Desde o ano de 2020 o Brasil está enfrentando uma crise sanitária e humanitária, em virtude da infecção pelo coronavírus, provocada pelo Coronavírus Disease 2019 (Covid-19), detectada na China, em dezembro de 2019, tendo como consequências o crescimento de casos de crianças em acolhimento institucional.
Por conseguinte, esse vírus mudou a vida de todas as pessoas, o mundo precisou se adaptar à nova realidade, passamos a usar máscara e o distanciamento social, como principal adequação em nosso novo mundo.
Devido essa nova realidade, a vida de muitas famílias mudou, principalmente em relação ao momento delicado que toda família começou a enfrentar, como: desemprego, pobreza e o aumento de violência dentro de casa, em virtude do isolamento social.
O desemprego aumentou de forma significante em nosso País, impactando inúmeras famílias, esses lares perderam a sua única fonte de renda, refletindo na dificuldade dos pais em prover o sustento dos seus filhos.
Com base em todas essas questões que os lares brasileiros estão enfrentando, em decorrência da pandemia, tal fato foi um dos motivos para o aumento de crianças em acolhimentos institucionais.
Contudo, é importante ressaltar que a dificuldade financeira, por si só, não é um embasamento para a institucionalização de crianças.
O Acolhimento institucional que era anteriormente denominado de (abrigamento), é uma medida prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente-ECA, assegurada a crianças e adolescentes, quando estão com os seus direitos ameaçados.
§ 1 o O acolhimento institucional e o acolhimento familiar são medidas provisórias e excepcionais, utilizáveis como forma de transição para reintegração familiar ou, não sendo está possível, para colocação em família substituta, não implicando privação de liberdade[1].
Porquanto, o real motivo para a criança ou adolescente serem entregues para acolhimentos institucionais, é quando ocorre a violação dos direitos que são assegurados por Lei.
Toda criança e adolescente tem direito de crescer em um ambiente familiar que assegura o seu desenvolvimento principalmente quando falamos sobre: educação, saúde, cultura, esporte e lazer.
Porém, às vezes, esse ambiente familiar não é seguro e saudável. Quando essa é a realidade e tal fato acaba ocorrendo em denúncia, o Conselho do Tutelar é acionado, esse órgão começa analisar a situação em que a criança se encontra.
Após a conclusão dessa análise, se o Conselho Tutelar verificar que aquele ambiente familiar não é saudável para a criança, esse órgão é responsável por encaminhar medidas para garantir que a criança fique em um lugar propício para o seu desenvolvimento.
Deste modo, caso seja determinado judicialmente o afastamento do convívio familiar, a criança/adolescente será encaminhada para o acolhimento institucional. O acolhimento institucional somente pode ser determinado pelo juiz.
Ademais, a família de origem, passa a ser acompanhada pelo sistema de acolhimento para atuar nas questões que foram identificadas, no intuito de garantir o bem estar e a integridade da criança.
Bem como, respeitando o máximo o convívio da criança com a família de origem, exceto quando tiver uma decisão judicial que não concorde com o restabelecimento desse convívio.
A prioridade é que essa criança/adolescente retorne para a sua família de origem, desde que, esse ambiente esteja seguro e saudável para o bom desenvolvimento da criança.
Conforme destaca o Artigo 101, § 4 do Estatuto da Criança e do Adolescente-ECA:[2]
Imediatamente após o acolhimento da criança ou do adolescente, a entidade responsável pelo programa de acolhimento institucional ou familiar elaborará um plano individual de atendimento, visando à reintegração familiar.
Ressalvada a existência de ordem escrita e fundamentada em contrário de autoridade judiciária competente, caso em que também deverá contemplar sua colocação em família substituta.
Entretanto, se mesmo após todas as tentativas o sistema de acolhimento apurar que a volta da criança para a família de origem não é possível, caberá ao judiciário a destituição do poder familiar dos pais, assim, a criança ficará sob os cuidados do acolhimento institucional.
De acordo, com o artigo 101, parágrafos 9 e 10 do Estatuto da Criança e do Adolescente-ECA[3]
§ 9 o Em sendo constatada a impossibilidade de reintegração da criança ou do adolescente à família de origem, após seu encaminhamento a programas oficiais ou comunitários de orientação, apoio e promoção social, será enviado relatório fundamentado ao Ministério Público.
