AVÓS E NETOS E O DIREITO DE CONVIVÊNCIA NA PANDEMIA

O direito de convivência dos avós e netos durante a pandemia. Quem iria pensar em evitar o contato entre avós e netos devido ao COVID19?

No contexto da família, o direito de convivência dos avós e netos durante a pandemia, é algo que até poucos meses atrás não prevíamos e não imaginávamos.[1]

Todos nós sabemos que o mundo enfrenta uma grande e generalizada infecção por um vírus – o coronavírus – com grande capacidade de transmissão.

Alguns países já estão voltando à “normalidade”, outros ainda estão enfrentando as medidas de isolamento sociais, bem como alguns ainda enfrentam uma “segunda onda” de transmissão do vírus.

Porém, independente do estado ou país, a pandemia [2] exige a modificação do comportamento não só de avós e netos, mas de todos nós, do nosso estilo de vida, uma vez que a transmissão pode ocorrer de pessoa para pessoa e, também, por contato com superfícies onde o vírus pode sobreviver por um tempo.

Conforme orientações da Organização Mundial de Saúde, a doença pode atingir todos os grupos etários, de crianças a idosos. Todos os infectados, durante certo tempo, podem contaminar outras pessoas.

A infecção resulta em quadros que podem ser assintomáticos (sem manifestação de doença), podem ter manifestações leves e casos graves, inclusive com risco de morte.

As crianças, até agora, estão no grupo de assintomáticos ou de casos leves. Os idosos são os principais membros dos casos graves.

Dessa forma, durante esse tempo de pandemia, recomenda-se evitar o contato físico dos avós com os netos, uma vez que a criança – mesmo sem sintomas e aparentando boa saúde – pode transmitir o vírus para os avós (e estes, se infectados, também podem passar para os netos).

Todos nós precisamos explicar para cada um deles, tanto avós quanto netos – com palavras de compreensão e respeito – essa orientação.

Recomenda-se nesse momento, até nova orientação, não haver contato direto dos netos (e outras crianças) com os avós.

Diante dessa situação, famílias se veem divididas entre a saudade e a necessidade de preservar a saúde e a vida de pais e avós.

É certo que temos que encontrar nossa própria compreensão, nossa própria voz. Essa decisão deve representar nossa prova de amor maior a eles. Mas nem toda privação é perda.

Este pode ser um tempo novo, de reinventarmos as formas de nos fazermos presentes nas vidas uns dos outros sem perder a convivência.[3]

Vale ressaltar que os jogos eletrônicos e a tecnologia também podem ser uma forma de interação entre avós e netos, são trocas de gerações que devem ser valorizadas e realizadas com um tempo adequado.

Dessa forma, é possível criar uma forma de encontro nesse período: a avó pode fazer o bolo preferido da neta e mandar entregar, pode fazer um porta-retrato com uma foto da família e dizer que está com saudades.

Escrever um bilhete carinhoso.

Conversar virtualmente e usar a tecnologia.

Tudo é possível quando estamos abertos e dispostos a dar e receber afeto. Só precisamos ir além das limitações e enxergar novos caminhos de nos encontrar.

Para avós que não podem estar perto dos netos, mensagens de áudio e texto do WhatsApp e ligações de vídeo são uma forma de amenizar a saudade e manter o contato mais próximo, utilizando a tecnologia a favor da pandemia.

Falando em tecnologia, a Revista Veja nos trouxe no dia 10 de abril de 2020, uma reportagem sobre “Coronavírus: em isolamento, avós criam diário virtual para os netos”.

A Plataforma registrou aumento de 25% das buscas para o serviço de armazenamento de vídeos, áudios, fotos e texto em álbum digital[4].

Em contrapartida, sabemos que na realidade, muitas crianças e adolescentes [5] já convivem com seus pais e avós na mesma residência. Nesse caso, o contato ente eles são inevitáveis.

Mas, também tem sido para muitas famílias, um momento de estreitar os laços com os pequenos e resgatar passatempos antigos, brincadeiras como pular amarelinha, fazer desenhos e pinturas, aventurar na cozinha fazendo bolos e receitinhas culinárias, rever fotos antigas, ouvir muitas histórias na hora de dormir, dentre outras.

A proximidade da convivência das crianças com pais e avós são muito positivas, pois são reforçados os vínculos entre eles. Além disso, o contato entre as diferentes gerações enriquece o desenvolvimento infantil e a construção da memória afetiva.

