NEGLIGÊNCIA FAMILIAR INFANTIL

No Brasil existem Leis que protegem as crianças e adolescentes de toda forma de violência e negligência, dentre essas Leis podemos estabelecer a Constituição Federal, Código Civil e o Estatuto da Criança e do Adolescente-ECA.

A negligência familiar acomete inúmeras crianças e adolescentes no Brasil, esse tipo de negligência é reconhecido como um dos tipos de violência mais comum, é um tema de suma importância, ao se deparar com a proteção integral da criança.

Para o desenvolvimento infantil de uma criança é essencial a proteção dos pais ou responsáveis, e consequentemente esses pais precisam proporcionar aos filhos necessidades básicas como: saúde, afeto, educação vestimenta, alimentação, entre outras.

Todavia, quando os pais omitem essas necessidades, eles estão sendo negligentes, por conseguinte podem gerar incalculáveis consequências para a vida da criança e do adolescente.   

 Estima-se que nos serviços de apoio às crianças vítimas de violência no Brasil, cerca de 40% dos atendidos foram vítimas de negligência[1]

Nesse sentido, destaca-se a proposição de Reppold et al.:

O padrão negligente é aquele cujos pais são fracos tanto em controlar o comportamento dos filhos quanto em atender as suas necessidades e demonstrar afeto.

São pais pouco envolvidos com a criação dos filhos, não se mostrando interessados em suas atividades e sentimentos. Pais negligentes centram-se em seus próprios interesses, tornando-se indisponíveis enquanto agentes socializadores. (REPPOLD, 2002, p. 38).

Na mesma nuance, o Ministério da Saúde, destaca negligência, como:

Omitir em prover as necessidades físicas e emocionais de uma criança ou adolescente. Configura-se no comportamento dos pais ou responsáveis quando falham em alimentar, vestir adequadamente seus filhos, medicá-los, educá-los e evitar acidentes. (Brasil, 1993, p. 14)[2]

Já a Constituição Federal, em artigo 227, sublinha:

 “…É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão…”[3]

Assim, destaca o artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente:

 “É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.”[4]

A Constituição Federal e o ECA destacam e priorizam o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente. Deste modo, esses indivíduos merecem todo cuidado e proteção, e devem ficar a salvos de toda e qualquer forma de negligência.

O Estado tem a obrigação de garantir a todas as crianças e adolescentes uma vida digna e de qualidade, sem qualquer tipo de negligência, assegurando – as amparo.

Conforme, dispõe o artigo 3º do Estatuto da Criança e do Adolescente:

“…A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade…”[5]

A criança deve ter o seu direito protegido, uma vez que, estamos falando de indivíduos vulneráveis, o que justifica a integral proteção ao direito da criança e do adolescente.

Essa vulnerabilidade, pode acarretar que as crianças sejam vítimas de várias negligências, e infelizmente a negligência ocorre dentro do seio familiar.

Há diferentes tipos de negligência, como: negligência física, emocional e educacional, cada uma tem a sua própria característica, para elucidar é necessário diferenciar cada uma.  

Negligência Física- acontece quando os genitores não oferecem alimentação, vestuário, higiene e cuidados básicos para os filhos.

Exemplos: quando a criança não tem acompanhamento médico adequado.

Essa negligência, é identificada através dos traços físicos que a criança apresenta, como: desnutrição, falta de higiene pessoal no qual a criança fica longos períodos sem tomar banho, dentre outros cuidados básicos.

Negligência Emocional– ocorre quando a criança não tem uma base familiar caracterizada pelo amor e afeto, quando os pais não promovem um suporte emocional para o bom desenvolvimento da criança.

Exemplo: os pais não preocupam com as emoções da criança, não conversam para saber o que a criança necessita, são deixadas de lado, e muitas vezes essas crianças estão passando por questões emocionais que precisam ser investigadas.

