A entrega voluntária para adoção foi pauta no caso da atriz Klara Castanho, de 21 anos, que revelou recentemente que ficou grávida após ter sido estuprada, descobriu a gestação já em estágio avançado e que decidiu entregar o bebê para doação legal após o parto, com o auxílio de um advogado.
O relato da atriz teve repercussão na imprensa e nas redes sociais.
Houve quem criticasse a ação por não ter conhecimento de todos os fatos e também por desconhecer o que diz a lei sobre a entrega voluntária da criança para adoção.
Porém, não faltaram elogios à atriz, pela atitude de não ter feito o aborto e encaminhar a criança para adoção.
Diversos artista e pessoas que passaram pela mesma situação também se manifestaram.
Feitas tais considerações, ressalta-se que a entrega de uma criança para a adoção está prevista em lei e é considerado o melhor caminho para mães que não têm condições (econômicas, psicológicas, dentre outras) de cuidar e criar os filhos depois do parto.
A principal intenção da entrega voluntária ou legal para adoção é evitar abandonos, maus-tratos, infanticídios, abortos, tráfico de pessoas e acolhimento crônico de crianças, cujas mães, por algum motivo, optaram por não exercer a maternagem.
Devido à falta de informações, muitas mulheres têm medo de serem penalizadas por fazer a entrega da criança dentro do que determina a lei.
Porém, a entrega voluntária para adoção é uma opção segura tanto para a mãe quanto para a criança.
O artigo 13, § 1º do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), orienta que as gestantes ou mães que manifestem interesse em entregar seus filhos para adoção serão obrigatoriamente encaminhadas, sem constrangimento, à Justiça da Infância e da Juventude.
Logo, o Juizado da Infância e Juventude da sua cidade é o local que dá o suporte jurídico, sem qualquer constrangimento, às mulheres que desejam entregar voluntariamente seu filho para adoção.
No entanto, nada impede que a mãe ou gestante relate sua intenção de entrega voluntária em qualquer unidade da Rede de Atendimento (Assistência Social, Saúde, Conselho Tutelar), para o devido encaminhamento.
Além disso, a Lei nº 8.069/90 (ECA) com as alterações promovidas pela chamada Lei da Adoção (Lei nº 13.509/17) traz mais disposições sobre o tema nos artigos 18 e 19. Vejamos o artigo 19-A:
Art. 19-A. A gestante ou mãe que manifeste interesse em entregar seu filho para adoção, antes ou logo após o nascimento, será encaminhada à Justiça da Infância e da Juventude.
§ 1 o A gestante ou mãe será ouvida pela equipe interprofissional da Justiça da Infância e da Juventude, que apresentará relatório à autoridade judiciária, considerando inclusive os eventuais efeitos do estado gestacional e puerperal.
§ 2 o De posse do relatório, a autoridade judiciária poderá determinar o encaminhamento da gestante ou mãe, mediante sua expressa concordância, à rede pública de saúde e assistência social para atendimento especializado.
§ 3 o A busca à família extensa, conforme definida nos termos do parágrafo único do art. 25 desta Lei, respeitará o prazo máximo de 90 (noventa) dias, prorrogável por igual período.
§ 4 o Na hipótese de não haver a indicação do genitor e de não existir outro representante da família extensa apto a receber a guarda, a autoridade judiciária competente deverá decretar a extinção do poder familiar e determinar a colocação da criança sob a guarda provisória de quem estiver habilitado a adotá-la ou de entidade que desenvolva programa de acolhimento familiar ou institucional.
§ 5 o Após o nascimento da criança, a vontade da mãe ou de ambos os genitores, se houver pai registral ou pai indicado, deve ser manifestada na audiência a que se refere o § 1 o do art. 166 desta Lei, garantido o sigilo sobre a entrega.
§ 6º Na hipótese de não comparecerem à audiência nem o genitor nem representante da família extensa para confirmar a intenção de exercer o poder familiar ou a guarda, a autoridade judiciária suspenderá o poder familiar da mãe, e a criança será colocada sob a guarda provisória de quem esteja habilitado a adotá-la.
§ 7 o Os detentores da guarda possuem o prazo de 15 (quinze) dias para propor a ação de adoção, contado do dia seguinte à data do término do estágio de convivência.
§ 8 o Na hipótese de desistência pelos genitores – manifestada em audiência ou perante a equipe interprofissional – da entrega da criança após o nascimento, a criança será mantida com os genitores, e será determinado pela Justiça da Infância e da Juventude o acompanhamento familiar pelo prazo de 180 (cento e oitenta) dias.
§ 9 o É garantido à mãe o direito ao sigilo sobre o nascimento, respeitado o disposto no art. 48 desta Lei.
§ 10. Serão cadastrados para adoção recém-nascidos e crianças acolhidas não procuradas por suas famílias no prazo de 30 (trinta) dias, contado a partir do dia do acolhimento.
Ademais, conforme dispõe o ECA, todo processo é sigiloso e pode ocorrer tanto naqueles em que houve o crime de estupro como nos demais casos.