Na prática, é difícil quebrar, mesmo que por um tempo, essa grande relação lúdica, de afeto, respeito, interação e formação, de grande significado para a vida dos netos e dos avós.

Mas, compreendemos que, nesses tempos, devemos priorizar pela segurança, saúde e a vida, direitos e garantias fundamentais assegurados constitucionalmente.

Segue abaixo, alguns depoimentos concretos sobre a convivência dos avós e netos durante a pandemia:

  • LEONICE VERÔNICA PINTO LEITE (65 anos), residente em Aparecida de Goiânia/GO, avó de Heitor Rodrigues Leite (04 anos) e Rafaela Rodrigues Leite (17 anos). Contraiu o COVID19 em meados de junho e relata:

“No início da pandemia ia abraçar meu neto Heitor e ele dizia que não podia, fazia apenas cumprimento com o cotovelo, se escondia atrás das árvores para me ver de longe. Às vezes ele abraçava, mas falava que não podia. Porém, evitava o contato físico e pegar no colo, mas quando ele queria alguma coisa para comer, geleia ou leite com Toddy, por exemplo, ele me gritava, pedia e eu ia arrumar para ele. ”

Heitor afirmou para a avó que “só rapa o prato na casa da vó Nice”. Ela se enche de orgulho ao ouvir ele falar isso.

Porém, em meados de junho, quando seu exame confirmou positivo para o COVID19, eles não tiveram mais contato pessoalmente, mas se falavam por telefone e vídeo chamada todos os dias.

Seu neto falava ao telefone: “…Vó quero ir aí ficar na sua casa”. Ela falava que ele precisava esperar ela sarar primeiro e ele dizia:  “…Ah, que chato, e ficava nervoso ao telefone, sem entender direito o que estava acontecendo devido a sua idade”…

Graças a Deus, ela não precisou ser hospitalizada e se recuperou em casa. Soube que seu neto Heitor apreendeu andar de bicicleta sem rodinha, durante a pandemia, já levou alguns tombos, porém, está há alguns dias sem ter contato com a filha e os netos devido ao fato do genro também ter testado positivo para o vírus recentemente.

  • MARTA HELENA VERÔNICA FERNANDES (52 anos), residente em Aparecida de Goiânia/GO, avó de Leonora Naves Fernandes (1 ano e 08 meses) e da bebê Melinda Gonçalves Fernandes, que irá nascer no final de agosto de 2020, afirmou:

“Durante a pandemia trabalhei normalmente, tive contato com minha neta tomando todos os cuidados e precauções, e, não aguentaria ficar muito tempo ser vê-la, uma semana já é muito tempo. Sempre pedia para o meu filho me visitar e trazer minha neta para ficar comigo um pouquinho. ”

“Sobre a minha outra netinha que irá nascer, também não deixei de ir visitar, mesmo estando em outro Estado (Minas Gerais), só não tivemos o mesmo contato presencial como gostaríamos durante a gestação dela, mas sempre falo com meu filho e minha nora, mandamos fotos e vídeos para matar a saudade”.

MARIA ROSA FERNANDES VASCONCELOS, (71 anos), residente em Aparecida de Goiânia/GO, avó de João Pedro Silva Vasconcelos (11 anos), Heitor Silva Vasconcelos (1 ano e 09 meses) e dos gêmeos Ravi Freitas Vasconcelos e Alana Freitas Vasconcelos (1 ano e 06 meses), também afirmou:

“Meus 2 netos João Pedro e Heitor moram no mesmo lote que eu e meu esposo, nunca me afastei deles durante a pandemia. No início tivemos mais receio, porém, sempre tomamos os devidos cuidados, higienizamos as mãos, evito abraçar e beijar com frequência. ”

“Também visito os gêmeos Ravi e Alana pelo menos 1 vez por semana, coloco máscara, higienizo as mãos direitinho, uso álcool em gel, para ter contato com eles, para que eles não se esqueçam que eles têm uma avó Maria que os ama muito. Além disso, recebo notícias dos meus netos por chamada de vídeo e fotos pelo WhatsApp sempre. ”

  • SEBASTIÃO FERNANDES (73 anos), residente em Avelinópolis/GO, avô de Guilherme Lourenço Fernandes (21 anos), Murilo Rosa Fernandes (20 anos), Pablo Erick Lourenço Fernandes (17 anos), Kauã Lourenço Fernandes (09 anos) e Thomás Fernandes Martinez (1 ano e 10 meses), assevera:

“Estou morando na fazenda, busquei o sossego da roça desde dezembro de 2019. Durante a pandemia, tive contato apenas com meu neto caçula, o Thomás com quem também está morando comigo e com minha esposa nesse período.