Refere-se a uma falta temporária ou persistente de respostas do adulto a sinais (como choro ou sorriso), expressões emocionais e comportamentos que buscam proximidade e interação. [6]

Pode ser também a falta de iniciativa de interação e contato por parte de uma figura adulta e estável na vida da criança.[7]

Esse tipo de negligência é bem difícil de identificar porque não deixa marcas físicas. Entretanto, a marca emocional é muito grande, visto que, essa criança irá levar para a sua vida adulta esse transtorno psicológico.

Negligência Educacional: é aquela na qual, os pais e/ou responsáveis não oferecem o necessário para a formação moral e intelectual da criança ou do adolescente, os filhos são privados de uma educação básica.

Exemplo: não realizar a matrícula da criança ou do adolescente na escola, seja ela pública ou particular, ou não acompanhar as atividades escolares e/ou faltas escolares sem justificativa.

Essa negligência, pode ser identificada através de falta de incentivo por parte dos pais em relação as atividades escolares que devem ser desenvolvidas pelos filhos.  

Os pais e/ou responsáveis que são negligentes não importam com os seus filhos, em nenhuma circunstância, colocando em risco a vida e o desenvolvimento da criança, sem respeitar o princípio do melhor interesse da criança.  

Caso seja comprovado as situações de negligência familiar infantil, os pais podem perder o poder familiar. O poder familiar é conceituado como um encargo atribuído aos pais para cuidar das crianças enquanto durar a maioridade dos filhos.

O poder familiar é sempre trazido como exemplo da noção de poder-função ou direito-dever, consagradora da teoria funcionalista das normas de Direito das Famílias: poder que é exercido pelos genitores, mas que serve ao interesse do filho. (José Lamartine e Francisco José F. Muniz, Curso de Direito de Família, 31)

A perda da autoridade parental é a mais grave, é realizado por ato judicial no qual leva à extinção do poder familiar que é o aniquilamento, o término definitivo, o fim do poder familiar.[8]

 No entanto, inclina-se a doutrina em admitir a possibilidade de revogação da medida, ou seja, a perda é permanente, mas não definitiva. Os pais podem recuperar o poder familiar, desde que comprovem a cessação das causas que a determinaram. [9]

Sobre a perda do poder familiar, presenta o artigo 1.638 do Código Civil:[10]

 “…Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que: castigar imoderadamente o filho; deixar o filho em abandono;

praticar atos contrários à moral e aos bons costumes; incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente. entregar de forma irregular o filho a terceiros para fins de adoção…”

Sendo assim, a negligência infantil ocorre quando os pais e/ou responsáveis em situações contínuas, desprezam os cuidados indispensáveis que devem ter com a criança ou adolescente, e se essa omissão for comprovada os pais e /ou responsáveis podem perder o poder familiar.

Ao atingir um grau avançado de negligência, seja ela qual for, pode ser caracterizada como abandono, sendo considerado uma violência intrafamiliar gravíssima que acaba desligando o vínculo entre pais e filhos.

Outro aspecto, é que os atos de negligência familiar infantil podem ser considerados crimes, conforme apresenta o artigo 133 do Código Penal:

Abandonar pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade, e, por qualquer motivo, incapaz de defender-se dos riscos resultantes do abandono:

        Pena – detenção, de seis meses a três anos.

        § 1º – Se do abandono resulta lesão corporal de natureza grave:

        Pena – reclusão, de um a cinco anos.

        § 2º – Se resulta a morte:

        Pena – reclusão, de quatro a doze anos.

Outrossim, apresenta o artigo 136 do mesmo dispositivo:

Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina:

        Pena – detenção, de dois meses a um ano, ou multa.

        § 1º – Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave:

        Pena – reclusão, de um a quatro anos.

        § 2º – Se resulta a morte:

        Pena – reclusão, de quatro a doze anos.

        § 3º – Aumenta-se a pena de um terço, se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (catorze) anos. 

Podemos perceber, que além da perda do poder familiar, esses pais ou responsáveis que são negligentes poderão sofrer sanções no âmbito penal.

É necessário esclarecer que, negligência infantil não é sempre intencional, porque, existem crianças que estão em famílias com extrema vulnerabilidade, no qual a família não consegue fornecer condições mínimas para cuidar da criança.

