É natural os pais desejarem por seu filho ou seus filhos, mas você sabe em que ponto esse tipo de expectativa torna-se prejudicial ao desenvolvimento da criança?
O que fazer quando seu filho não corresponde ao ideal?
Para responder essas e outras perguntas, vamos compreender onde tudo isso começa.
Antes e durante a Gestação:
Quando surge a ideia ou a decisão por ter um filho, entra-se em contato com as expectativas individuais pela criança ideal. Desde os detalhes físicos, emocionais, comportamentais, até a escolha de profissões e talentos.
Começa então, a busca pelo “ser humano perfeito”, cheio de qualidades, de fácil convívio, e de preferência, sem nenhum defeito. Logo percebemos que essa busca é irreal, já que todas as pessoas possuem qualidades e dificuldades, e a idealização é gerada por projeções, sonhos, expectativas e projetos não realizados do próprio idealizador.
É natural “sonhar” durante a decisão ou durante a gestação, e isso é importante para que o bebê já exista no psicológico dos pais. Enquanto o corpo prepara-se gradativamente na gestação biológica, as fantasias/idealizações funcionam como uma gestação emocional, preparando os pais e familiares para receberem e desejarem aquele bebê.
A relação entre os pais e a criança começa ainda na gestação com os primeiros sinais concretos. Um bebê que chuta e movimenta-se bastante será nomeado como “agitado”, assim como, aquele que pouco manifesta-se, costuma ser nomeado como “calminho” ou “bonzinho”. Neste momento a criança começa a existir, porém, somente após o nascimento o contato fica mais real e perceptível.
Nascimento:
Com o nascimento, o bebê torna-se concreto, apresentando suas características físicas e emocionais. Esse é o primeiro contato dos pais com a realidade e também com o confronto das frustrações e dos desejos.
Por exemplo, a criança pode ter dificuldade com amamentação, e isso gerar na mãe uma frustração sobre a idealização deste momento. Ou ainda, o pai esperar do filho um vínculo mais próximo e ao perceber que o bebê solicita e demonstra preferência pela mãe, sentir a perda de sua expectativa.
Neste início as frustrações ocorrem de forma sutil, conforme o bebê ainda depende de cuidados e comporta-se a partir da relação com os cuidadores, por isso, é ao longo do desenvolvimento que esse confronto intensifica-se.
Infância:
Em cada novo aprendizado, a criança constitui e compreende sua personalidade e, com o aumento de sua autonomia, a individualidade fica mais clara. Com o crescimento, surge aos pais a necessidade de aprender a conviver com a criança real e com todas as mudanças que ela passa.
Criança Ideal × Criança Real
A criança ideal é aquela que comporta-se como esperado, é vista como um ser passivo que precisa crescer e adaptar-se. Normalmente os desejos dos adultos estão em primeiro lugar, por isso, o sono e o apetite da criança correspondem à idealização deles.
Já a criança real tem sentimentos, vontades e desejos por si mesma. Não é um adulto em miniatura e nem vive em função do desejo dos adultos. São crianças que trocam com o meio, aprendendo a viver e sobreviver com seus erros e acertos.
Desejar e esperar o melhor do filho é algo natural, porém em muitos momentos ele não corresponderá aos desejos de outras pessoas, precisando passar por situações para crescer e tornar-se um indivíduo autônomo e um sujeito singular.
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Dicas práticas:
Um dos maiores desafios da paternidade/maternidade é aprender a respeitar a vida do filho e principalmente, reconhecer que ele é um sujeito que não pertence aos pais. Assim, vamos algumas dicas para apoio neste processo:
Seus desejos e sonhos
O que essas idealizações estão comunicando sobre você?
Ao longo da vida surgem muitos sonhos e planos que não são realizados, o risco é desejar o filho ideal, depositando o “legado” e a “obrigação” nele para cumprir o que não foi conquistado.
Por exemplo: “Desejo que meu filho aprenda um instrumento, mas ele recusa-se mesmo após diversas tentativas.” Em vez de querer entender qual o “problema” do filho, que tal refletir sobre o que a sua criança interna quer para você. Será que existiu uma frustração muito grande e uma tentativa de compensar isso através do filho? É possível que você mesmo entre em contato com esses sentimentos e possa entender o que representa tocar um instrumento?
Muitos desejos que ocorrem na infância são transferidos para a infância dos filhos, porém é importante reconhecer o que a criança interna, que cada adulto carrega, ainda deseja realizar para si mesmo.
Contato com suas frustrações
Ao longo do desenvolvimento humano existem diversas frustrações, sendo muito positivo aprender a lidar com as limitações para não transferir a própria dificuldade em aceitar o “não” para a relação e educação dos filhos.
Entrar em contato com isso tudo não é fácil, e em muitos momentos torna-se doloroso, mas esse processo é necessário conforme o limite existe e é necessário para o crescimento e amadurecimento de cada pessoa.
Aprenda a respeitar a individualidade
Cada ser humano possui sua singularidade e a criança não é diferente. Assim como apontamos acima, a criança real é dotada de suas próprias vontades e interesses, sendo que esses aspectos podem não estar de acordo com os pais.
A ideia de respeitar a criança como ela é e permitir sua autonomia para além do que outras pessoas desejam, não significa que a educação e os limites não devam ocorrer. Pelo contrário, são eles que tornam o ambiente seguro e organizado para apoiar a criança em seu desenvolvimento. O que prejudica o processo é a busca por encaixar a criança em idealizações e desrespeitar a singularidade.
Aproximação com o filho real
O fato de um filho não gostar das mesmas coisas que o pai ou a mãe, não significa que isso seja ruim. A aproximação com o filho real requer aprender a conviver com o diferente e estar aberto para as mudanças positivas que isso pode gerar, pois ao reconhecer no outro, características e valores diferentes, é possível reconhecer lados até então desconhecidos ou negados em si mesmo.
Contato com sua essência
Essa é a última e a principal dica, sendo uma possibilidade de sintetizar todas as anteriores.
Conforme estamos nomeando pai e mãe na função pelo contexto deste artigo, não podemos esquecer que existe um homem e uma mulher que possuem diversos outros papéis.
Entrar em contato com sua essência, significa identificar e perceber a si mesmo para além de uma única função. Refletir sobre o que aquele outro indivíduo, neste caso o filho, está tocando a própria singularidade da pessoa, ou ainda, o que pode ser aprendido com isso e que possibilidade de crescimento essa troca pode gerar.
Sabemos que todas essas dicas não são fáceis e que a paternidade/maternidade não possuem manual de instruções, sendo em muitos momentos necessário entrar em contato com aspectos dolorosos que cada indivíduo carrega de sua história.
A busca é por reconhecer que a chegada de filhos é uma possibilidade dos pais em reviver a própria história, resgatando suas vivências também como filhos, crianças, jovens, homem e mulher, para assim crescer, aprender e ressignificar a própria individualidade.
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