam livres para desfrutar com os filhos e com a família. É preciso
Nessa linha localizamos diversos julgados, e dentre eles podemos citar a ementa abaixo, da relatoria do Desembargador Dr. João Egmont:
DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. APELAÇÃO CÍVEL. DANO MORAL. ABANDONO AFETIVO. NÃO CARACTERIZAÇÃO. MERO DISTANCIAMENTO ENTRE PAI E FILHAS. SITUAÇÃO EXCEPCIONAL. NÃO CONFIGURADA. RECURSO IMPROVIDO.
1. Apelação diante de sentença de improcedência em ação de indenização por danos morais ajuizada pelas filhas do requerido sob a alegação de abandono afetivo do genitor.
2. A indenização por danos morais em decorrência de abandono afetivo somente é viável quando há descaso, rejeição, desprezo por parte do ascendente, aliado à ocorrência de danos psicológicos, não restando evidenciada, no caso em comento, tal situação.
3. Dada à complexidade das relações familiares, o reconhecimento do dano moral por abandono afetivo emerge como uma situação excepcionalíssima, razão pela qual a análise dos pressupostos do dever de indenizar deve ser feita com muito critério.
3.1. É dizer: as circunstâncias do caso concreto devem indicar, de maneira inequívoca, a quebra do dever jurídico de convivência familiar e, como consequência inafastável, a prova de reais prejuízos à formação do indivíduo.
4. O fato de existir pouco convívio com seu genitor não é suficiente, por si só, a caracterizar o desamparo emocional a legitimar a pretensão indenizatória.
5. O mero distanciamento afetivo entre pais e filhos não constitui, por si só, situação capaz de gerar dano moral, restando, assim, ausente à demonstração dos requisitos ensejadores do dever de indenizar, dispostos nos artigos 186, 187 e 927 do Código Civil, não havendo que se falar em indenização. 6. Apelo improvido. (Acórdão n.1154760, 07020022220178070005, Relator: JOÃO EGMONT 2ª Turma Cível, Data de Julgamento: 27/02/2019, Publicado no DJE: 07/03/2019. Pág.: Sem Página Cadastrada.)
Infelizmente, não são casos isolados.
Figuras ausentes, que jogam toda a responsabilidade da criação dos seus filhos para mulheres, que se omitem das responsabilidades financeiras, ou que só aparecem de vez em quando, em datas festivas e com um presente, postam fotos nas redes sociais e ainda levam o ‘mérito’ por seu feito como pai.
Isso não é ser pai de verdade!
Como podemos ver, o tema ainda está controverso sob alguns aspectos, pois são situações exigem muita cautela, por envolverem crianças e adolescentes, pessoas em desenvolvimento, contudo temos a certeza da previsão do dever de cuidar dos filhos menores que se encontra expresso em nossa legislação vigente, ressaltando a importância da orientação e acompanhamento de um psicólogo, profissional qualificado e apto para auxiliar nessas questões, bem como de uma assessoria jurídica, conforme o caso.
Por Talita Verônica
Capa: FreePik
[1] https://descobrindocriancas.com.br/2017/07/08/vivencia-do-divorcio-dos-pais-como-ajudar-a-crianca/
[2] https://descobrindocriancas.com.br/2017/04/26/imagem-dos-pais-na-otica-da-crianca/
[3] https://descobrindocriancas.com.br/2018/11/16/pensao-alimenticia-distinta-para-filhos-de-relacionamentos-diferentes/
[4] (Kelle Lobato Moreira. Indenização moral por abandono afetivo dos pais para com os filhos: estudo de Direito Comparado. Dissertação de Mestrado. Consórcio Erasmus Mundus: Universidade Católica Portuguesa/Université de Rouen, França/Leibniz Universität Hannover. Orientadora: Profa. Dra. Maria da Graça Trigo. Co-orientador: Prof. Dr. Vasco Pereira da Silva. Lisboa, 2010).
[5] https://descobrindocriancas.com.br/2017/05/29/abandono-afetivo/