No qual conste a descrição pormenorizada das providências tomadas e a expressa recomendação, subscrita pelos técnicos da entidade ou responsáveis pela execução da política municipal de garantia do direito à convivência familiar, para a destituição do poder familiar, ou destituição de tutela ou guarda.
§ 10. Recebido o relatório, o Ministério Público terá o prazo de 15 (quinze) dias para o ingresso com a ação de destituição do poder familiar, salvo se entender necessária a realização de estudos complementares ou de outras providências indispensáveis ao ajuizamento da demanda.
Durante a pandemia, ocorreu um aumento de crianças e adolescentes em acolhimentos institucionais, sendo um reflexo da vulnerabilidade que inúmeras famílias estão enfrentando.
Essa situação é o reflexo de vários fatores, dentre eles podemos destacar: a violência familiar e o abandono, e essa situação muitas vezes, estão relacionadas a crise econômica que cada família está enfrentando.
O Centro de Apoio Operacional da Infância, Juventude e Educação (Caopije) do Ministério Público do Ceará (MPCE) contabiliza que o número de crianças e adolescentes espalhados em 22 unidades de acolhimento, no ano de 2020, passou de 380 para 420.[4]
De acordo com o CNJ, temos no Brasil, 30.664 crianças em acolhimento institucional[5]
Não é saudável para o desenvolvimento da criança e do adolescente, que ela fique um longo período no acolhimento institucional, por se tratar de medida provisória e excepcional.
Destarte, o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 19, § 2 o enfatiza:
§ 2 o A permanência da criança e do adolescente em programa de acolhimento institucional não se prolongará por mais de 18 (dezoito meses), salvo comprovada necessidade que atenda ao seu superior interesse, devidamente fundamentada pela autoridade judiciária.
Existe um prazo para a criança e o adolescente ficar em acolhimentos institucionais, já que, o acolhimento é medida provisória, é um local provisório que a criança/adolescente permanece até ser adotada.
Quando falamos em acolhimento institucional, é necessário destacar os processos de adoção. O Brasil tem atualmente 4.960 crianças e adolescentes disponíveis para adoção, segundo o Conselho Nacional da Justiça-CNJ.
A fila de adoção está longe de acabar, e com a pandemia tudo ficou mais complicado.
Em razão das dificuldades, como a crise financeira que assola o país, algumas famílias adiaram o sonho de construir uma família com a criança que seria adotada.
E com essa situação, sucedeu uma queda nos processos de adoção.
Além disso, a questão de saúde também contribuiu para esse ensejo, uma vez que, alguns pretendentes contraíram o coronavírus, ou até mesmo, porque esse pretendente é da área da saúde e consequentemente está na linha de frente do combate ao coronavírus, e essa situação dificulta o estágio de convivência.
Nesta mesma nuance, explica Monica Labuto Fragoso Machado, juíza titular da 3ª Vara da Infância, da Juventude e do Idoso do Rio:[6]
Muitos pretendentes estão desempregados ou com alguém da família doente. Tivemos, inclusive, caso de óbitos por Covid-19 de pretendentes à adoção.
E alguns habilitados disseram que tinham pais idosos e que não poderiam fazer estágio de convivência, pedindo a suspensão do cadastro.
Em contrapartida, devido à queda em processos de adoção, houve um aumento de crianças em acolhimentos institucionais.
Contudo, esse aumento de crianças e adolescentes em acolhimentos institucionais espalhados pelo nosso País, acabou gerando outra preocupação, em relação ao número grande de crianças em acolhimentos e a situação do distanciamento social.
Assim, no início da pandemia os Juízes e o Conselho Nacional de Justiça começaram uma aceleração no processo de adoção que estavam em fase de finalização.
Com o intuito de liberar as crianças e adolescentes para os lares dos pais adotivos ou padrinhos e madrinhas que estão no programa de apadrinhamento.[7]
O Apadrinhamento Afetivo aparece como uma alternativa, para que aquelas crianças e adolescentes que não possuem chance de retornarem para sua família natural ou extensa, ou que são poucas as chances de serem adotadas pelos pretendentes disponíveis.[8]
Apadrinhamento afetivo, é um programa para crianças e adolescentes que vivem em instituições de acolhimento ou em famílias acolhedoras.
