A MADRASTA NAS RELAÇÕES FAMILIARES

No que diz respeito a madrasta nas relações familiares, podemos defini-la, conforme o dicionário Aurélio como:

1 – Esposa ou companheira do pai, ou da mãe em casais do mesmo sexo, em relação aos filhos por eles tidos em relacionamento anterior.

2 – Mãe que não cuida bem dos filhos.

3 – Descaroável, ingrata, cruel”.

Ademais, quando falamos em madrasta, logo nos vem na memória os desenhos animados da Disney, de modo que, a madrasta da Branca de Neve é vista como uma bruxa má que quer matar a enteada em decorrência da sua beleza, envenenando-a com uma maçã; ao passo que a madrasta da Cinderela faz com que a mesma trabalhe como uma escrava, sendo proibida dos momentos de lazer e diversão, como ir ao baile.

Contudo, deixando de lado o mundo encantado da fantasia, no mundo real também podemos encontrar “boadrastas”, ou seja, pessoas que cuidam dos filhos do marido como se fossem os seus próprios filhos, dedicando a sua vida, o seu amor e carinho da mesma forma que suas mães.

Quando analisamos a doutrina da proteção integral que protege as crianças e os adolescentes, encontramos expressamente na Constituição Federal de 1988:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Grifo nosso).

Assim, na ocasião em que um dos genitores contrai novas núpcias, entre o genitor e seu novo conjugue, surge o vínculo de conjugalidade, mas com relação às respectivas proles, surge o vínculo de parentesco por afinidade. Como consequência, o vínculo surgido com o casamento, o filho de um torna-se enteado do outro, e tecnicamente filho afim (filho por vínculo de afinidade).

Eis o que está disposto no Código Civil vigente, in verbis:

Art. 1.595. Cada cônjuge ou companheiro é aliado aos parentes do outro pelo vínculo da afinidade.

§1º. O parentesco por afinidade limita-se aos ascendentes, aos descendentes e aos irmãos do cônjuge ou companheiro.

§2º. Na linha reta, a afinidade não se extingue com a dissolução do casamento ou da união estável.

No mesmo sentido, temos a previsão da Seção II, Da Família Natural, disposta no parágrafo único do artigo 25 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA):

Art. 25. Entende-se por família natural a comunidade formada pelos pais ou qualquer deles e seus descendentes.

Parágrafo único.  Entende-se por família extensa ou ampliada aquela que se estende para além da unidade pais e filhos ou da unidade do casal, formada por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade. (Grifo nosso).

Dessa forma, juridicamente reconhecemos que a madrasta e o padrasto têm vínculo de parentesco por afinidade com o seu (s) enteado (s) ou enteada (s).  

No mesmo sentido, um dos Direitos Fundamentais da Criança e do Adolescente é o direito à convivência familiar, ou seja, estar inserida dentro de sua família, que agora apresenta a figura da madrasta/padrasto.

A jurisprudência dominante já reconhece a importância desse vínculo e encontramos diversas jurisprudências contemplando esse relacionamento, porém, sempre priorizando o melhor interesse do menor, vejamos um exemplo:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE MODIFICAÇÃO DE GUARDA E RESPONSABILIDADE. GUARDA JUDICIAL DO GENITOR. ÓBITO. GUARDA DE FATO DA MÃE AFETIVA/MADRASTA. RELATÓRIO PSICOSSOCIAL. OITIVA DO MENOR. SENTENÇA REFORMADA. PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DO MENOR. GUARDA UNILATERAL A FAVOR DA MÃE AFETIVA. REGULAMENTAÇÃO DE VISITAS. AÇÃO PRÓPRIA.

I- Na concessão da guarda unilateral, não há preferência entre os genitores, devendo ser observado o princípio do superior interesse do menor.

II- Estando o menor sob os cuidados da mãe afetiva/madrasta há muitos anos, diante do quadro fático-processual, em que se assegurou a realização de estudo psicossocial para averiguar a conveniência da continuidade da guarda na situação atual, assim como a oitiva do menor, que manifestou a vontade de permanecer com a mãe afetiva, impõe-se a reforma da sentença que concedeu a guarda compartilhada entre a genitora e a mãe afetiva.

III – A regulamentação de visitas da genitora do menor deve ser apreciada em demanda própria, porquanto não constitui objeto desta ação. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. SENTENÇA REFORMADA. (TJGO, Apelação (CPC) 0027472-44.2014.8.09.0006, Rel. NELMA BRANCO FERREIRA PERILO, 4ª Câmara Cível, julgado em 26/02/2019, DJe de 26/02/2019).

No contexto, vale ressaltar que com a evolução do pensamento jurídico sobre as relações familiares, que nasceram de casos reais, como o exposto no julgado acima, hoje tornou-se possível o reconhecimento da filiação socioafetiva por meio de declaração em cartório, conforme Provimento nº 63 do CNJ.[1]

Também, o art. 57, § 8°, da Lei n° 6.015/73, introduzido pela Lei n° 11.924/09, autoriza o acréscimo de sobrenome do padrasto ou madrasta pelo enteado ou enteada:

“§ 8° O enteado ou a enteada, havendo motivo ponderável e na forma dos §§ 2° e 7° deste artigo, poderá requerer ao juiz competente que, no registro de nascimento, seja averbado o nome de família de seu padrasto ou de sua madrasta, desde que haja expressa concordância destes, sem prejuízo de seus apelidos de família”.

A legislação, conforme o entendimento de vários tribunais, não exige que o pai ou mãe biológicos concordem com tal acréscimo.

