Continuando a nossa série sobre ADOÇÃO, no texto de hoje irei destacar a Adoção Tardia, um assunto importante que precisa ser disseminado entre a população e os pretendentes que estão na fila de adoção.
O Estatuto da Criança e do Adolescente-ECA destaca, que toda criança e adolescente tem direito de ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente que garanta seu desenvolvimento integral.[1]
No Brasil, a fila de adoção é formada por mais de 35 mil pretendentes, desse total de pessoas interessadas em adotar, a maioria não concorda em adotar crianças maiores de 3 (três) anos de idade.
Infelizmente adoção tardia é revestida de muito preconceito, os pretendentes possui preferência em adotar bebês, acreditando que essa faixa etária de idade é mais fácil para adaptação em uma nova família.
Sendo assim, esses pretendentes acabam ficando na fila de adoção, a espera da criança idealizada, enquanto inúmeras crianças passam sua infância dentro do Acolhimento Institucional, uma realidade para muitas crianças.
Conceito de adoção
Ao longo dos textos expliquei o conceito de adoção, todavia irei reforçar a definição de adoção nas palavras da Professora Maria Helena, sendo:
“a adoção é o ato jurídico solene pelo qual alguém estabelece, independentemente de qualquer relação de parentesco consanguíneo ou afim, um vínculo fictício de filiação, trazendo para sua família, na condição de filho, pessoa que geralmente lhe é estranha.”[2]
No momento que o indivíduo se habilita no cadastro de adoção, precisa ter em mente que o filho adotivo será como se filho fosse, com os mesmos direitos e deveres do filho biológico.
A adoção, é um procedimento irrevogável, (existem situações que poderá acontecer à devolução da criança adotada, já escrevi esse tema em outro texto, para conferir acesse: DEVOLUÇÃO DE CRIANÇA ADOTADA[3].
Nesse sentido, destaca o Artigo 39, § 1 do Estatuto da Criança e do Adolescente. “A adoção é medida excepcional e irrevogável, à qual se deve recorrer apenas quando esgotados os recursos de manutenção da criança ou adolescente na família natural ou extensa, na forma do parágrafo único do art. 25 desta Lei”. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009).[4]
O que é adoção tardia?
Adoção Tardia é aquela que ocorre no desenvolvimento infantil da criança, ou seja, crianças com mais de 3 (três) anos de idade, ou adolescente.
Tardia é o termo utilizado para designar a adoção de criança que já consegue se perceber diferenciada do outro e do mundo, a criança que não é mais um bebê, que tem certa independência do adulto para satisfação de suas necessidades básicas. Ou seja, a criança que já anda, fala, não usa mais fraldas, se alimenta sozinha (BARBOSA. 2006).[5]
Sobre a idade da adoção tardia há algumas controvérsias, alguns autores consideram 3 (três) anos de idade, outros já destacam que a adoção tardia é a partir dos 4 (quatro) anos de idade.
Os pretendentes ao realizarem a adoção tardia, recebem em seu lar aquela criança que já apresenta certa autonomia, que vem cercada de histórias que aconteceram em seu lar de origem.
Assim, o convívio dos adotantes com essa criança é mais delicado, e necessita de uma maior preparação por parte dos pretendentes, sem formação de preconceitos.
Essa criança/adolescente assim como qualquer outra, está na expectativa de fazer parte de uma família, a criança necessita do amor e afeto do pretendente, por conseguinte os adotantes precisam lembrar que ADOÇÃO NÃO É COMPAIXÃO, E SIM PARENTALIDADE.
Por outro lado, o Acolhimento Institucional é provisório, tal medida só poderá ser adotada depois de ter esgotado todas as possibilidades de reintegração na família de origem.
Todavia, quando a criança tem mais de 3 (três) anos de idade, a inserção em família adotiva é cada vez mais difícil e as crianças acabam ficando por um longo tempo no acolhimento institucional, ou até mesmo ocorre a adoção pelos pretendentes estrangeiros.