Com o intuito de integrar a criança ou o adolescente em uma família, com o objetivo de promover laços afetivos entre eles. Sobre esse tema tem texto no blog “O Apadrinhamento Afetivo X Adoção”.[9]
No entanto, apesar dessa corrida contra o tempo para agilizar os processos de adoção, a pandemia fez o número de adoções caírem pela metade, conforme foi mencionado acima.
De acordo com dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no ano passado houve uma redução de 26,4% na concessão de sentenças de adoção no país se comparado a 2019 — a queda foi de 3.013 para 2.216 decisões.[10]
No dia 14/04/2020, o Conselho Nacional da Justiça-CNJ, criou uma série de diretrizes para orientar o funcionamento excepcional dos serviços de acolhimento e adoção durante a pandemia causada pela crescente disseminação do novo coronavírus no país. [11]
O objetivo é preservar a vida crianças e adolescentes sob proteção do Estado, além das equipes de tribunais, prefeituras e governos estaduais que atuam em abrigos e nos serviços de adoção no momento em que a alta transmissibilidade do vírus espalha a doença pelo território nacional. [12]
Apesar do distanciamento social decretado pelos governos estaduais em função do estado de calamidade pública, os diversos órgãos que assinam com o CNJ a Recomendação Conjunta nº 1/2020 pretendem garantir a manutenção da oferta dos serviços de Adoção e Acolhimento, além de evitar o fechamento das unidades de acolhimento institucional nos lugares afetados pela Covid-19.
De acordo com o secretário de Projetos Especiais do CNJ, Richard Pae Kim:[13]
“O CNJ, em uma importante ação interinstitucional, com o objetivo de proteger a saúde de nossas crianças e dos adolescentes acolhidos.
Bem como dos importantes servidores, colaboradores e voluntários, edita relevante e oportuna recomendação aos atores do sistema de justiça e de garantia de direitos.
Faremos de tudo para protegê-los e a magistratura também está imbuída nesses objetivos. Esperamos que o período da pandemia acabe em breve, mas o Judiciário estará presente, até o fim, para resguardar o direito e a saúde de todos”.
Em outra nuance, na análise do presidente do Departamento Científico de Segurança da SBP, embora não haja ainda estatísticas oficiais, “seguramente” o número de violência contra crianças e jovens cresceu durante a pandemia de covid-19. [14]
Marco Gama observou que a criança poderia pedir socorro a um vizinho, à professora ou a um colega na escola, a um padrinho com quem tenha proximidade afetiva.
Mas, com o isolamento social imposto pela pandemia, a criança que sofre maus-tratos está limitada ou presa no ambiente domiciliar.[15]
As estatísticas mostram que, em 2018, 83% dos agressores foram o pai ou a mãe e que mais de 60% das agressões foram cometidas dentro das residências. [16]
Na pandemia, o foco de trabalho dos servidores mudou. Agora, em vez de estarem preocupados em preparar novas famílias para adoção, eles passaram a trabalhar para tirar crianças abrigadas e tratar as denúncias de maus tratos contra crianças em famílias disfuncionais num contexto de isolamento social — afirma Saulo Amorim, Grupo de Adoção Cores[17].
“A pandemia propiciou o conjunto ideal para o agressor”. “As agressões aumentaram durante a pandemia e as chances de defesa das crianças diminuíram”.[18]
É imprescindível, uma efetivação por parte do Estado sobre analisar a situações de maus tratos e abandono que milhares de crianças e adolescentes estão vivendo, sobretudo no tocante a pandemia.
Além disso, é necessário enfatizar a importância de implantação de políticas públicas voltadas para as famílias carentes, porquanto, muitos pais estão em situações de vulnerabilidade, no qual, não conseguem prover o sustento dos filhos.
Outrossim, conclui-se a necessidade de se aprimorar o processo de adoção, que tal processo seja mais rápido, principalmente em relação ao momento em que estamos vivendo, para não causar uma super lotação em acolhimentos institucionais.
Por Priscila Lima
Capa: FreePik