Família Multiespécie, vamos descobrir?
Na última sexta-feira, dia 30 de novembro de 2018, foi noticiado que um cachorro morreu após ser envenenado e espancado por um funcionário de uma loja da rede de supermercado Carrefour em Osasco/SP.[1]
Face a repercussão midiática, principalmente nas redes sociais, manifestações de ONGs, famosos e internautas sobre um cão sem nome, mas guardado no coração de todo o Brasil, eis que surge um tema de grande relevância ao mundo jurídico no cenário atual: A FAMÍLIA MULTIESPÉCIE – família formada pelo vínculo afetivo constituído entre seres humanos e animais de estimação.
Oportunamente, no ensejo, manifesto com indignação e veemência REPÚDIO aos atos de violência praticados contra os animais não humanos que vêm acontecendo no país e ressalto os inúmeros benefícios de adotar um animal de estimação.
A saber, a psicóloga Brunna da Silva, em seu texto “As crianças e os Pets: a importância dessa união”[2], destaca que além dos animais nos amarem incondicionalmente, vemos através de pesquisas e vivências os benefícios que um pet traz para o desenvolvimento das crianças, nos aspectos emocional, cognitivo, físico e social para a família também, que é envolvida por uma novem de amor.
No mesmo sentido, a colunista Terapeuta Ocupacional Suellen Merencio, já abordou brilhantemente sobre os benefícios para “O desenvolvimento da Criança e Animais de Estimação”[3].
Nesse contexto, historicamente sabemos que o cachorro sempre foi considerado o “melhor amigo do homem”, ou seja, seu aliado e companheiro. A convivência demostra, por sua vez, que a relação entre os homens, sejam adultos, crianças ou adolescentes, e os animais de estimação, são pautadas por sentimentos e pelo preenchimento de laços afetivos que não podem ficar alheios aos olhos do direito.
Diversos estudos comprovam que existe com os animais de estimação um forte vínculo afetivo, a ponto dos mesmos serem considerados como membros da família e até mesmo “filhos de quatro patas”.
Essa relação de afeto entre homens e animais tornou-se tão importante nas últimas décadas, que isso acabou contribuindo para o desenvolvimento do mercado “pet”, ou seja, de todo um comércio e indústria que abarcam as necessidades dos animais, inclusive alimentação, vestuário, medicamentos etc.
Com efeito, talvez o Direito de Família tenha sido a ramificação que mais trouxe novidades e modificações, justamente por a família mudar constantemente, diante dos novos arranjos familiares com as mais diversas formações, todas devidamente protegidas pelo Estado e amparadas constitucionalmente, mostrando-se o rol trazido pelo artigo 226 da Constituição Federal de 1988, meramente exemplificativo.
Desse modo, ao modelo tradicional de família, somam-se muitos outros e não é possível afirmar se são melhores ou piores, apenas são diferentes.[4]
Diante da lacuna na legislação brasileira e ausência de previsão legal específica, pautado principalmente na relação de afetividade, a família “multiespécie”, vem sendo definida pela doutrina como aquela formada pela interação humano-animal dentro de um lar, onde os componentes humanos reconhecem os animais de estimação como verdadeiros membros da família.
Ademais, Faraco (2003), ao defender sua tese de doutorado, conceituou a família multiespécie como aquela em que são reconhecidos como seus membros os humanos e os animais não humanos de estimação ou domésticos, desde que haja a convivência respeitosa, com os quais são travadas interações significativas.[5]
Por seu turno, Cohen, citada por Lima (2014), ao trabalhar o conceito de famílias multiespécies, explica que os animais são membros das famílias de seus tutores e analisa o grau de apego entre os animais humanos e não humanos.[6]
Diante deste novo modelo de família, necessário se faz ressaltar os questionamentos em sede de divórcio ou dissolução de união estável, pois quando deste evento, há profunda discussão quanto a quem vai ficar o bichinho de estimação considerado como membro da família.
Não há ainda regulamentação legal quanto à guarda compartilhada dos animais. No entanto, tramita no Congresso Nacional, alguns projetos versando sobre essa matéria, vejamos:
O Projeto de Lei nº 7196/2010 de autoria do Deputado Márcio França (PSB/SP), o primeiro a ser apresentado ao Congresso Nacional, foi elaborado com a justificativa de que os animais de estimação têm uma importância inegável para as pessoas, devendo ser considerados como membros da família.
Além disso, propõe a guarda unilateral, devendo essa ser delegada ao legítimo proprietário do animal. Há, ainda, a possibilidade de guarda compartilhada, embora o referido Projeto de Lei não seja muito claro nesse sentido.
Outro Projeto que foi elaborado para tratar desta questão e que tramite no Congresso Nacional é o Projeto de Lei nº 1058/2011, de autoria do deputado Dr. Ubiali (PSB-SP), que dispõe sobre a guarda dos animais de estimação nos casos de dissolução litigiosa da sociedade e do vínculo conjugal entre seus possuidores, e dá outras providências.
O projeto tem por finalidade “regular a guarda dos animais em caso de dissolução litigiosa e permitir que o juiz analise os fatos do litígio com base na lei, observando o ambiente, os devidos cuidados e quem será o seu melhor detentor”.
Já o Projeto de Lei nº 1365/2015, de autoria do Deputado Ricardo Tripoli (PSDB/SP), e que está em tramitação na Câmara dos Deputados apresenta uma proposta mais atual e sintonizada como o conceito de afetividade, tão em voga na ciência jurídica nos dias hodiernos.
Conforme as regras do Projeto, o animal deve ficar com aquele que tiver maior vínculo e capacidade para cumprir com os deveres e obrigações para com o animal. Segue-se aqui raciocínio semelhante ao instituto guarda do Código Civil. A proposta abarca a guarda unilateral e compartilhada, e recomenda que, ao estipular a guarda, o magistrado deve se ater as condições de cada um dos litigantes, inclusive no que diz respeito ao ambiente em que o anima vai ficar (moradia).
Portanto, ao passo que para um humano, o animal de estimação é considerado membro da família, deve o judiciário adequar-se a essa nova realidade social, devendo tentar atender ao máximo a satisfação da lide levada ao seu conhecimento.
Julgados recentes de todos os tribunais do país já indicam a guarda compartilha de muitos animais na prática. No entanto, estamos ansiosos pela regulamentação de leis que atendam aos anseios da sociedade e regulem a interação entre homem e animal.
[1] https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2018/12/04/cachorro-abandonado-e-envenenado-e-espancado-por-funcionario-de-hipermercado-em-osasco-dizem-ativistas.ghtml
[2] As crianças e os pets a importância dessa união
[3] O desenvolvimento da criança e animais de estimação
[4] A formação da família atual
[5] FARACO, Ceres Berger. Interação Humano-Cão: o social constituído pela relação interespécie. Tese de doutorado em Psicologia. Faculdade de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2008.
[6] LIMA, Maria Helena Costa Carvalho de Araújo. Considerações sobre a família multiespécie. Disponível em:<http://eventos.livera.com.br/trabalho/98-1020766_01_07_2015_11-07-22_5164.PDF>.
Por Talita Verôncia
Gostei muito das informações. Parabéns ótima dissertação desse assunto. Parabéns.