Sabe aquela velha frase que já ouvíamos de nossos avós e de outras tantas pessoas e que repetimos constantemente: “O exemplo vale mais do que mil palavras”?
Sabe aquela vontade que você sente de bocejar quando alguém boceja perto de você ou mesmo aquela sede que aparece do nada quando alguém bebe algo perto de você?
Então, agora, mais do que nunca, temos comprovações científicas de que a frase do exemplo é bem verdade e temos também explicações sobre o porquê dessa vontade de bocejarmos e de bebermos mesmo não estando com sede!!
Vamos entender como isso funciona e de que forma tudo isso que acontece lá dentro do nosso Cérebro pode influenciar não somente as crianças, mas outras pessoas à nossa volta?
Toda essa comprovação começou lá por volta de 1990, quando alguns cientistas, acidentalmente descobriram que neurônios dos macacos que eles estavam estudando para outro experimento, dispararam conforme eles comiam amendoim.
Os macacos percebiam a intenção do comer dos cientistas e os neurônios que disparavam, eram os mesmos que disparavam quando os próprios macacos comiam os amendoins.
Mas isso somente acontecia quando os macacos percebiam a intenção da atitude, caso contrário, nada acontecia e nenhuma movimentação nos circuitos neuronais acontecia.
A partir daí, os cientistas começaram a tentar entender como isso funcionava no cérebro dos seres humanos e se o mesmo padrão de disparo neuronal também acontecia conosco.
E para a surpresa e comprovação da teoria das nossas gerações mais antigas, o padrão era o mesmo!!
Nossos neurônios também disparavam ao perceber a intenção de comportamento do outro e muito mais que isso acontecia, nós não somente espelhávamos as intenções de comportamento do outro, mas também os seus estados emocionais.
Como Funciona o Universo Mágico do Cérebro
O que isso quer dizer?
Quer dizer que nós podemos espelhar de volta para os outros as intenções e comportamentos deles e além de tudo, absorver como esponjinhas os estados internos das pessoas com as quais convivemos.
Basicamente, funciona da seguinte forma: se estou ao lado de uma pessoa irritada e com raiva, posso começar a me sentir dessa forma também ao absorver essa raiva e ao mesmo tempo, tratá-lo da mesma forma irritada e com raiva que ele está me tratando.
A partir dessa descoberta, a ciência deu o nome a esses neurônios de “Neurônios Espelho”, que também tem a função de “Neurônios Esponja”.
Você já conseguiu começar a perceber a seriedade disso para nós em relação à nossa convivência social e nossa relação com as outras pessoas, principalmente com as crianças, que como já abordamos em textos anteriores, possuem cérebros ainda imaturos e estão muito mais suscetíveis ao nosso exemplo?
Se ainda não deu para perceber a seriedade disso tudo e dessas descobertas da neurociência, basta pensar em quando você está muito nervoso ou preocupado e parece que seus filhos começam a ficar assim também.
E você, professor ou profissional da infância, quando está irritado com algum problema e parece que naquele dia, os alunos ou as crianças/adolescentes com os quais você trabalha, resolvem todos, também ficar muito irritados, aborrecidos e começam a causar problemas?
Isso acontece devido ao que os cientistas chamam de “contágio emocional”, que é quando nosso estado interno e a forma como estamos nos sentindo, afetam os outros ou vice-versa.
Também temos uma extensa área de estudo atualmente, a epigenética, que estuda como o meio-ambiente influencia os seres humanos.
Em diversos estudos, temos tido provas de que o meio ambiente apresenta maior influencia até do que a genética para várias questões relacionadas à saúde mental, assim como muitas outras questões.
O Cérebro é Plástico, mas não é Brinquedo
E quando juntamos isso tudo, o que vocês acham que temos de influência para nossas crianças/adolescentes quando analisamos todas essas informações?
A influência é total e pode ser muito positiva na medida em que conseguimos manter um ambiente estruturado, pacífico e que desenvolve comportamentos socialmente adequados, com segurança, suporte e exemplos positivos para nossas crianças e adolescentes.
Mas ela também pode ser muito maléfica, em ambientes repletos de violência, negligência e dificuldades dos responsáveis ou daqueles que lidam com essas crianças, transformando esse ambiente no que chamamos de “Ambiente Tóxico” para nossas crianças/adolescentes.
Um ambiente tóxico, é um ambiente que intoxica, que faz mal, só que ao invés de fumaça e produtos químicos, temos gritos, agressões físicas e verbais, ameaças, humilhações, discussões constantes, entre uma infinidade de outras possibilidades de situações negativas.
Em ambientes tóxicos, não costumamos encontrar quase nada ou nada que seja bom para desenvolver um vínculo seguro, de afeto, amor e crescimento emocional para as crianças e adolescentes que nele vivem.