A mera inclusão do nome familiar concedido ao enteado ou enteada, por si só, não geram os direitos e deveres como se filhos fossem. Para tanto, será necessária a verificação de outros elementos caracterizadores da paternidade socioafetiva, sobretudo a existência de laços permanentes de convivência, afetividade e o consequente reconhecimento de filiação em processo judicial próprio.

Frisa-se: a lei não igualou o enteado que inclui o sobrenome do padrasto ou da madrasta ao filho consanguíneo.

É certo que o enteado não terá direitos sucessórios como se filho fosse, uma vez que não foi equiparado ao filho. O enteado apenas reconhece o vínculo afetivo existente ao inserir o nome de família do padrasto ou madrasta, mas não perde os vínculos de filiação com os seus pais.

Em suma, um padrasto ou madrasta, independentemente do grande afeto que tenha pela criança ou adolescente, no caso desta ter pais presentes, não será pai e mãe de jeito algum, não têm os deveres nem os direitos dos pais, portanto não possuem poder familiar.

Em contrapartida ao que fora exposto, é preciso ter muita cautela, pois a madrasta ou o padrasto da criança ou adolescente que fala mal dos pais biológicos para o menor, dependendo do caso concreto, pode ser caracterizado em alienação parental.[2]

Entretanto, não há dúvidas de que a madrasta tem o seu papel definido nas relações familiares marcado principalmente pela afetividade.

Porém, não podemos deixar de levar em consideração, que, embora esteja previsto na Constituição, nas leis específicas, nas Delegacias especializadas, Conselho Tutelar e até disque denúncia o tratamento prioritário e a defesa dos direitos das crianças e adolescentes, na prática, também vemos muitas madrastas e padrastos envolvidos em violência sexual, agressões, abusos e violações, dentro do ambiente familiar.

A violência contra a criança, no seio das relações familiares, é um fenômeno de saúde pública presente não somente no Brasil. Trata-se de um sério problema social gravado pela omissão e pelo silêncio daqueles que deveriam proteger as crianças e adolescentes.

Portanto, juridicamente, não podemos generalizar, principalmente na área do direito de família. Cumpre ressaltar mais uma vez, que a madrasta não deve mais ser vista sob o enfoque da pessoa perversa que irá maltratar o menor, ao contrário, poderá ocorrer dessa madrasta ser a pessoa que tenha o vínculo afetivo mais profundo com o menor.

Assim, não é certo privar essa criança ou adolescente da convivência com a madrasta/padrasto em detrimento do fim do relacionamento amoroso do casal.

Cada caso precisa ser analisado de forma específica, afinal, tudo o que é familiar deve ser pautado conforme o sentimento e a afetividade.

Por Talita Verônica


[1] Paternidade Biológica e Socioafetiva 17 de abril de 2018. Por Talita Verônica [Advogada].

[2] Aspectos Jurídicos da Alienação Parental, 4 de setembro de 2017.

5 comentários em “A MADRASTA NAS RELAÇÕES FAMILIARES”

  1. No meu caso sou madrasta, cuido da minha enteada desde de que conheci meu esposo que tinha 2 meses de separado e com a guarda legal da filha de 4 anos, hoje ela está cm 7 anos cuido dela desde então, tudo sou eu q faço, levo ao médico, responsável pela escola e etc… lavo,passo ,cozinho etc… a menina não gosta de ir p casa da mãe ( que largou o marido e a filha porque se apaixonou pelo melhor amigo do marido e foi atrás do cara p viver essa paixão) todas as vezes temos q ficar prometendo presentes p ela ir passar o fim de semana com a mãe, que é uma vez por mês porque a mãe diz não ter condições de ver a filha com frequência porque mudou p outra cidade que fica a 2hs da cidade do ex. Não paga pensão, não tem gastos com a criança. E 90% das vezes que a menina vai p casa da mãe, a criança retorna doente, gripe, resfriado, infecção de garganta etc. A criança relatou p mim e para o pai que não aguenta mais a mãe falar mal de mim q sou a madrasta, que a mesma fica exigindo e cobrando com frequência maneiras de como é p criança me tratar… como proceder com relação à isso? Eu não prático isso, sempre pedia a menina p ligar ou responder a mãe no celular, conversava p ela ir ver a mãe e etc… hoje não falo mais nada.

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    • Aline, obrigada pelo seu comentário e principalmente por ter compartilhado um pouco da sua relação com sua enteada. Parabéns pela dedicação, pelo carinho e cuidado! Como psicóloga, te oriento conversar com o pai, pois a criança através da sua fala e dos sintomas já diz sobre sua relação com a mãe. Oriento procurar um psicólogo para trabalhar com a criança, com você e o pai. Caso queira, pode entrar em contato conosco pelo e-mail contato@descobrindocriancas que indicaremos um profissional. Sobre as questões jurídicas do seu exemplo, a nossa advogada vai responder. Abraço! Estamos a sua disposição.

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    • Olá, tudo bem? Inicialmente agradeço seu comentário e interação. Pelo seu relato, há indícios de alienação parental por parte da genitora da criança. A alienação pode ser questionada na justiça, porém, será preciso de provas. O acompanhamento psicossocial será muito importante. E o ideal seria fazer contato com um advogado da sua confiança ou com a Defensoria Pública para maiores detalhes e informações específicas sobre o seu caso. Aproveito o ensejo para parabenizar a sua relação de amor, carinho e socioafetividade com sua enteada.

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