Dessa forma, a entrega espontânea e voluntária (ato legal) difere-se do crime de abandono, previsto no artigo 133 do Código Penal brasileiro: “abandonar pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade, e, por qualquer motivo, incapaz de defender-se dos riscos resultantes do abandono: Pena – detenção, de seis meses a três anos.”
No mesmo sentido, trata-se de uma forma de evitar a “adoção à brasileira”, quando as pessoas acabam entregando os filhos para pessoas que desejam adotar, mas sem ser de uma maneira legal, também conhecida quando o “adotante” registra diretamente a criança em cartório como se fosse seu filho biológico.
Outra prática que pode ser irregular e que ainda verificamos em nossa sociedade é conhecida como adoção “Intuitu personae ou dirigida”. Intuitu personae é uma expressão latina que significa “por ânimo pessoal”.
Portanto, adoção intuitu personae é a adoção consensual, que ocorre quando a mãe biológica manifesta interesse em entregar a criança à pessoa conhecida, sem que esta faça presente no Cadastro Nacional de Adoção.
Além das situações acima descritas, qualquer tipo de entrega direta e definitiva de uma criança para terceiros sem vínculos de parentesco pode colocá-la em risco e ser considerado uma prática ilegal.
É importante entender que não existe justificativa para práticas de adoção ilegal, o discurso de que o processo de adoção é burocrático e demorado não pode abonar tais práticas, considerando que as normas de adoção existem para garantir a segurança da criança.
Importante mencionar que o preconceito em relação à mulher que entrega o filho para adoção hoje é um dos maiores entraves para o cumprimento da lei e a garantia do direito dela em entregar e a proteção integral à criança.
Paulo André Sousa Teixeira[2], discorrendo sobre o acolhimento necessário à mulher que deseja entregar seu filho para adoção, destaca a importância da empatia e da escuta ativa:
(…) Inicialmente, destacamos a importância da empatia, entendida como um exercício permanente de se imaginar no lugar do seu interlocutor. Colocamos a empatia não como uma postura estanque, mas em termos de um “esforço empático”, um exercício permanente em que visa responder à pergunta: “como eu me sentiria no lugar dessa pessoa?” ou “como eu gostaria de ser tratada se estivesse nessa situação?” […]
Dessa forma, espera-se que os profissionais da Rede de Atendimento, estejam despidos de preconceitos e julgamentos, demonstrando uma atitude acolhedora para com a mulher que deseja entregar o filho para adoção[3].
Os discursos pautados em crenças religiosas (“isso é pecado”), crenças morais, (“isso é errado”) ou ainda econômicas (“se eu conseguir uma cesta básica, você desiste?”), devem ser evitados pelos profissionais, considerando que podem levar a mãe a atitudes imaturas e impensadas que poderão colocar a criança em risco.
É preciso lembrar que o direito da mulher em entregar um filho para adoção, visa à proteção à criança e a garantia do seu direito à convivência familiar.
Portanto, a entrega voluntária ganhou força com a Lei 13.509/17, ou seja, há aproximadamente 05 anos, na qual foram consagrados os direitos ao sigilo da entrega, à possibilidade de a mãe ser titular de ação voluntária de extinção do poder familiar, de receber assistência psicológica, de ser ouvida em audiência judicial e de poder desistir da entrega no decorrer do processo.
Durante todo o atendimento à mulher que deseja entregar o filho para a adoção, é importante tranquilizá-la sobre o direito ao sigilo, apesar da necessidade de colher dados e preencher formulários, explicar os procedimentos legais que garantem o direito da entrega espontânea, criando atmosfera confiável para que ela fique livre, consciente para decidir-se entre entregar ou não.
Face ao exposto, até mesmo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apoia o processo legal da entrega voluntária. Segundo o conselho, tal medida busca evitar o abandono de crianças recém-nascidas em condições precárias ou a entrega de bebês e menores a terceiros à revelia da lei.
Na dúvida, sempre busque orientação ou auxílio jurídico com profissionais da sua confiança, pois o texto tem caráter meramente informativo e não substitui a análise de cada caso prático.
Por Talita Verônica
[1] https://blog.descobrindocriancas.com.br/2020/09/15/a-adocao-ato-de-amor/A ADOÇÃO UM ATO DE AMOR. 15 de setembro de 2020. Por Priscila Mendes [Advogada].
[2] Psicólogo do TJPE e MPPE. Mestre em Psicologia pela UFPE. Membro da coordenação colegiada do Programa Acolher do TJPE.
[3] https://blog.descobrindocriancas.com.br/2021/01/19/adocao-tardia-e-seus-dasafios/ ADOÇÃO TARDIA E SEUS DASAFIOS. 19 de janeiro de 2021. Por Priscila Mendes [Advogada].
[4] https://blog.descobrindocriancas.com.br/2021/02/09/adocao-por-casais-homoafetivos/ ADOÇÃO POR CASAIS HOMOAFETIVOS. 9 de fevereiro de 2021. Por Talita Verônica [Advogada].