Ambientes assim não contribuem para que as crianças cresçam resilientes, emocionalmente saudáveis e equilibradas, e se existe a predisposição genética para algum transtorno ou quadro grave de saúde mental na família, aí tudo pode ficar bem pior.
Portanto, vamos voltar lá no início com os “neurônios espelho” e os “neurônios esponja” e de posse de todas essas explicações, podemos compreender que qualquer atitude nossa pode ser rapidamente e facilmente espelhada pelo outro.
O Cérebro e seu Sistema de Freio
Se eu resolvo conflitos gritando, na presença de meu filho, estou fornecendo a ele, o meu exemplo em agir daquela forma, e a possibilidade dos neurônios do cérebro dele, se espelharem nos meus e reagir da mesma forma, entendendo como normal essa reação.
Aí deixo a pergunta: Como ele irá aprender a resolver os conflitos que acontecerem na vida dele? Qual será a forma mais provável de reação dele diante de um conflito? Qual exemplo ele está usando para sua aprendizagem?
Esse exemplo foi apenas um, eu teria inúmeros: como palavrões e xingamentos, agressões físicas, não cumprimento de regras, formas de tratar as pessoas, excesso do uso de tecnologia e eletrônicos por parte dos adultos de referência.
Tudo está servindo de espelho
A forma como você chega na sua casa depois de um dia de trabalho e como se relaciona com seus filhos, também está servindo de espelho para que eles criem os relacionamentos dele com as pessoas à volta.
Assim como também está afetando o estado emocional interno deles. Tenha a certeza disso!
Em minha prática, de forma constante, ouço queixas como: “nada aconteceu para ele(a) agir assim ou piorar nessa semana” e aí questiono aos pais… “Como vocês estão? Estão passando por alguma situação problema? Alguma dificuldade?” e a resposta é quase a sempre a mesma:
“Mas ele(a) nem sabe, nós não conversamos na frente dele”.
Só que o cérebro já sabe, os “neurônios esponja” já absorveram as reações, os sentimentos e os estados internos dos pais.
E a situação pode ficar ainda mais grave se os pais compartilham desses problemas ou conflitos na presença da criança.
Então, vamos lá!! Quais são as possibilidades de ações práticas que eu adulto posso ter, usando todo esse conhecimento para contribuir com a saúde mental da minha criança?
Seguem algumas dicas práticas para usarmos todo esse conhecimento da neurociência a nosso favor:
– Evite abordar problemas do cotidiano na presença da criança (ainda que em código ou em conversas paralelas, por telefone…você ficaria impressionado com o que elas me contam dizendo que ouviram os pais conversarem ao telefone, e em inúmeras situações que os pais nem sonhavam que elas estavam ouvindo);
– Filtre as conversas para os horários em que elas estiverem dormindo ou não estiverem em casa;
– Evite resolver conflitos de forma agressiva, utilizando brigas, gritos, discussões ou violência de qualquer forma;
– Preserve a criança de programas de TV não apropriados para a idade delas, como jornais, telenovelas, desenhos com excesso de violência. Vamos cuidar do ambiente em que a criança está;
– Brinque com as crianças de brincadeiras que não envolvam somente o mundo da tecnologia, jogue jogos de regras, brinque com areia, massinha, esportes, enfim, use sua criatividade e lembre-se: Crianças aprendem brincando!!;
– Faça das suas atitudes seu maior exemplo!! Lembre-se que elas refletem quem você é!! Seu estado interno e suas atitudes estão servindo de espelho para seus filhos(as)…pense sempre:
-você gostaria que seu filho(a) sentisse o que você está sentindo agora?
– você gostaria que seu filho(a) agisse da forma que você está agindo agora?
– E por fim, tenha sempre em mente que o cérebro é remodelado a todo momento por nossas experiências!! Tudo que vivemos, altera o nosso cérebro e por consequência o das outras pessoas também!
Que tal proporcionar experiências em um ambiente positivo e ser referência e espelho para comportamentos e atitudes positivos, gentis e do bem? Para todas as pessoas à sua volta, para a sociedade como um todo?
Afinal, todos vamos receber esse estado emocional que cultivarmos na sociedade! Será que eu gostaria de receber o que eu estou deixando para o mundo? Será que eu gostaria que minha criança recebesse?
Reflita e seja Exemplo para seus filhos!
Por Renata Lela
Bibliografia utilizada:
“O Cérebro da Criança”- Autores: Daniel Siegel e Tyna Paine Bryson – Editora: Inversos
“Porque o amor é importante” – Autora: Sue Gerhardt – Editora: Artmed
“Disciplina Positiva” – Autora: Jane Nelsen – Editora Manole