“Estou evitando ao máximo ir na cidade, tanto Avelinópolis quanto Goiânia, saio apenas para o estritamente necessário, tomando todos os cuidados, usando máscara e tomando os remédios preventivos de combate à doença. ”

  • JOSÉ FERNANDES (61 anos), residente em Goiânia/GO, avô de Cauê Vieira Fernandes (06 anos) e Jorge Batista Fernandes (03 meses), aduz, em síntese: 

“Meu neto Jorge nasceu durante a pandemia do novo coronavírus, tivemos que adotar algumas restrições como medida de precaução para ele e para nós, avós, também. Evitei chegar muito perto, ficar pegando no colo, usei máscara, utilizei álcool em gel e higienizei bem as mãos sempre ao estar próximo dele. ”

“Meu neto Cauê já é um pouco maior, vem, me abraça, quer brincar e o contato é inevitável, claro, tomando todos os cuidados necessários para a prevenção e combate ao COVID19. ”

  • JACI FERNANDES (58 anos), residente em Aparecida de Goiânia, ainda não é avô biológico, mas é “avô afetivo” de Maria Ester Dantas Siqueira (04 anos) e Ravi Dantas Siqueira (02 meses), conclui:

“Durante todo período da pandemia, tomando os devidos cuidados, vi a minha netinha Maria Ester pessoalmente, apenas 2 vezes, sendo uma vez em Goiânia e 1 vez em Inhumas, cidade que ela mora. ”

“Em contrapartida, meu netinho Ravi nasceu durante a pandemia e devido ao aumento do número de casos de COVID em Goiás, temendo pela saúde de todos nós e pela vida em primeiro lugar, ainda não pude ter o contato pessoalmente com ele. Porém, através de vídeos, fotos e redes sociais, o contato com ambos é constante. A tecnologia ajudou muito nesse aspecto. ”

Nesse contexto, sabemos que o direito de convivência consiste na possibilidade de um genitor ou parente próximo (no caso os avós), que não possuem a guarda do menor, de visitá-lo e tê-lo temporariamente em sua companhia, podendo inclusive fiscalizar a sua manutenção e educação. [6]

Na prática, a legislação não consegue acompanhar todas as mudanças de temas relacionados à família. No entanto, a Justiça nunca deixa de proferir decisões com fundamento em princípios constitucionais. Com a finalidade de garantir o direito de cada envolvido no processo em questão.

Os conflitos familiares que envolvem separação judicial (divórcio) podem ensejar problemas para os avós com relação às visitas aos netos.

Antes da edição da Lei nº 12.398 de 28 de março de 2011, não havia regulamentação sobre o tema.

 Assim, juízes muitas vezes já decidiam favoravelmente ao direito dos avós e da convivência com os netos. A participação destes é fundamental. E se não houver motivos que justifiquem o impedimento, não há como prevalecer uma decisão pessoal dos pais em relação aos avós.

Na maioria das vezes não há um justo motivo dos pais para impedir os avós de visitarem e conviverem com os netos.

Esta condição de negar a visita pode ser por questões patrimoniais, desavenças com o genro e nora e perda de elo entre os familiares. Ou, estando os pais ainda casados, pode se apresentar apenas por inimizade familiar.

Em todos estes exemplos que os avós têm negado o direito de visita, a condição pode ser modificada por uma decisão judicial, através da intervenção de um advogado ou defensor público.

Se a proibição existir unilateralmente por parte de algum dos pais, infelizmente os avós terão de recorrer à Justiça. Só assim poderão restabelecer o direito de visita, através de um procedimento judicial que chamamos de “Ação de regulamentação de visitas”.

Como dito anteriormente, a Lei nº 12.398/2011 inseriu um acréscimo no Código Civil, a adição do parágrafo único [artigo 1.589] com o verbete:

O direito de visita estende-se a qualquer dos avós, a critério do juiz, observados os interesses da criança ou do adolescente”. Grifo nosso.

Muitos não sabem, mas o mesmo direito que os pais separados ou divorciados têm em relação aos filhos quanto às visitas, os avós também possuem.

