Você já deixou seu filho em frente à televisão ou com aparelhos eletrônicos para poder fazer alguma tarefa sem ele te incomodar?
Em algum momento, você colocou desenhos ou músicas no para que seu filho se acalmasse?
Você já notou alterações no comportamento do seu filho após ele jogar no computador?
Se você respondeu sim para pelo menos uma dessas perguntas, esse texto é para você refletir sobre o uso de aparelhos eletrônicos na infância e adolescência.
Muitos pais observam nesses recursos uma forma de entretenimento para a criança e assim fazer com que ela fique quietinha.
Saiba que crianças são seres naturalmente inquietos, exploradores e barulhentos.
A recente chegada do seu filho/filha a este mundo faz com que ele precise explorar, mexer e remexer nas coisas, pois tudo é sempre uma novidade pronta para ser descoberta.
Quando seu filho está entretido com um aparelho eletrônico (seja a televisão, tablet, smartphones, videogames, computador), ele deixa de vivenciar o mundo a sua volta. Toda sua atenção fica voltada apenas ao aparelho.
No dicionário, entreter significa prender, desviar a atenção, distrair, iludir e enganar. E é exatamente isso que os pais fazem quando colocam seus filhos em frente aos aparelhos eletrônicos: transmitem a informação de que ficar parado, sem pensar, falar ou sentir é a forma adequada de viver.
E mais ainda, os pais ficam com a falsa ilusão de que a criança está se desenvolvendo adequadamente por ficar parada, quieta e “presa” ao que está assistindo ou jogando.
A Sociedade Brasileira de Pediatria indica que crianças a partir de 18 meses podem ter contato com os aparelhos eletrônicos desde que supervisionados pelos pais.
Eu discordo totalmente disso e vou explicar porquê. No primeiro setênio, ou seja, nos primeiros sete anos, a criança é um receptor de informações. Ela está aberta para desenvolver o pensamento, os sentimentos e as ações frente ao mundo de possibilidades que lhe é apresentado.
Tudo aquilo que é falado e vivenciado pela criança é processado no cérebro e ela precisa aprender a dar um sentido ou um valor àquilo.
Através do brincar (que está para a criança como o trabalho está para o adulto), da exploração do próprio corpo, do tentar/errar/tentar novamente/acertar, acontece o aprendizado motor e cognitivo.
Os pais são o fio condutor que guiam o processo de aprendizado e, por isso, são a principal fonte de exemplo para os filhos. Como o reflexo de um espelho, as crianças tendem a imitar e reproduzir tudo aquilo que observam os adultos fazendo sem crítica ou juízo de valor.
Ok, você pode pensar que estou exagerando. Contudo, minhas reflexões a respeito do tema vieram a partir da observação de alguns pais e filhos.
Várias e várias vezes, vi cenas na qual a mãe/pai, com smartphone na mão, grita para a criança: “não mexe aí, fulaninho”, esperando que ela entenda o que está sendo solicitado. E quando os pais percebem que a criança não parou com o “mau comportamento” se zangam por ter que ir até a criança. Ou ainda, para fazer a criança comer colocam um desenho na sua frente, enquanto entroixam comida boca a dentro.
Atitudes como essa são desastrosas para o desenvolvimento infantil. Na primeira cena, a criança está tentando chamar a atenção dos pais e espera que minimamente eles olhem nos seus olhos ao dar uma advertência ou fazer um elogio.
Na segunda cena, a criança deixa de sentir o sabor e a textura dos alimentos, pois está envolvida demais com as imagens do aparelho eletrônico prostrado em sua frente. Em ambas as cenas fica claro o quanto a interação entre pais e filho fica deficitária.
Sem contar a exposição excessiva das crianças nas redes sociais. É fácil encontrar vídeos de crianças em cenas vexatórias e de risco.
Tenho a impressão de que alguns pais não têm noção do impacto da exposição no desenvolvimento do filho. Claro que é fofo ver crianças falando errado ou brincando com o irmãozinho. Mas enxergar o desenvolvimento do filho pela câmera do celular não tem nada de fofo.
Pelo contrário, demonstra a incapacidade dos pais em atentar-se para o que realmente importa: seu filho.
Os aparelhos eletrônicos e a tecnologia são ferramentas essenciais para a nossa vida no mundo atual, mas também são dispensáveis.
Quem nasceu antes dos anos 2000, tinha pouco ou nenhum contato com aparelhos eletrônicos. O brincar era livre e cooperativo.
As amizades nasciam e eram mantidas pelo estar presente. Hoje, percebemos o distanciamento das crianças e adolescentes motivados pelo uso desenfreado desses aparelhos.
E muitas vezes, o impacto só é percebido na fase da adolescência, quando estes estão cada vez mais isolados e distantes do convívio familiar. Doenças como a depressão e a dependência virtual começam a aparecer nos diagnósticos médicos cada vez mais cedo.
No caso dos adolescentes é ainda mais difícil ter um controle. Por ser uma fase de transição e mudanças constantes, adolescentes são mais rebeldes e questionadores.
Não aceitam as regras sem antes perguntarem e entenderem o porquê. Temos acompanhado casos chocantes de hospitalização e até mesmo morte de adolescentes expostos a jogos e desafios, como “baleia azul”, jogo do desmaio e desafio da canela.
Aproximar-se dos filhos e estabelecer uma relação de confiança e diálogo são essenciais para evitar que os adolescentes se coloquem em risco.
O uso adequado dessas ferramentas pode auxiliar no processo de desenvolvimento da criança e do adolescente desde que haja moderação e ponderação.
Antes de proibir seu filho de usar o aparelho eletrônico, perceba como você faz uso dessas tecnologias. De nada adianta proibir seu filho de usar o aparelho eletrônico se você faz um uso desenfreado do mesmo.
Os jogos de computador são produtores de competitividade, em que ou você ganha ou perde. Crianças e adolescentes que crescem nesse meio tem menos capacidade de lidar com frustrações e há fortes tendências a apresentar problemas psicológicos. Não devemos criar seres para competir, mas para refletir e cooperar.
A televisão, os jogos de videogame ou os smartphones são considerados atividade de lazer em muitos lares brasileiros. Contudo, o lazer é mais abrangente e envolve a liberdade de escolher o que fazer. Até mesmo o fazer nada.
Utilize o tempo para o lazer com atividades que proporcionem maior convívio e interação entre os pares, bem como promova a criatividade do seu filho.
Ler um livro, criar uma cena para a brincadeira, explorar parques e praças podem ser realizadas no momento de lazer. Com certeza, serão essas as lembranças gravadas na memória do seu filho.
O mercado de eletrônicos é tão promissor e fatura tanto por ano que a todo momento surgem novos aplicativos, novos jogos, novos softwares. Precisamos ser críticos e usar o bom senso na hora de expor a criança e adolescente a tais jogos e aplicativos.
Portanto, não permita que os aparelhos eletrônicos sejam substitutos do convívio social, do diálogo e da troca de olhares entre os membros de sua família.
Se você sentir dificuldade em pontuar sobre o uso de eletrônicos para seu filho ou perceber que ele está isolando-se, procure ajuda especializada.
A prevenção é sempre o melhor remédio.
Por Suellen Merencio
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Foto capa: Pinterest