Chegou a hora do desfralde, e agora?

Fazendo uma busca rápida em sites de pesquisa é possível encontrar várias dicas e materiais sobre como deve ser o processo de desfralde em crianças com o desenvolvimento neurotípico.  Entretanto, pouco material aborda o desfralde em crianças com transtorno do desenvolvimento, como Síndrome de Down e Transtorno do Espectro Autista. Sendo o desenvolvimento infantil uma fonte repleta de novidades, o mais importante no processo de desfralde e, consequentemente, na capacidade da criança em controlar os esfíncteres é a maturação emocional, cognitiva e motora da mesma.

Segundo Laura Estremera Bayod, o controle dos esfíncteres depende da maturação intrínseca da criança e de sua percepção a respeito do funcionamento do seu próprio corpo. Aos dois anos, os pais começam a perceber indícios de que o desfralde pode ser iniciado, como quando a criança se esconde para fazer cocô ou fala que fez xixi. Nesta etapa do desenvolvimento, a criança transita da fase oral (em que o mundo é experimentado pela boca) para a fase anal (controle dos esfíncteres). Nesta idade, também, a criança já apresenta maior controle motor; tem capacidade de compreensão e de comunicar-se; e sua capacidade de tolerar tensões aumenta. Fique atento se o seu filho já consegue pular tirando os dois pés juntos do chão, pois o momento do desfralde pode estar próximo.

Por ser uma fase de transição, a retirada da fralda apresenta um dos maiores desafios para os pais e responsáveis, exigindo paciência, repetição e persistência.

Paciência, pois, cada criança se desenvolve e amadurece no seu tempo, dependendo do contexto familiar, social e cultural em que ela vive. Evite comparações feitas com outras crianças, até mesmo com os irmãos. Use comparações na horizontal, ou seja, comparando o desenvolvimento do seu filho com ele mesmo. Questione-se sobre qual foi a conquista do seu filho no dia de hoje? E nessa semana? Se você não souber responder, fique mais atento: as conquistas do seu filho podem estar sendo pouco valorizadas.

A repetição é necessária, pois a criança está aprendendo uma atividade nova e que tem muitas etapas diferentes. Analise comigo os passos necessários para o uso do banheiro:

  • Sentir vontade de urinar ou evacuar;
  • Segurar a urina e as fezes (até o momento certo);
  • Entrar no banheiro;
  • Abaixar a calça;
  • Abaixar a roupa íntima;
  • Sentar no vaso;
  • Liberar o esfíncter por completo;
  • Limpar-se;
  • Colocar a roupa íntima;
  • Colocar a calça;
  • Lavar as mãos;
  • Secar as mãos;
  • Deixar o bainheiro.

Ufa… Uma atividade que parece tão simples, quando destrinchada assim fica parecendo mais difícil, não é mesmo? Nós, adultos, fazemos o uso do banheiro de forma automática, por isso não nos damos conta da quantidade de passos e da dificuldade em realizá-la. A repetição vai permitir que a criança crie o hábito de realizar todos os passos, permitindo assim o aprendizado da atividade.

Para que a criança consiga interiorizar todos os passos descritos acima leva tempo. Por isso, a persistência é tão importante. Muitos pais acabam desistindo no meio do processo de desfralde por acreditar que a criança não está pronta, ou por não observar a evolução dela no uso do banheiro. ou pela quantidade de roupas sujas, ou por outros motivos pessoais. Segundo Flávio Fortes D’Andréa, as atitudes dos familiares, principalmente da mãe, em relação ao uso do banheiro são decisivas para o sucesso no desenvolvimento da criança nesta fase. Estimular a autonomia e a independência de seu filho no uso do banheiro com certeza irá contribuir para o aprendizado de outras atividades de vida diária ainda mais complexas.

É comum que o desfralde seja iniciado no verão, estação em que as crianças usam roupas mais leves e ocorre aumento da transpiração contribuindo para diminuição do xixi. Mas, é essencial perceber se a criança está realmente pronta para iniciar o processo de desfralde, se ela já apresenta compreensão sobre o controle dos esfíncteres e demonstra interesse no uso do banheiro. Como dito acima cada criança amadurece no seu próprio ritmo, sendo assim haverá crianças que deixarão a fralda no verão, outras no outono, outras na primavera e outras no inverno.