Na adoção tardia, os adotantes tem receio da criança que foi adotada trazer consigo maus comportamentos da família biológica.
Entretanto, os adotantes não podem trazer esse tipo de preconceito, porque cada criança possui sua peculiaridade, e cabe ao novo pai/mãe criá-lo da melhor forma possível.
Para optar em uma adoção tardia é essencial uma preparação por parte dos pretendentes, é preciso disposição e amor para adaptar a criança/adolescente a essa nova fase de ajustamento, sem qualquer tipo de preconceito, em relação ao sexo, idade, raça da criança/adolescente que será adotada.
Adoção tardia x pandemia
O mundo esta passando por um processo delicado em razão do COVID/19, muita coisa mudou, 2020 foi um ano de reinvenção e adaptação para a maioria da população.
A pandemia acabou trazendo impactos negativos em relação ao processo de adoção, para finalizar o cadastro dos pretendentes para a adoção. [6]
Entretanto, também fez mudanças positivas, é um momento para que os pretendentes que estão na fila de adoção repensem os seus requisitos para escolher a criança/adolescente que será adotada, e começam a refletir sobre a adoção tardia.
O promotor de Justiça David Kerber de Aguiar, que atua em Araucária, na Região Metropolitana de Curitiba, acompanhou o processo de adoção das duas adolescentes. [7]
Para ele, efetivamente, a adoção tardia ainda é um grande desafio, mas ele comenta que hoje há mais pessoas que estão se abrindo para essa oportunidade que se coloca tanto para meninos e meninas em acolhimento quanto para aqueles que podem encontrar a realização como pais adotando crianças mais velhas e adolescentes. [8]
A promotora de Justiça Luciana Linero, do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça da Criança e do Adolescente, unidade do MPPR, comenta que:
Os pretendentes a adoção no Brasil sempre tiveram preferência por bebês e crianças pequenas. Essa restrição, porém, começa a mudar. “Temos avançado na colocação de crianças maiores e até mesmo adolescentes em adoção. E também grupos de irmãos.
O quadro tem se alterado com estratégias de aproximação dos pretendentes com as crianças e adolescentes aptos à adoção, pela divulgação de vídeos, cartas e imagens desses meninos e meninas. Também contribuem estratégias de encontros festivos realizados com a intermediação de grupos de apoio à adoção e de equipes técnicas dos Juizados da Infância e das instituições de acolhimento”. [9]
Os desafios de aceitação da adoção tardia
Crianças com idade superior a 3 (três) anos de idade, acabam ficando um longo período em acolhimentos institucionais, isso porque a maioria dos pretendentes que estão na fila de adoção relatam que essa faixa etária não se enquadra na “família perfeita”.
Nesse sentido destaca a psicóloga Lídia Weber:
A adoção neste sentido ‘moderno’ implica necessariamente em adoções chamadas tardias (de crianças mais velhas e adolescentes), morais (crianças portadoras de necessidades especiais ou doenças) e inter-raciais.
Ao se falar de adoção, é preciso entender que existem centenas de pessoas querendo adotar uma criança e milhares de crianças esquecidas nas instituições desejando uma família substituta. Por que, então, estes dois segmentos da população não se encontram?
Aqui se destaca um ponto intrigante nos dados do Cadastro de Adoção, de acordo com que foi explicado no texto anterior “ A adoção um ato de amor”, destaquei os dados do painel virtual referente ao Sistema de Adoção e Acolhimento-SNA, evidencia que são 5.075 crianças disponíveis para adoção e 35.104 pretendentes na fila da adoção (dados atualizados).
Sabe por que a quantidade de pretendentes é maior do que as crianças disponíveis para adoção?
Porque as crianças maiores de 3 (três) anos de idade são a maioria em acolhimento institucional, uma vez que, essa faixa etária não é a “preferência” para os pretendentes, assim, elas acabam sendo esquecidas na fila de adoção.
Os pretendentes acreditam que uma criança mais velha, não irá se adaptar a uma nova família.