Para esclarecer a expressão “observados os interesses da criança ou do adolescente”, é importante saber que prevalece sempre o interesse da criança. Ou seja: o seu bem-estar! A necessidade da criança prevalece em detrimento aos interesses dos pais ou dos avós.

Por exemplo, se os avós exigirem o direito de visita em horário em que a criança está na escola. Certo que isso vai contra os interesses da criança, a vontade dos avós não vai prevalecer. Pois estando na escola, prevalecerá o direito de a criança estudar.

Inclusive, os netos (sendo eles crianças ou adolescentes) têm o direito de conviver com avós paternos e maternos. E só sendo legítima a proibição quando existir causas que levem a essa impossibilidade. Como maus tratos, comportamentos reprováveis e não confiáveis (chamado judicialmente de comportamento inidôneo).

No caso de ação judicial de regulamentação de visitas ou de ação de alimentos (obrigação avoenga) [7], normalmente o juiz determinará a realização de estudo psicossocial. Este será realizado por um psicólogo. O intuito é avaliar as condições familiares, visando a integração do menor com o parente que pretende ter o direito de visita.

Não só durante a pandemia, mas aquele que dificultar o exercício do direito de visita e convivência dos avós e netos, poderá incorrer também, nas regras que tratam da “alienação parental”. [8] Podendo o juiz determinar uma simples advertência ou até mesmo a consequência de suspensão da autoridade parental, conforme determina a Lei nº 12.318/2010.

Em maio, um casal de avós conseguiu regulamentar a guarda, a convivência e a pensão alimentícia da neta, que vive com eles desde o nascimento, em Goiás.

Por conta da pandemia do coronavírus, eles sequer precisaram sair de casa e encontraram a solução em tempo recorde: oito dias. O caso apresentou consenso entre as partes – pais e avós da criança. A decisão é do 2º Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania – CEJUSC, da comarca de Anápolis, no interior de Goiás.

E mais, em outro exemplo, no mês de junho, um avô que foi impedido por seu filho de ver a neta, após o divórcio com a avó, conseguiu a fixação do contato com a menina por videoconferência durante a pandemia. A decisão é da 12ª Vara da Família e Sucessões de São Paulo.  Embora não haja previsão legal para tanto, a determinação é medida alternativa salutar a ser imposta.

Os pais da menina não apresentaram contestação e o juiz responsável pelo caso ressaltou que, considerando a tenra idade da neta, o contato gradual e constante com o avô é “adequado ao convívio inicial”.

Determinou, dessa forma, que ele passe a ter contato com a menina semanalmente, aos domingos, por videoconferência. O processo corre em segredo de justiça.

Portanto, não há dúvidas de que a visita é um direito dos avós e deve prevalecer em qualquer situação, até mesmo na pandemia, claro, analisando-se cada caso concreto e tomando todas as medidas de segurança.

A emoção de ser avó ou avô, de ser identificada (o) pelo (s) neto (s), repete e amplia a emoção que eles sentem quando se tornam pais. Ela nos transmite um sentimento de amor, de responsabilidade, de cuidados, de desejos de felicidade e de proteção para o (s) neto (s).

Por certo, no fundo do coração, em alguns momentos, os avós poderão sofrer de saudade de seus netos. Mas, valerá a pena, teremos oportunidade de compensar tudo isso em breve!

Além do mais, quando possível, utilizem sempre a imagem e o som da internet ou inventem outro meio indireto de contato.

Nenhuma distância conseguirá diminuir o amor recíproco de avós e netos. Afinal, os avôs e as avós, tem uma imensa capacidade de amar e proteger.

No entanto, tenhamos sempre a certeza em mente que este momento vai passar e voltaremos a nos encontrar e reunir toda família pessoalmente, em breve e sem medos!

Por Talita Verônica


8 comentários em “AVÓS E NETOS E O DIREITO DE CONVIVÊNCIA NA PANDEMIA”

  1. Parabéns prima Talita pelo excelente texto sobre os avós diante a pandemia que estamos vivendo!!! Emocionei com suas palavras… Avós são pais e mães com açúcar hehe Tenho muitas saudades das nossas avós 😍 Amei os depoimentos e fotos ❤️

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    • Priscila, muito obrigada pelas suas lindas palavras ❤️ Em nome de toda equipe do Blog Descobrindo Crianças, agradeço sua interação! Tenha uma ótima semana!

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