SELETIVIDADE ALIMENTAR EM CRIANÇAS AUTISTAS

Como driblar a seletividade alimentar em crianças autista.

Devido à relevância dos cuidados com a alimentação das crianças autistas, produziremos uma série sobre o assunto para celebrar o Dia Mundial do Autismo. Este é o primeiro texto da série.

A data é celebrada todo dia 02 de Abril e foi criada pela Organização das Nações Unidas (ONU), no ano de 2007 com o objetivo de levar informação à população para reduzir a discriminação e o preconceito.

E vamos iniciar a série com um assunto muito presente na vida das crianças autistas: a seletividade alimentar.

Essa é uma das principais queixas de pais e cuidadores, não apenas pela angústia e pelo risco de deficiências nutricionais, mas pelo fato de que o momento da refeição pode se tornar um verdadeiro caos e uma situação muito estressante.

Antes de nos aprofundarmos sobre como driblar a questão da seletividade alimentar, vamos pontuar a definição de autismo.

Hoje definimos o autismo com Transtorno do Espectro Autista (TEA), pois os pacientes podem ter diferentes níveis, uns podem ser muito inteligentes outros com um retardo intelectual severo, por exemplo.

É caracterizado por uma desorganização neural influenciado por múltiplos fatores, como questões genéticas, ambientais e imunológicas, de modo a apresentar comprometimento no comportamento como deficiências na interação social, na linguagem, na comunicação e no jogo imaginativo.

Além disso, inclui padrões limitados, repetitivos e estereotipados de comportamentos, atividades e interesses (APA, 2014)[1].

Especialmente esse padrão de repetição pode influenciar os hábitos alimentares da criança com TEA e levar a um quadro de seletividade alimentar, uma vez que é muito comum encontrar crianças que se limitam a consumir poucos grupos alimentares e com pouca variedade de consistência, cor e sabor.

Esse comportamento seletivo pode expor a criança a carências nutricionais e comprometer seu desenvolvimento físico e cognitivo.

Uma pesquisa realizada pela University of Massachusetts Medical School, definiu o grau de seletividade alimentar e comparou estes índices entre crianças com autismo e crianças com desenvolvimento típico de acordo com três domínios: recusa alimentar; repertório alimentar limitado e ingestão alimentar única de alta frequência.

Esta pesquisa constatou que as crianças com TEA apresentaram mais recusa alimentar que as crianças com desenvolvimento típico (41,7% vs. 18,9% dos alimentos oferecidos).

Além disso, exibiram um repertório alimentar mais limitado do que as crianças com desenvolvimento típico (19,0% vs. 22,5% alimentos apresentados) (Cermak, Curtin, Bandini, 2010)[2].

Alguns fatores podem contribuir para a seletividade alimentar das crianças com TEA.

Um deles está relacionado à sensibilidade sensorial. Assim, a recusa alimentar pode ser dar simplesmente por conta de texturas, gostos, cheiros e temperaturas dos alimentos, especialmente os desconhecidos.

Outros fatores associados com a seletividade alimentar são atrasos das habilidades motoras orais resultando em aumento de esforço para mastigação e ainda problemas gastrointestinais, que fazem com que a criança relacione desconforto com o ato de se alimentar, como quadros de intolerância ou alergia alimentar.

O Engajamento dos pais na intervenção terapêutica do autismo

Todas essas dificuldades podem ser gradativamente superadas através de tratamento multidisciplinar com profissionais especializados, como terapeuta ocupacional, fonoaudióloga, nutricionista e psicóloga. Quanto mais precoce for a intervenção, melhores são as chances de se ampliar o repertório alimentar.

Mesmo com todo amparo clínico, o estímulo da família em casa é fundamental. Afinal, é com a família que se inicia a construção dos hábitos e as experiências positivas com a alimentação.

Inclusive, essas experiências poderão ser decisivas na aceitação dos novos alimentos.

Como sempre falo, os pais são exemplo para as crianças.

É observando os pais ou cuidadores se alimentando, em um ambiente organizado e agradável, que podemos transformar as refeições em momentos prazerosos e estimulantes para a criança, com ou sem TEA.

Para facilitar a aceitação de novos alimentos, trago abaixo algumas dicas:

  • Tenha uma rotina estruturada, principalmente para as refeições;
  • Crie os passos para preparar a criança para a hora da refeição, como ajudar a colocar a mesa, lavar as mãos (esse processo traz dicas do que vai acontecer e a criança começa a se preparar);
  • Evite lanches fora de hora ou livre demanda, para que a criança não perca o apetite na hora das refeições principais;
  • Procure realizar as refeições sempre em família;
  • Não force, mas ofereça sempre novos alimentos. Coloque alimentos variados à mesa, perto da criança, de maneira que ela possa ver e, caso se interesse, possa se servir;
  • Se a criança aceitar, coloque alimentos diferentes em seu prato, mesmo que ela não coma, para que se familiarize com cores, cheiros e texturas diferentes;
  • Incentive a independência durante a alimentação;
  • Traga o lúdico: brinquem de fazer comida de massinha e alimentar bonecas e bichos de pelúcia;
  • Permita que a criança escolha o prato e copo de sua preferência para a refeição, isso pode trazer maior interesse para se sentar à mesa;
  • Convide a criança a participar de atividades na cozinha, ajudar a lavar tomates, verduras, a fazer salada de frutas ou misturar o bolo, por exemplo;
  • Plante temperos, e depois peça que a criança pegue na horta;
  • Comemore cada alimento novo que ela aceitar e continue a oferecer;
  • Não utilize eletrônicos ou distrações durante as refeições.

O mais importante nesse processo é a calma, paciência e muita criatividade. Não desistir de acompanhar e estar sempre oferecendo e apresentando novos alimentos.

Por Fabiana Jarussi

Capa: tismoo


[1] AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. DSM-IV-TR: Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. 4 ed. Porto Alegre: Artmed, 2014.

[2] Cermak SA, Curtin C, Bandini LG. Seletividade alimentar e sensibilidade sensorial em crianças com transtornos do espectro do autismo. J Am Diet Assoc . 2010;110(2):238-246. doi:10.1016/j.jada.2009.10.032

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