Porém, isso não passa de um preconceito por parte dos pretendentes, TUDO É ADAPTAÇÃO, se o individuo quer realmente adotar ele precisa ter em mente que a criança só precisa de tempo e carinho para se adaptar ao novo lar.
Os pretendentes precisam ter planejamento e preparação para realizar a adoção tardia, geralmente a criança traz consigo um histórico particular com situações de negligência, abandono, dentre outros, entretanto esse argumento não pode ser um motivo para viver com a família adotiva.
Em qualquer adoção os pretendentes precisam entender as crianças/adolescentes, entender os seus medos e traumas, e superá-los juntos como uma família, isso exigirá dos pais amor e atenção para a fase de descobertas.
Adoção tardia é o adotante se sentir também adotado pela criança/adolescente, que entre eles possa existir o amor de família, não levando em consideração a idade da criança/adolescente, e que toda forma de preconceito em relação à idade do adotando possa ser excluída pelo amor.
Incentivo da adoção tardia por meio de aplicativos
O primeiro aplicativo tem como nome: ADOÇÃO BRASIL, desenvolvido pelo Tribunal de Justiça do Paraná, do Conselho de Supervisão dos Juízos da Infância e da Juventude (CONSIJ-PR) e do Grupo de Apoio Adoção Consciente (GAACO).
Esse aplicativo tem como objetivo de aproximar a adoção de grupos de irmãos ou crianças maiores que acabam ficando em acolhimento institucional por um longo período.
Com o aplicativo os pretendentes que estão inscritos no Sistema Nacional de Adoção, poderá acessar os principais recursos, como:
- programas de busca ativa (Adote um boa noite, Quero uma família e Em busca de um lar)
- passo a passo para adoção
- consulta de processos
- perguntas frequentes
- grupos de apoio
Outro aplicativo, criado pelo Poder Judiciário do Rio Grande do Sul que lançou a campanha “Deixa o amor te surpreender”, pela Corregedoria-Geral da Justiça e pela Coordenadoria da Infância e Juventude do Rio Grande do Sul (CIJRS).
O aplicativo disponibiliza imagens com depoimentos, fotos, cartas e desenhos, o aplicativo Adoção deu rosto, movimento e emoção às crianças e adolescentes disponíveis no Cadastro Nacional de Adoção (CNA), cujas informações, antes, se limitavam a uma tabela com dados básicos, como iniciais dos nomes, idade, condições de saúde e se tinham irmãos. As esperanças dos pretendentes também aumentaram, na medida em que a ferramenta está disponível em todo o país.
Essa ferramenta tem a missão de impulsionar as adoções de difícil colocação (crianças a partir dos sete anos, adolescentes, grupos de irmãos e jovens com deficiência), o aplicativo ajuda a flexibilizar o perfil descrito pelos futuros pais – o dos bebês e crianças de até seis anos – no que se refere à idade, aumentando a média desejada de oito para 13 anos.
O aplicativo tem como finalidade aproximar os pretendentes que estão devidamente habilitados no Cadastro Nacional de Adoção com as crianças disponíveis na fila de adoção.
Além disso, existem Campanhas no intuito de gerar reconhecimento para crianças e adolescentes que estão em adoção tardia, e assim fazer com que os pretendentes analisem a campanha com um novo olhar.
A campanha tem como titulo: Esperando Por Você, foi criada pela Comissão Estadual Judiciária de Adoção (CEJA-ES), para dar visibilidade a crianças e adolescentes que não encontraram pretendentes nos cadastros nacional e internacional de adoção.
O foco são os grupos de irmãos, crianças mais velhas e aquelas que possuem alguma deficiência, que representam os perfis menos desejados pelos adotantes.
Conclui-se que, as ferramentas introduzidas pelo judiciário estão facilitando e incentivando a adoção tardia, e que esse preconceito possa ser excluído entre os pretendentes.
Referência: WEBER, L. N. D. Laços de ternura: pesquisas e histórias de adoção. 3. ed. Curitiba: Juruá, 2008