Quando isso acontece, é indispensável, a implantação de políticas públicas para auxiliar as famílias que são mais vulneráveis, e que possam ter o mínimo para cuidar dos seus filhos.

Diga não à violência infantil

Em outro aspecto, quando falamos sobre negligência, ela gera inúmeras consequências na vida da criança e do adolescente, a primordial consequência é que ela pode dar lugar para outras modalidades de maus-tratos.  

O sentimento de abandono, motivado pela negligência e abandono dos pais, pode causar danos irreparáveis na vida dos filhos, transtornos emocionais que comprometem o desenvolvimento da criança e do adolescente.

Lacharité, Éthier e Nolin (2006) relatam:[11]

 “….as consequências da negligência para com as crianças podem se manifestar no plano físico, podendo causar a mortalidade das crianças.

 Na exposição a outras formas de maus tratos, na restrição de relações propiciadas à criança, na família e no ambiente de vida, no seu meio social e no plano de sequelas desenvolvimentais.

 Essas numerosas consequências negativas geradas pela negligência tornam patente a necessidade de procurar meios de desenvolver programas de intervenção.

 A identificação precoce de crianças vivendo situações de negligência e que, em seguida, amenizem ou contenham seus efeitos negativos, assim como, se possível, alterem a situação familiar, no plano dos cuidados despendidos…”

Além disso, os danos de negligência também podem ser físicos, segundo o Dr. Dráuzio Varella, as crianças e adolescentes podem apresentar:

 Desnutrição, atraso no crescimento e traumas por acidentes domésticos; emocionais, que podem incluir agressividade, dificuldade de interação, tendência ao isolamento, depressão, baixa autoestima.

Formas de sociopatia e risco de suicídio; e intelectuais, como atraso neuropsicomotor, dificuldade de aprendizado e fracasso escolar, que acabam por reduzir a chance de sucesso profissional daquela criança ou adolescente no futuro.[12]

Outro ponto importante, é que crianças e adolescentes que são vítimas de negligência, também apresentam questões envolvendo o bullying, gerando implicações para as crianças que são vítimas do bullying ou aquelas que praticam o bullying com outras crianças.

 O Ministério Público de Santa Catarina, em parceria com Fórum Catarinense pelo Fim da Violência e da Exploração Sexual Infantojuvenil, lançou a “Campanha pelo Combate à Negligência Contra Crianças e Adolescentes”, segue link para acessar o vídeo da campanha:  https://www.youtube.com/watch?v=6hZWU74JEOU.

Uma campanha substancial, para alertar os pais e a sociedade como os casos de negligência familiar infantil atinge a vida das crianças e adolescentes.

Assim, se você presenciar algum ato de negligência familiar infantil, procure o Conselho Tutelar da cidade onde a vítima reside, ou procure o Ministério Público e a Vara da Infância e da Juventude da Comarca que a criança ou o adolescente reside.

Contudo, se a pessoa não quiser se identificar, ela pode realizar uma denúncia anônima pelo Disque 100, esse canal recebe incalculáveis ligações sobre casos de negligência familiar infantil.

Em 2019, São Paulo foi o estado com o maior número absoluto de denúncias contra crianças e adolescentes pelo Disque 100. [13]

Os 20.355 registros representam 23% do total do país. As principais violações também foram negligência (15.103), violência psicológica (8814), violência física (8007) e violência sexual (3206).[14]

Estudos comprovam que crianças e adolescentes que vivem em situações de negligência/abandono carregam distúrbios emocionais que podem acarretar imensuráveis prejuízos para a vida adulta.

Por fim, se você conhece alguma criança ou adolescente que está passando por negligência familiar, não deixe de denunciar, pois você está salvando a vida de crianças que estão sofrendo em razão da negligência familiar por parte dos pais ou responsáveis

Por Priscila Lima


[2] BRASIL. Ministério da Saúde (1993). Violência contra a criança e o adolescente. Proposta preliminar de prevenção e assistência à violência doméstica. Brasília.

Encontra mais sobre o tema violência na revista Descobrindo Crianças

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