Depois que seu filho conseguir usar o banheiro com independência durante o dia, poderá ser iniciado o desfralde a noite. Quando a criança acordar com a fralda seca significa que está pronta para a retirada da fralda noturna.

Crianças com diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista e Síndrome de Down geralmente apresentam mais dificuldade na hora de aprender novas atividades, como no uso do banheiro. Além de se atentar ao que foi descrito acima, é possível usar uma rotina visual com os passos da atividade para facilitar o aprendizado da criança. Deixe a rotina visual no banheiro na altura dos olhos da criança, para que ela possa busca-la sempre que necessário.

Antecipar as ações também facilita o processo de aprendizado de novas atividades. Explique para seu filho sobre o uso do banheiro. Mostre como funciona a descarga, principalmente se seu filho tiver medo do barulho dela. Você pode mostrar como você faz uso do banheiro, afinal o exemplo é sempre a melhor forma de ensinar. Enfeitar o banheiro com adesivos ou brinquedos é uma forma de deixa-lo ainda mais atrativo e acolhedor para o uso da criança.

O uso do penico ou assentos podem dar mais segurança a criança, facilitando a permanência dela no vaso sanitário por mais tempo.

No início do desfralde, leve seu filho ao banheiro de forma gradual. Comece perguntando se ele quer ir ao banheiro e perceba se ele lhe dá sinais de querer. Você pode deixa-lo inicialmente 10 segundos sentado no vaso, aumentar para 20 segundos e ir ampliando o tempo progressivamente. Use um cronometro, se for necessário.

Caso seu filho fique resistente em permanecer sentado no vaso sanitário, não insista! Muitas crianças tendem a associar o uso do vaso sanitário com uma punição e precisamos mostrar que este é um momento que faz parte do dia-a-dia. Respeite quando ele quiser sair do banheiro e, na hora certa, leve o novamente. Permita que a criança possa ouvir e sentir o próprio corpo para que ela determine a hora de usar o banheiro.

Denise Teixeira e Ana Cabanas criaram um protocolo para desfralde de crianças com Síndrome de Down para ser aplicado pelo terapeuta ocupacional. O protocolo inclui orientações aos pais e treino do uso do banheiro para a criança. As autoras destacam a importância de elogiar a criança sempre que for ao banheiro ou avisar à hora de ir valorizando as etapas que a criança já faz sozinha. Observe se ela parar de brincar e entrar no banheiro sozinha, deixe que ela tente executar os passos sem ajuda antes de interferir. E nunca repreenda seu filho quando ocorrerem escapes, isso pode fazer com que ele segure a urina ou fezes causando constipação ou doenças gastrointestinais. Não esqueça que o controle dos esfíncteres também são um processo de maturação emocional.

Laura Estremera Bayod destaca consequências a curto e longo prazo em crianças que tiveram a fralda retirada antes da hora. “A curto prazo, podemos encontrar o medo de fazer cocô, o que a leva a segurar, a sentir dor quando defeca e, portanto, a problemas de constipação. A longo prazo, se associou em meninas que tiveram suas fraldas removidas antes de estarem prontas, problemas para manter relações sexuais prazerosas quando adultas.”

A criança nem sempre irá falar quando precisa ir ao banheiro, mas os gestos e a comunicação corporal (não verbal) podem indicar o momento certo de leva-la ao banheiro. Perceba os sinais dados pelo seu filho e nunca retarde a ida dele ao banheiro. A solicitação da criança deve ser atendida na hora.

Quando a criança conseguir usar o banheiro com independência, ou com o mínimo de auxílio, significa que possui controle de esfíncter e que mais uma etapa do desenvolvimento foi vencida!

Referência:

BAYOD, L.E. Controle de esfíncteres: “remover a fralda” ou “abandonar a fralda”? In: Criando. Espanha, 2018. Traduzido por Gabrielle Costa de Gimenez.

 

Por Suellen Merencio.

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